A JMJ a dar frutos: Monte Redondo numa viagem de intercâmbio e esperança à Venezuela

Dancei, ri e sorri, abracei e chorei… andei à chuva e molhei-me como há muito não acontecia…

Entre os dias 24 de agosto e 9 de setembro, um grupo de 10 peregrinos portugueses embarcou numa missão de fé e solidariedade à Venezuela. O projeto de intercâmbio internacional interdiocesano envolveu membros da paróquia de Monte Redondo, diocese de Leiria-Fátima. Estes peregrinos, entre os quais o padre Orlandino Bom, pároco de Monte Redondo e Coimbrão, representavam o culminar de meses de preparação intensa e cooperação entre Portugal e Venezuela.

O contexto e as dimensões do projeto

Este intercâmbio desenvolveu-se em quatro dimensões principais, todas com o objetivo de fortalecer laços espirituais e culturais entre as dioceses de ambos os países.

1. Peregrinação

A missão tinha como foco a peregrinação por diversas dioceses venezuelanas, levando consigo a imagem peregrina de Nossa Senhora de Fátima. A devoção à Virgem Maria é profundamente enraizada tanto em Portugal quanto na Venezuela, sendo que a peregrinação visava conectar espiritualmente a imagem de Nossa Senhora de Fátima com a sua congénere venezuelana, Nossa Senhora de Coromoto, padroeira do país. Acompanhados pela fé, os peregrinos portugueses procuraram também estreitar os laços com os imigrantes portugueses residentes na Venezuela, muitos dos quais há muito afastados do seu país natal.

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2. Geminação

O intercâmbio visava, igualmente, o fortalecimento dos contactos entre as dioceses de Leiria-Fátima e as dioceses venezuelanas, em especial no âmbito pastoral. O objetivo a longo prazo passa por estabelecer um intercâmbio permanente de trabalho pastoral entre os dois países, construindo pontes não só espirituais, mas também sociais, humanas e organizacionais.

3. Celebrar os frutos da Jornada Mundial da Juventude (JMJ)

Esta peregrinação foi, de certo modo, uma extensão da celebração da Jornada Mundial da Juventude, que teve lugar em Lisboa, onde a paróquia de Monte Redondo acolheu 166 peregrinos venezuelanos. Entre esses estavam jovens, líderes pastorais e até representações indígenas e políticas, o que permitiu um enriquecedor intercâmbio cultural. A visita à Venezuela foi também uma forma de aprofundar esse intercâmbio e de promover o reencontro de alguns jovens que participaram nas pré-jornadas e levando a vivência da JMJ às comunidades visitadas.

4. Dimensão caritativa

A solidariedade foi outro dos pilares desta missão. Aproveitando a visita, os peregrinos portugueses levaram medicamentos de primeira necessidade para distribuir em várias comunidades carentes. Esta ação reflete o desejo de construir um mundo mais justo e solidário, um dos grandes objetivos da Jornada Mundial da Juventude.

A preparação cuidadosa

A preparação para esta missão começou muito antes da partida. Ivo Viegas, um dos membros da organização, partilhou: “A preparação já começou há alguns meses… Realizaram-se visitas a Portugal de alguns responsáveis da peregrinação para tratar de detalhes com a Diocese e com o Santuário, e também para alinharmos alguns detalhes e expectativas quanto à realização da peregrinação.”

Explicou que, além da logística associada aos passaportes e à viagem, a principal preocupação sempre foi a segurança e a saúde dos participantes. “A nossa médica de serviço preparou uma farmácia e um kit de primeiros socorros para a viagem. Com alguma antecedência, fomos também conhecendo melhor a devoção à Nossa Senhora de Coromoto, assim como preparando algumas celebrações marianas com cânticos associados a Fátima,” acrescentou.

A preparação espiritual e emocional foi igualmente importante, com a organização de várias dinâmicas para encontros com crianças e jovens, além de lembranças para deixar nas comunidades visitadas.

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Uma peregrinação transformadora

Helena Pedrosa, uma das participantes, descreveu a experiência na Venezuela como “uma peregrinação intensa e transformadora”. “Desde que chegámos que acompanhámos a imagem peregrina de paróquia em paróquia, diocese em diocese, estado em estado… onde foi recebida em celebração, festa, oração… sempre com muita emoção e dedicação por parte da população,” relatou.

Cada comunidade visitada na Venezuela demonstrou um profundo amor pela Virgem Maria, e a chegada da imagem de Nossa Senhora de Fátima foi acolhida com enorme entusiasmo. “Era comovente ver a fé e a devoção destas pessoas, mesmo em contextos tão difíceis. Em cada local, fomos recebidos com uma festa vibrante, mas também com momentos de oração muito intensos,” explicou Helena.

O futuro do intercâmbio

O projeto de intercâmbio interdiocesano ainda está longe de terminar. Além de fortalecer as relações já existentes, há planos de continuidade. A colaboração entre as dioceses portuguesas e venezuelanas poderá incluir o envio de sacerdotes para trabalho pastoral, bem como a partilha de recursos e conhecimentos entre os dois países.

