À SOMBRA DA AZINHEIRA

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(Nota explicativa: o texto que se segue foi escrito há já alguns dias, por volta da última peregrinação oficial a Fátima. Guardado entre as produções que costumo arrumar no que alguém, com muita amizade e algum bom humor, decidiu chamar de Baú, decido publicá-lo hoje, no rescaldo dos cumprimentos e lembranças do sexagésimo quarto ano da minha ordenação de presbítero, pensando que seria mais um serviço sacerdotal. Peço perdão aos meus amigos, se acham que me enganei).

Eram três homens de idades diferentes:

O mais velho chamava-se Ismael; era também o único dos três que conhecia pessoalmente; ele, como é natural, esquecera-se de mim, tão pouco duradora e significativa fora a minha passagem pela sua vida; a princípio, dada a timidez e discrição do meu caminhar, nem sequer deu pela minha presença; os outros, que desconhecia totalmente, eram Daniel e Simão; este, que era, de facto, o mais novo dos três, era também o mais entusiasta na defesa dos seus pontos de vista.

Entrei na conversa, a um apelo de Ismael, não tanto pelo assunto da discussão como sobretudo por verificar que os três, apesar da possível sugestão dos respectivos nomes, se apresentavam como católicos praticantes.

Pondo de lado a questão do “católico praticante” – expressão de que nunca gostei e hoje considero ainda mais vazia de sentido – depois dos cumprimentos do estilo, avisei imediatamente que, se estavam a discutir política, não contassem comigo: a minha função como sacerdote, era falar de Deus e não de assuntos que, mesmo, porventura, importantes e bons, pertenciam a uma área para a qual não tinha competência nem recebera mandato da Igreja.

Mesmo assim, serenados um pouco os ânimos, expôs cada um o seu ponto de vista sobre os conflitos, armados ou não, que fazem as manchetes dos grandes jornais e cobrem largos espaços nos debates televisivos. E também, como se vê, grupos isolados, pequenos ou grandes, de comentadores de ocasião.

Depois de ouvir com algum interesse e muita paciência, a argumentação de cada um, na defesa do seu ponto de vista, tomei a palavra, procurando que se percebessem, logo de início, que não tomava partido por nenhum dos contendores.

Contendores que, cada qual a seu modo, falavam de direitos históricos, exigências nacionalistas, religiosas e tribais, utilizando passos da Bíblia,

Comecei a reflexão, cuja síntese tomo a liberdade de apresentar:

Em primeiro lugar, tomo como gravíssima ofensa ao Espírito Santo, que todos os crentes, de uma maneira ou de outra, têm como autor principal do texto sagado, utilizar esse mesmo texto, esquecendo sistematicamente a coerência da fé que o viveu, ao longo dos séculos, para promover ou atacar gestos que contradizem essa mesma coerência.

A guerra, que o nosso Padre António Vieira, em pleno século XVII, classificou de monstro, é a imagem mais perfeita do Inferno: a sua iniquidade, talvez algumas vezes escondida sob máscaras enganadoras, só por algum equívoco diabólico, pôde em certas ocasiões, ser apelidada de santa.

Há, de facto, uma guerra santa, que Jesus disse ter vindo trazer à terra; mas essa não tem armas, nem semeia a morte: porque é a que cada um trava dentro de si mesmo, para que se torne cada vez mais viva a sua identidade humana e cristã: o homem novo, gerado por Cristo na Igreja, através do Baptismo.

Reparo que, nas vossas discussões, usais teimosamente a expressão “direitos históricos”, todos fundamentando esses direitos em textos bíblicos, sem se darem conta de que, por essa via, correis o risco da blasfémia, pondo Deus em oposição ao que constitui a verdade fundamental, constitutiva da fé, cuja coerência dá sentido a toda a Sagrada Escritura, palavra humana recolhida como divina – por isso se chama Sagrada – pela comunidade crente, através dos séculos.

Perante tal Palavra, só há um direito histórico: o de, em qualquer circunstância, dar a vida para que o pecado e a morte não recuperem o que perderam com a derrota do Calvário.

Outros direitos, criados pela legislação dos detentores do poder e dessa legislação dependentes, só não são efémeros e injustos, na medida em que a sua raiz conta com a origem divina de todas as coisas, confiadas pelo Criador ao homem, não para que se apoderasse delas, como se não tivesse de prestar contas do seu uso; mas para cuidar delas, de modo que sirvam a glória do seu Autor e Senhor supremo.

Talvez alguém pense que isto será uma linha de pensamento que irá, pelos menos, a caminho das ideologias anarquistas.

É evidente que não. até porque, do ponto de vista político, o anarquismo, é uma ditadura; talvez a mais temível e cruel das ditaduras: basta pensar um pouco nos massacres que, o longo do ano de 1936, banharam o solo espanhol com o sangue de milhares de mártires, executados pelo único crime de quererem servir a Deus e os homens, segundo os ditames da própria consciência.

Não se fala disto porque ultimamente tornou-se habitual realçar os crimes políticos, que também os houve, cometidos por todas as facções em luta pela vitória durante a Guerra Civil.

É também por isso que, como imagem do Inferno, a guerra civil compota uma iniquidade inultrapassável, já que ultraja directamente a paternidade universal de Deus.

Aliás, o que, na hora presente se nos pede, como resposta de fé, não será que acertemos no julgamento das pessoas, mas que, condenando o que, seja quem for que o pratique e onde quer que se pratique, é crime, assumamos a nossa porção de culpa e tomemos o caminho da conversão, nossa e dos outros. Conversão sema qual o mundo, cada vez mais afastado de Deus, se torna cada vez mais imagem e antecipação do Inferno.

(Fátima, 25.08.16)

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