A morte, o luto e a esperança cristã

Diz o povo que é o que de mais certo temos na vida. E que é a mais “democrática” das realidades, não escolhendo ricos ou pobres, velhos ou novos, sábios ou analfabetos. Convivendo com ela no dia a dia, sabendo-a certa para todos, continua a ser um dos temas de conversa mais difíceis, uma das situações com que menos sabemos lidar, um dos medos que nunca nos abandona. A festa de Todos os Santos e a comemoração dos Fiéis Defuntos que abrem o mês de Novembro convidam-nos a refletir sobre ela. A morte.

 

“Para quem crê, a vida não acaba, apenas se transforma”

O que é a morte, qual o seu sentido e significado, é uma das perguntas eternas do homem, acompanhando as célebres “de onde vimos, quem somos, para onde vamos?”. O ciclo da vida, por muitos anos que se vivam, parece-nos sempre curto. Sabemos que terminará um dia para nós e para todos, mas custa-nos aceitar e compreender esse desfecho. Sobretudo, quando é precedida de doença e sofrimento, quando surge de forma violenta e inesperada no princípio ou a meio de uma vida, ou quando se trata das pessoas que mais amamos. Neste último caso, é sempre uma experiência dolorosa, mesmo que se trate de uma pessoa idosa ou após doença prolongada. Parece impossível aceitar, evitar o choque e, por vezes, a revolta.

Para quem não tem fé, essa dor pode ser ainda maior, pela noção de que tudo termina ali, de que não mais aquele amigo ou familiar voltará ao nosso convívio, a não ser nas memórias e no coração. A verdade é que a ciência e a sabedoria humanas têm muita dificuldade dar uma resposta convincente para o sentido da morte, não indo muito além da consciência de que ser finito, ter um fim, é uma característica própria da existência.

Só a fé pode, de facto, trazer uma luz a este mistério. A religiosidade oferece ao ser humano uma via de ligação com o além, com o autor e senhor da vida, com uma perspetiva de que esta é apenas uma passagem para outra dimensão da mesma existência. Cada religião desenvolve a sua compreensão da vida e da morte, dá um nome a essa entidade suprema que acolhe os que criou e, não sendo possível evitar a dor que é própria da condição humana, ajuda a aliviar esse sentimento de perda com a esperança num reencontro “no fim dos tempos”.

 

O apoio da fé cristã

Para os cristãos, embora permaneça o mistério para a nossa inteligência, Jesus Cristo é a resposta de esperança para o seu significado. Também Ele sofreu com a morte dos amigos e passou pela morte humana. Anunciou-se como sendo “ressurreição” e “vida” e foi, precisamente, pela sua ressurreição que nos mostrou como venceremos a morte.

As suas palavras ganharam, assim, todo o sentido. Passámos, então, a compreender que podemos enfrentar e vencer a morte, escolhendo, como Ele, o caminho da renúncia a si mesmo e da entrega livre da vida como um ato de amor extremo: “Ninguém tem mais amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos” (Jo 15, 13). Isto é, só o amor vence a morte.

Olhando o exemplo concreto que nos deu no episódio da ressurreição do seu amigo Lázaro, vemos esse duplo movimento que somos convidados a realizar quando confrontados com a morte de quem amamos: solidarizarmo-nos com quem sofre e anunciar a Boa-Nova da sua morte e ressurreição como fonte de vida eterna.

 

Acompanhamento da Igreja no luto

Se esta é uma missão de cada cristão, ela é-o também da Igreja, nos seus serviços e comunidades, no âmbito da oferta de acompanhamento espiritual e pastoral aos fiéis. Ouve-se por vezes a crítica de que esse acompanhamento se fica pela celebração do funeral e esse é um desafio a que cada comunidade deve responder com iniciativas criativas.

De facto, depois da oferta da oração, da Palavra de Deus e da presença dos irmãos nas exéquias, há que garantir a continuidade dessa solidariedade cristã durante o luto. Ao longo do tempo, diversas têm sido as formas de organização das comunidades ou associações de fiéis para desempenhar esse papel. As confrarias das almas, ou dos defuntos, as misericórdias, as associações de sufrágios, entre outras, foram e continuam a ser formas de garantir a continuidade da oração pelos mortos, de afirmação da esperança na sua salvação eterna junto de Deus e, em muitos casos, de ajuda espiritual e mesmo material aos familiares em luto.

