Entre o nascer e o pôr do Sol parecem ser contidas tantas imagens. E elas viajam na minha cabeça como se ontem tivessem sido vividas.
Passou um ano. Fui e voltei a essa Terra Prometida, à linda Etiópia na qual deixei e trouxe muito amor.
Muita coisa se pode dizer sobre viagens da vida, sobre as pessoas, os seus comportamentos, as suas diferenças (e o tanto que temos em comum). Mas pouco talvez tenha esta ida-volta de simples viagem. Não foi só isso.
Durante algum tempo (o, para mim, tão necessário) doeu assumir que esta “mais que viagem”(ou “experiência” – como muitos lhe chamam, conotando-a de um sentido tão minimalista) talvez não tenha sido metade do que esperava. Foi mais longa que aquilo a que me propunha. Está a ser mais longa. Começou no momento em que disse “sim, eu quero Seguir-Te, eu quero tentar!” e prolonga-se hoje. Prolongar-se-à até que eu queira. Pensava que estaria 2 anos nessa bela Etiópia. Estive apenas (?) três meses. Mas esses três meses desdobram-se em vários anos, numa vida, num modo de vida.
E com alguma vergonha assumo esta dor de não ter sido bem o que esperava. Na realidade, não sei o que esperava. Talvez esperasse outras coisas. Esperar é sempre a expectativa que tens da missão. E, por mais que possa eu dizer que não tinha expectativas, como não tê-las com uma tão longa preparação para a partida. Expectativas têm-se sempre quando se sonha. Chamei muitas vezes a esta preparação o tempo de gestação, o tempo em que a mãe espera pelo momento em que a sua cria vem ao mundo. E o tempo de gestação da partida não foram “meros” 9 meses. Foi bem mais longo, mas nem por isso (e nunca) em vão. Aí já estava em missão, ainda que nem sempre o conseguisse alcançar/sentir.
E vergonha de assumir a dor porque não há que a sentir. Não há que ter sentir receio de sentir a dor. Eu esperava uma coisa. Deus deu-me outra. E doeu perceber que, por Deuscidências, teria que voltar. Doeu perceber que não tinha/podia ser segundo os “meus” planos, mas que me tinha que abandonar e confiar nAquele que me convidou, me trouxe e me conduz na missão. Talvez nunca tenha falado muito desta dor, do quanto doeu “ter” que regressar, do quanto doeu fazer as malas e voltar, pensando que iria regressar num futuro próximo e, afinal, não. Esse futuro próximo não chegou e as malas não voltaram a ser refeitas.
Ao ser humano é difícil, por vezes, falar sobre aquilo que não conhece bem. Custa-nos muito assumir que há coisas que vão contra o que tínhamos pensado, por preconcebermos que falhámos em algo. Mas não se trata de falhar! Simplesmente a meta não era aquela que pensávamos, mas outra. Outra fora do nosso campo de visão inicial. E quando se trata de amar e ser missão, entramos num vasto campo de caminhos. E, seja qual for aquele que tomamos, nunca poderemos ter a sensação que falhámos. Falhar o quê?
Quando após revisitarmos a dor algumas vezes, como e porque nos fere, aprendemos a habitar com ela e percebemos que ela não é “só” dor. Hoje já não é mais dor. Hoje é um bem!
“Sabemos que aceitámos um sofrimento quando extraímos dele algum bem e, consequentemente damos graças por tê-lo padecido. (…) Depois de tudo isto, convém bem afirmar que a dor é o nosso mestre principal. A lição da realidade – que é a única digna de ser ouvida – não a aprendemos sem dor. (…) porque chega a um ponto em que uma pessoa deseja sentar-se todos os dias com a sua porção de dor, frequentá-la, conhecê-la, domesticá-la… sem deixar de ser o que é, a dor vai mudando de sinal à medida que a frequentamos.”
in «A Biografia do Silêncio», de Pablo d’Ors
Olhar para trás é reconhecer o bem que foi ir. E o bem que foi regressar. É voltar lá, olhar as pessoas e saber que estivemos juntos para nos amarmos. E sim, a missão continua.
PS: aos meus amigos, companheiros de “viagem” David e Pedro um grande e infinito obrigada por seguirem juntos a missão na Etiópia, por serem sinal de Cristo (não só para o povo de lá, mas para todos nós) e por toda a vida que partilhámos (e continuamos a partilhar).