Os participantes regressaram a Portugal com o coração cheio e com a certeza de que esta peregrinação foi muito mais do que uma viagem física. Foi uma oportunidade de partilhar fé, esperança e solidariedade num país que enfrenta muitos desafios, mas onde a espiritualidade e a vontade de construir um futuro melhor permanecem vivas.

Com passos firmes, este intercâmbio está a desenhar um futuro de proximidade entre dois povos, unidos pela fé e pelo desejo de contribuir para um mundo mais justo e solidário.

Testemunho pessoal

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A Helena Pedrosa enviou-nos, ainda, um texto que testemunha os dias que o grupo de peregrinos experimentou em terras venezuelanas:

 Dancei, ri e sorri, abracei e chorei… andei à chuva e molhei-me como há muito não acontecia… mas rapidamente sequei e voltei a suar. Mantive-me limpa e bem cheirosa durante 10 minutos por dia, seguidos de suor intenso e contínuo. Dormi no autocarro horas e horas a fio, sentada, deitada, torta, encolhida e a cair. Fugi dos mosquitos e cacei baratas, mas comi crocodilo.

Comi, logo para começar o dia, cachapa com queijo, arepas, carne, feijão preto e mais queijo. E, para o caso de isso ser pouco, comi o lanche da manhã “solo para picar” e, pouco depois, comi o almoço… e descobri que ainda não era o almoço. Mais tarde almocei, depois lanchei… e comi o jantar… apenas para descobrir que ainda não era o jantar… e voltei a “cenar”.

Senti que há lugares e momentos em que as leis e direitos que assumo como universais e garantidos são simplesmente um luxo… uma ilusão… e senti-me grata pelo privilégio da segurança com que nos adentrámos nesta aventura, neste país.

Dei entrevistas para o jornal, a rádio e a televisão e tirei fotos com centenas de pessoas que desconheço e não voltarei a ver na vida… mas fui mais feliz nos momentos em que permaneci uma cara anónima a observar a magia a acontecer à minha volta.

Enfrentei alguns desafios: quase me senti raptada num autocarro, outro avariou e outro quase ficou sem combustível, quando já não havia combustível nas bombas deste país. Descobri que, na maioria das ocasiões, os semáforos variam entre verde claro, verde e verde escuro… Viajámos por autoestradas, mas também por estradas e caminhos com buracos e poças no meio do nada… ou no meio do tudo… do tanto que é este país: montanhas, vales, florestas de palmeiras e bananeiras, prados com árvores centenárias, altas de copas largas e sombras generosas, pântanos, rios imensos, praias e desertos.

Fiquei sem luz num apagão geral, mas ainda assim celebrámos juntos numa catedral à luz das velas e ao som do Avé Maria de Schubert. Passei por onde se explora o ouro, o gás e o petróleo… Chorei ao ver o lixo espalhado no chão e o sujo das ruas das cidades e aldeias. Senti o caos das cidades e respirei os seus gases, fumos e cheiros variados, que se agarraram à minha garganta… a contrastar com algumas cidades mais ordenadas e espaçosas. E confesso que experimentei as casas de banho mais difíceis de enfrentar… de tal forma que parar para ir “ao mato” foi um alívio, e encontrar uma sanita limpa foi motivo de regozijo, celebração entre amigas e suspiros de gratidão!

E foi todo um suspiro quando nadei no mar azul-turquesa, cristalino, cálido, ladeado por montanhas verdes, entrecortadas, certamente desenhadas por Deus para me mimar o coração.

Viajei de lancha pelo rio imenso até ao pueblo indígena escondido rio adentro, depois das montanhas, no meio de um paraíso, onde as crianças foram perdendo a timidez e riram, brincaram, dançaram, jogaram, correram, passearam, abraçaram e disseram “gosto de ti… ficas quanto tempo? quando voltas?” Ouvi o canto da anciã em louvor a esta Mãe que agora chegou, vi as suas lágrimas e senti-me grata e pequenina quando me acolheram e me lavaram docilmente os pés e as mãos… e toda a viagem, toda a estadia foi meditação.

Fui à missa, rezei, fui à procissão, e de novo à missa, de manhã, à tarde e pela noite dentro… de paróquia em paróquia, de diocese em diocese, de estado em estado… neste país imenso. Abracei a rir e a chorar… Agradeci, aceitei encomendas e recados, ouvi pedidos e confidências de gratidão, tristeza, resiliência, esperança e sempre de paz e sempre de amor. Fui abençoada pelas ruas, espontaneamente, por pessoas que me olharam e tocaram… chorei só de olhar os rostos em lágrimas e oração ao passar esta Mãe, com a sua veste simples, branca, de traços suaves, diferente de tudo neste país.

Senti a generosidade de tantos que nos esperaram, nos receberam, nos acolheram e deram mais do que têm… Partilharam connosco a sua vida e cultura, dançaram, tocaram em fanfarra, filarmónica e orquestra, cantaram, vestiram-se de festa… prepararam “detalhes” para cada um… partilharam doces, fizeram t-shirts, escreveram-nos palavras em português, fizeram-nos café e disseram “obrigado” com as mãos no peito, a abraçar-nos a alma.

E vivi todas estas aventuras e desventuras na companhia de pessoas boas, lindas, de coração generoso, que são elas mesmas uma aventura, uma partilha, uma experiência de amor.

Obrigada!

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