Na nossa diocese, essa tem sido uma preocupação assumida, sobretudo, pela oferta de formação aos fiéis sobre a questão da morte e das formas de viver o luto, na perspetiva da esperança cristã. Durante o IV Sínodo (1995-2002), esse foi um dos temas trabalhados pelos grupos de base e, nas diversas propostas formativas do Centro de Formação e Cultura, tem sido também abordado em diferentes perspetivas.

Mais recentemente, o Serviço de Pastoral da Saúde organizou um ciclo de formação específica com o título “Conviver com a dor: o luto à luz da fé”, que tem sido realizado em vigararias e paróquias. O objetivo é “proporcionar argumentos que permitam a reflexão acerca do tema na primeira pessoa e disponibilizar ferramentas técnicas que ajudem a comunidade cristã a apoiar no trabalho de ultrapassar o luto alheio”. Os destinatários preferenciais são as pessoas que se dedicam ao serviço sociocaritativo e de assistência social, como os ministros da Comunhão, colaboradores das IPSS e outras pessoas que trabalham ou convivem com doentes e idosos.

Por estes e outros meios de ação (ver caixa: Uma Igreja presente), pretende-se ajudar as pessoas enlutados a refazerem a sua própria vida, encarando a morte como uma experiência que pode ensinar a viver.

  

Igreja presente em vários modos e momentos

Acreditamos num “Deus de vivos e não de mortos”, como afirmou Jesus Cristo. A pastoral da Igreja está, assim, orientada para a vida dos fiéis, tanto a terrena, como a eterna a que todos são chamados. E é aí que encontramos a morte, como passagem necessária para essa vida eterna em Deus.

Apesar de ser, por isso, o momento em que tudo ganha sentido para quem tem fé, não deixa de ser um momento difícil, de separação, de rutura, de dor. Nessa situação, a presença da Igreja torna-se voz desse anúncio de esperança na ressurreição e como conforto que, na oração e na caridade das comunidades, ajuda a compreender e aceitar este mistério.

Vejamos algumas formas concretas dessa presença:

■ Nos locais onde muitos se encontram com a morte. Nos hospitais e nos lares, o capelão tem como principal missão acompanhar os doentes em recuperação, mas também a de preparar os que se aproximam do fim da vida e os seus familiares, para os fortalecer com os meios espirituais e o conforto do amor e da comunhão com Deus e os irmãos, através da celebração da Unção e outros sacramentos. Nas paróquias, é missão do pároco e de outros fiéis fazer este mesmo trabalho na visita domiciliária aos doentes e no acompanhamento regular às famílias.

■ Quando alguém morre, a Igreja oferece o mesmo tipo de ajuda aos familiares e promove a oração para que Deus os conforte e receba o defunto no seu Reino. Seja logo na visita do sacerdote e de outros cristãos ao lar em luto, seja depois durante o velório na casa mortuária ou já na igreja.

■ Um dos momentos mais dolorosos é o funeral. Na celebração das exéquias, toda a comunidade cristã se torna presente e participa na oração litúrgica, mostrando a sua solidariedade para com os familiares e acompanhando o corpo do seu irmão ao cemitério.

■ Nos primeiros dias de forma mais intensa e, depois, ao longo dos anos, normalmente a pedido dos familiares, celebra-se a Eucaristia em sufrágio do falecido, para que Deus o acolha no seu seio. Estas celebrações servem também para fazer memória da pessoa que partiu e lembrar a todos que continua a fazer parte da mesma Igreja, segundo a fé que temos de vivermos todos na comunhão dos santos. Os próprios fiéis se organizam, por exemplo em confrarias, com esta finalidade.

■ Na comemoração anual dos Fiéis Defuntos, é essa mesma fé que se celebra. São momentos fortes de oração pelos mortos, com as romagens ao cemitério, a celebração de ofício de defuntos e outras iniciativas pastorais que as comunidades desenvolvem, com especial incidência neste mês de Novembro.

■ A Igreja cuida também da formação dos agentes pastorais e dos fiéis em geral sobre os temas da morte e da esperança cristã, como forma de ajuda concreta nestes momentos especiais da vida. Como ajuda para as famílias, grupos e comunidades de fiéis publica livros de apoio, como é o caso do livrinho “Orações pelos defuntos”, editado pelo Secretariado Nacional de Liturgia.

