A CARNE E O ESPÍRITO

Sem fazer exegese, que não tenho competência, nem académica nem profissional para isso, transmito a quem me quiser ler, com a maior sinceridade possível, os sentimentos e as ideias que me nascem na leitura crente e rezada dos textos sagrados; só peço que, quem tem a missão de o fazer, tenha a caridade de me advertir, quando reparar que nesses sentimentos e ideias há alguma coisa contra fé da Igreja, na qual nasci, tenho vivido e quero morrer.

Digo isto de vez em quando, não me importando de me repetir, porque, afinal, se trata de passar por uma das minhas zonas de conforto, raiz da serena liberdade com que penso e escrevo, sem medo de me afogar em erros que não me prejudicariam só a mim.

Com tal liberdade pego nas duas leituras desta quarta-feira, juntando-lhes um outro texto de São Paulo, convencido de que, na verdade, tratam do mesmo tema fundamental: ou seja, a necessidade de entender que, seja qual for a linguagem que se utilize, o homem como pessoa – ser capaz de conhecer e amar -, experimenta continuamente uma desarmonia, que lhe cria um conflito permanente entre o pensar e o querer, de tal modo que muitas vezes é levado a uma incoerência que o torna infeliz.

É como se houvesse no seu interior dois entes, duas forças que nunca estão de acordo: na cultura ocidental, judeu-cristã e greco romana, cedo se designaram essas duas forças por “espírito” e “matéria”, mais especificamente, sobretudo em São Paulo, “carne” e “espírito”. De notar, porém, que no grego de São Paulo, carne (“sarx”), não é o mesmo que corpo (“soma”).

Se repararmos bem, as acções de que, no Evangelho de hoje Jesus censura os fariseus e os doutores da Lei não têm nada de condenável e, como acções, gestos corporais, são, para qualquer filosofia, perfeições. Digamos que o corpo entra aqui na sua função específica de manifestação da pessoa, que através dele comunica com o mudo material; mas o “espírito”, dominado pela carne, pratica o mal fazendo o bem, como acontece muitas vezes na vida de cada um.

Isto não quer dizer que, como às vezes se ouve, o que conta é a intenção: eu diria que é precisamente na intenção que o espírito pode estar esmagado pela carne, porque, sem o respeito pela verdade das coisas, estamos perante o domínio da carne, que, na expressão do Apóstolo, milita contra o espírito.

O trecho da Carta aos Gálatas, com a sua lista de “frutos da carne”, aos quais se opõem os “frutos do espírito”, poderia tornar-se mais claro, lido com o capítulo doze da Carta aos Romanos.

Aliás, o contexto geral das referências à oposição carne/espírito é a polémica criada pelos judaizantes, que, entre eles e aos cristãos vindos do paganismo, continuavam a considerar as práticas da Lei como essenciais à salvação, secundarizando, ou mesmo diluindo a salvação em Jesus Cristo.

Também não é claro que no texto da carta aos Gálatas, São Paulo se refira especificamente ao Espírito Santo, como entenderam os catecismos, que aí foram buscar a lista dos Frutos do Espírito Santo – doze -, paralela dos Dons do Espírito Santo – sete.

Certo é que São Paulo, como ele diz, dando especial força à sua proclamação, pela graça que lhe foi concedida (Rom 12, 3), diz que os que praticam as obras da carne, “não herdarão o reino de Deus”.

A lista que destas obras apresenta o Apóstolo, num texto cuja tradução oficial talvez devesse ser revista, em busca de uma maior fidelidade ao original grego, contém quinze nomes; juntando-lhe “e outras coisas semelhantes”; conclusão que nos permite dizer que já para o Apóstolo, as “obras da carne”, não fazem parte de um elenco moralista ou moralizante, para estudiosos da pastoral, mais ou menos atreitos ao fornecimento de prontuários práticos, que, como norma, servem apenas para apoio de uma certa preguiça; não fazem parte e um elenco, porque, afinal, obra da carne será tudo aquilo que não se gera no íntimo mais profundo da verdade do ser humano.

Podemos falar do amor, desde que se trate de um dos aspectos da capacidade relacional que formam a essência da pessoa e respeite integralmente a sua verdade: como, por exemplo, no caso especial do dar-se a acolher-se, que constitui a comunhão interpessoal dos sexos, masculino e feminino. Porque só assim o amor pode ser integrado na caridade, sem a qual nada do que sentimos, pensamos ou fazemos, nos projecta na eternidade.

Quando se fala do amor de Deus e do próximo, como regra suprema de rectidão dos nossos pensamentos e gestos, os textos agrados, tanto do Antigo como do Novo Testamento, raramente usam a palavra “amor”, nos contextos latinos correspondentes: a palavra mais frequente no latim, inclusive patrístico, é o termo “dilectio”, de “diligere”, que traduz o grego “agapan”, de “ágape”, não “philia” de “philein”.

Esta “dilectio”, será a única que se identifica com a “charitas”, cuja presença nos nossos pensamentos e acções, São Paulo considera absolutamente necessária, para que eles não acabem por ser fruto apenas da carne (“sarx”).

Também precisamos de nos defender de uma certa ânsia de tornar inteligíveis os textos, talvez boa e louvável em si própria, mas que facilmente se transforma na tentação de modificar a mensagem divina.

O Evangelho, como frequentemente nos adverte São Paulo, não pode ser alterado, nem fazendo-o dizer o que não diz, nem ocultando o que realmente diz.

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