A TERCEIRA DIMENSÃO

Hora da refeição, alegre, apesar das dores de cada um, onde o ruído do trabalho diligente das cooperadoras, às vezes teimando com alguém mais desmobilizado, física e mentalmente, para que cumpra o seu dever de alimentar-se , onde esse ruído se mistura com o calor raro de certas discussões, a respeito disto e daquilo, principalmente em temas que abordam a fé ou a religião.

A certa altura, fala-se dos Novíssimos, que alguém se lembra de referir citando o formulário aprendido no catecismo, certas apostilas pedagógicas: MORTE CERTA, HORA INCERTA, JUÍZO RIGOROSO, CÉU OU INFERNO PARA SEMPRE.

De repente, em toda a sala, ouve-se um coro de protesto: ora, o inferno temo-lo nós cá! O que será a nossa vida senão um inferno permanente.

Não foi possível dar outro rumo à conversa, porque à dificuldade de pensar para entrar em diálogo, juntava-se a impressão geral de que todos estavam descontentes com a vida, mesmo nas coisas mais normais e correntes, que apenas e abraçavam, ou porque davam prazer, ou pelo seu valor funcional, como meio de manutenção de uma rotina, cada vez menos atraente, cada vez menos capaz de comunicar uma verdadeira felicidade.

Claro que seria apenas uma impressão, provocada pela vontade de usar expressões tradicionais que, mesmo se pouco cristãs, já se usavam no meu tempo de criança.

Não pude, porém, evitar uma certa mágoa: sobretudo porque assim se cortam as oportunidades de um certo esclarecimento da fé comum.

Afinal, quem estará verdadeiramente convencido de que o que Deus quer de nós, todo nós, sem excepção, é que sejamos felizes?

Que foi para isso mesmo que o Filho se homens?

Quem entende as tentações do deserto – como o Messias recuas as pistas para a concretização do Reino propostas por Satanás – quem as entende e delas tira lições práticas?

Vejamos como Jesus responde às objecções de Pedro, que se mostrava escandalizado com o anunciado caminho da Cruz:

Jesus “começou a ensinar-lhes que o Filho do homem tinha de sofrer muito, de ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e pelos escribas; de ser morto e ressuscitar três dias depois. E Jesus dizia-lhes claramente estas coisas.

Então, Pedro tomou-O à parte e começou a contestá-lo. Mas Jesus, voltando-Se e olhando para os discípulos, repreendeu Pedro, dizendo: «Vai-te, Satanás, porque não compreendes as coisas de Deus, mas só as dos homens»” (Mc 8, 31-33).

Deixemos de lado o importantíssimo pormenor, raramente comentado, mas intencionalmente referido pelo evangelista: “Jesus, voltando-Se e olhando para os discípulos, repreendeu Pedro”.

Torna-se claro que. no fundo, já o processo usado pro Simão, que chama o Mestre de lado, para dissuadi-lo do seu propósito, tem muito da insinuação diabólica, no deserto, segundo a versão de São Mateus:

“O diabo conduziu-o a um monte muito alto e, mostrando-lhe todos os reinos do mundo com a sua glória, disse-lhe: «Tudo isto te darei, se, prostrado, me adorares».

Respondeu-lhe Jesus: «Vai-te, Satanás, pois está escrito: Ao Senhor, teu Deus, adorarás e só a Ele prestarás culto»” (Mt, 4, 8-10).

Mas, quanto a mim, o mais importante do relato de São Marcos, é aquele voltar-se, ver os discípulos e repetir, quase com as mesmas palavras, resposta dada a Satanás, no deserto: assim, talvez possamos concluir que a cena pertence à própria dinâmica do reino messiânico, e que a insinuação diabólica não atinge apenas Simão, mas todos os discípulos, do tempo de Jesus e de todos os tempos, países raças e nações.

Sobretudo que a tentação de Satanás, tal como a figura do deserto, se pode retomar como a síntese de tudo aquilo que pode desviar-nos da fidelidade à nossa condição de discípulo. Síntese que está já no centro da tentação do Paraíso, onde o homem, com o único gesto que não devia nunca ter realizado, porque estava ligado com o fulvro central da aliança do Criador com a criatura, quis apoderar-se do que só poderia ter como dom.

“Vai-te, Satanás, porque não compreendes as coisas de Deus, mas só as dos homens”.

Releio o texto evangélico e fico a pensar como tantas das nossas misérias, pessoais, individuais e colectivas, nascem da cedência ao engano construído pelo tentador, que vem das origens até hoje. Um tentador que poderá constituir um dos maiores, se não o maior mistério desta vida e deste mundo, que temos por dom absolutamente gratuito de Deus; mas que, segundo a promessa do mesmo Deus feito Homem, já está vencido.

Falta que aceitemos essa vitória.

Para aqueles que, apesar da sua fé, continuam a considerar a vida como um peso, ou, pior ainda, um inferno, perdendo a riqueza incomensurável que se esconde por detrás das suas tarefas, tantas vezes heróicas, deixo este curto texto que, escrito há quase cem anos, tem alimentado a vida espiritual de milhões de pessoas, crentes e não crentes:

«As pessoas, geralmente, têm uma visão plana, pegada à terra, de duas dimensões. – Quando a tua vida for sobrenatural, obterás de Deus a terceira dimensão: a altura. E, com ela, o relevo, o peso e o volume» (S. Josemaria: Caminho, 279).

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