A TERCEIRA DIMENSÃO

Não. Não estou no campo da física, qualquer que seja o adjectivo que se lhe queira acrescentar. Nem física, nem geometria, nem seja o que for pertencente às ciências humanas.

Comecei por me lembrar que já passaram uns dias desde que o meu sensor da glicémia terminou as suas funções, de modo que, como as farmácias têm um estoque limitado, forçado a voltar às picadelas, enquanto o governo gasta milhões na trasladação do que resta dos ossos ressequidos de um homem que, se pudesse contemplar os interesses que alimentam a nossa política, não sei se faria mais do que fez por este país, mas certamente aterrorizaria montanhas e vales com as suas gargalhadas.

E estava a pensar nisto, quando me veio ao pensamento um texto recente, no qual se falava das três dimensões da caridade: dele a memória reteve três nomes: compreensão, perdão e solidariedade.

Peguei-me a isso como refúgio seguro, para não me afundar na tempestade que começava a erguer-se dentro de mim: compreensão, perdão, solidariedade.

A palavra solidariedade, doa qual hoje se usa e abusa, na linguagem corrente, não me pareceu adequada ao contexto do discurso; por isso decidi substituí-la, falando não de solidariedade, mas de comunhão na indigência ou na dor alheia.

Comunhão é muito mais do que um gesto de solidariedade, qualquer que seja a sua dimensão; e todos sabemos, ainda que não haja a coragem de o afirmar claramente, que, se, como diz o cântico, “o mundo morre de frio”, não é por falta de sol nem de amor, por muito que os poetas digam que ele aquece o mundo: de facto, o que na verdade nos falta é a comunhão: aquilo que une as pessoas, para além de todas as barreiras artificiais de raça, cultura, fortuna e religião.

Sem isto, pode haver um oceano de iniciativas, com ou sem ONG’s, peditórios, recolha de fundos, fundações, mais ou menos marcadas pela vaidade dos doadores e seus herdeiros… pode haver e é bom que haja tudo isso, mas os tristes, os que sofrem, os que estão sozinhos… continuarão a ser infelizes.

Fico por momentos a pensar que a maioria dos cristãos não entendeu ainda a solenidade e a ternura que encerra aquela recomendação de Jesus aos seus amigos, na hora da despedida:

Com incontido espanto para todos, tinha-lhes lavado os pés, como faziam os escravos aos seus senhores, advertindo-os depois de que deviam fazer o mesmo uns aos outros; em seguida, para que tudo ficasse bem claro, acrescenta:

“Filhinhos, já pouco tempo vou estar convosco. Haveis de me procurar, e, tal como eu disse aos judeus: Para onde eu for vós não podereis ir, também agora o digo a vós.

DOU-VOS UM MANDAMENTO NOVO: QUE VOS AMEIS UNS AOS OUTROS; QUE VOS AMEIS UNS AOS OUTROS COMO EU VOS AMEI.

Por isto é que todos conhecerão que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros” (Jo 13, 33-35).

É evidente que o que Jesus preceitua – sim, preceitua, não recomenda apenas – como identificação obrigatória dos seus discípulos, vai muito para além de qualquer gesto exterior, por largo e espectacular que seja, porque o que torna as pessoas infelizes é o não se sentirem tratadas como pessoas: mesmo sem o pensarem precisam que os seus semelhantes, façam, na medida em que isso está ao seu alcance, o que Deus fez por todos nós.

Leio em Santo Agostinho, que traduzo timidamente, porque me dou conta de que escondo a beleza formal do seu texto:

“O criador do homem quis ser homem: fez-se o que fizera, para que não perecesse quem ele tinha feito, para que não perecesse a sua criatura.

Que se poderá acrescentar a uma tal misericórdia?

Pois Ele acrescentou-lhe algo:

Não se contentou com fazer-se homem, mas quis também ser rejeitado pelos homens: como se fosse pouco ser rejeitado, quis também ser ultrajado e morto; e como se isso ainda não bastasse, quis ser morto numa cruz.

Daí as palavras de Paulo, que, depois de falar da obediência do Filho até à morte, acentua: e morte de cruz” (Sobre o Ev. de João, 36.4).

Talvez não nos tenhamos ainda dado conta da leviandade com que repetimos em todos os tons que a essência do cristianismo é o amor.

Assim foi muito fácil traduzir o “charitas” de São Paulo (1Cr 13, 1 e sgs), por “amor”, talvez para fugir a uma certa conotação negativa da palavra “caridade”.

Acontece, porém, que, negativo por negativo, será difícil dizer qual dos dois termos é mais equívoco no nosso falar comum.

Prefiro, por isso, ir ao original, que, nem no grego nem no latim, nem em Santo Agostinho, usa os termos correspondentes a “amar” (latim “amare”/ grego “philein”).

Regresso ao princípio: compreender e perdoar são, sem dúvida, dimensões da caridade; mas sem a comunhão – ser pessoa, identificando-se como tal à disposição do outro, que também se toma como pessoa -, a nossa imitação de Cristo fica profundamente truncada e pode não passar de pura hipocrisia.

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