■ E porque, muitas vezes, não basta a oração para garantir a ajuda necessária às famílias em luto, a Igreja tem também grupos, serviços e movimentos atentos às situações concretas, dando apoio espiritual aos mais fragilizados e mesmo ajuda material a quem dela tem necessidade.

 

Vocabulário da misericórdia

É sempre difícil saber o que fazer em situação de luto ou o que dizer a quem está nele. Não há “receitas mágicas”, mas há conselhos de especialistas que poderão ser de ajuda. Apresentamos “dez mandamentos” para ambas as circunstâncias, baseando-nos na obra “Conviver com a perda de uma pessoa querida”, de Arnaldo Pangrazzi, editada pelas Paulinas.

Para quem está em luto

1. Aprender a desprender-se do ente querido, para tomar as rédeas da própria vida.

2. Comunicar o que sente, desabafar, manifestar fisicamente as emoções ajuda a enfrentar a perda.

3. Tomar decisões, enfrentando a nova realidade com serenidade e reorganizar a vida.

4. Ser paciente consigo mesmo, aceitando como normais os erros e desânimos na caminhada.

5. Aprender a perdoar, em primeiro lugar a si mesmo e ao defunto, pelo que se fez e se pensa que não deveria ter feito, libertando-se dos sentimentos de culpa e da revolta.

6. Recorrer à fé, desabafando com Deus as angústias e pedindo-Lhe força para as suportar.

7. Acreditar em si mesmo e ter confiança em que será capaz de continuar a sua vida.

8. Estabelecer novas relações, procurar não se sentir sozinho, continuar a amar.

9. Voltar a sorrir, valorizar o bom humor, procurar ser feliz.

10. Começar a doar, a dar e a dar-se aos outros, ajudando-os e fazendo-se próximo.

Para quem ajuda quem está em luto

1. Familiarizar-se com o processo de condolência, sem medo e procurando informação sobre o que poderá ajudar nesse processo.

2. Evitar frases feitas que nada adiantam, como “seja forte”, “foi a vontade de Deus” ou “está melhor no céu”.

3. Dar espaço aos desabafos, estar disponível para acolher e ouvir.

4. Valorizar a presença, até em silêncio, os gestos como o abraço e a simples companhia no choro.

5. Manter os contactos e não desaparecer após o dia do funeral.

6. Cultivar as lembranças, buscando no passado a força para o futuro.

7. Estimular as escolhas construtivas que significam crescimento.

8. Respeitar a diversidade das reações de cada pessoa como normais.

9. Ser um sinal de esperança, de confiança, de calor e de amor.

10. Mobilizar os recursos comunitários, desde os vizinhos às instituições de apoio, conforme as necessidades específicas de cada familiar.

Luís Miguel Ferraz | Presente Leiria-Fátima

 

A criança e o luto

2014-10-29 Destaque morte Patricia-lopesA vivência do luto é diferente entre crianças e adultos. Comparativamente aos adultos, as crianças são mais dependentes, dispõem de menos informação acerca da morte e apresentam mais limitações em termos de raciocínio abstrato, logo, dificuldade na compreensão da vida e da morte.

Tal não quer dizer que, perante a falta de um parente próximo, não surjam respostas emocionais à perda. De facto, essas respostas podem assumir proporções dramáticas, que serão tanto ou mais agravadas, quando mais enganada se sente a criança. Deparando-se com uma perda, ela própria pode pedir explicações sobre o que se passou. Se o adulto não for verdadeiro, a criança, ao perceber-se enganada, distancia-se dele. Isto agravará os sentimentos de insegurança e ansiedade, podendo até enviesar o desenvolvimento harmonioso da sua personalidade. Por outro lado, evitar o tema apenas ensina a criança que a morte é um assunto tabu, sobre o qual não se pode ou deve manifestar.

Assim sendo, é imperativo ajudar as crianças a compreenderem o que aconteceu, criando espaço para a partilha de sentimentos de perda. Efetivamente, quando confrontadas com uma perda, são capazes de falar sobre a morte e parecem querer fazer isso, procuram entender o adulto e esforçam-se por perceber o que se passa. O adulto deve explicar claramente e de forma simples os acontecimentos que precederam a morte e até a morte em si, tirando partido da experiência da criança. Esta forma de atuar irá facilitar a sua adaptação à nova realidade.

Patrícia Esperança Lopes, Mestre em Psicologia e Psicóloga Clínica Infantil

 

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