O Cardeal D. António Marto, Bispo de Leiria-Fátima, acaba de publicar a sua nova carta pastoral “A alegria da fé no caminho dos jovens”, com a orientação fundamental e as principais linhas programáticas para o próximo biénio pastoral (2018-2020). Com o tema genérico ”Jovens, fé e vocação” e o lema bíblico “Quem és Tu, Senhor?”, este biénio será dividido em duas abordagens mais específicas: “Fé: caminho de encontros” no primeiro ano e “Vocação: caminhos de vida e serviço” no segundo.
Luís Miguel Ferraz
Com data de 8 de setembro de 2018, a carta pastoral que orientará o próximo biénio de 2018-2020 é um verdadeiro programa para a pastoral juvenil, mas também uma reflexão muito objetiva e pragmática do contexto eclesial e social em que se move a juventude atual. O sugestivo título “A alegria da fé no caminho dos jovens” (AFCJ) já aponta o horizonte otimista com que o Bispo de Leiria-Fátima quer assumir o desafio de os “escutar” e “integrar”, tendo em conta os modos concretos como pensam e vivem a fé. E indica também o processo que deseja fazer em “acompanhamento”, isto é, em “caminho” com eles.
Pegando na memória do “verdadeiro e forte momento de graça” que foi o último ano pastoral, dedicado à celebração do Centenário da Restauração da Diocese, o cardeal D. António Marto começa a sua carta com a indicação de que é tempo de “sair ao encontro de uma das realidades que neste momento mais solicita o cuidado pastoral e deve estar no centro da nossa atenção, a saber, os jovens com todas as suas novidades e anseios”. Esse será, aliás, um caminho “em sintonia com o caminho sinodal da Igreja”, dada a “feliz coincidência” de o Santo Padre ter convocado para este ano um sínodo dos bispos sobre “Os jovens, a fé e o discernimento vocacional”.
Está assim definido o principal objetivo do biénio: “Oferecer aos jovens a alegria da fé através do encontro e da relação pessoal com Cristo, nos seus próprios caminhos de vida e na Igreja”, bem como os três que o concretizam: “1) ajudar os jovens a encontrar e percorrer caminhos de descoberta de Jesus Cristo e da sua proposta de vida e missão; 2) promover o encontro, o acolhimento e a integração dos jovens na comunidade cristã; 3) acompanhar e discernir, em ordem à descoberta da fé e da vocação”.
Época de desafios e oportunidades
O primeiro capítulo da Carta Pastoral faz a contextualização da juventude atual num “mundo diverso da geração dos seus pais”, cujas transformações dão a sensação “de que viemos dum planeta para outro completamente novo”. Esta “mudança de época”, expressão frequente de D. António Marto, carateriza-se pela globalização tecnológica que dá “origem a uma cultura com impacto profundo sobre as noções de tempo e espaço, a perceção de si, dos outros e do mundo, o modo de comunicar, de aprender, de se informar”. A consequência é a vida acelerada, o primado do “instante”, das “emoções”, da “imagem”, da “relação virtual”, um mundo marcado pela crescente “distância entre gerações”, pela dificuldade em “transmitir aos mais novos os valores”, um “mundo plural e pluralista dos pontos de vista cultural, social, político e religioso”, com todas as crises e oportunidades que isso representa.
Perante este cenário, surge a pergunta se esta será “a primeira geração incrédula” e se “ainda há lugar para Deus, para a fé”. É evidente a crescente “indiferença dos jovens à experiência religiosa, um sinal de estranheza a um sistema de valores que não responde à sua busca de vida e à sua sensibilidade”, bem como o “afastamento” em relação ao rosto mais institucional da Igreja. No entanto, “a relação dos jovens com a fé e a sua pertença confessional é um fenómeno complexo, variado e diferenciado”, alerta o cardeal Marto, recusando o “pessimismo” em favor de uma resposta ao seu desejo de “uma Igreja próxima, acolhedora, inclusiva, misericordiosa, transparente, honesta, dialogante com todos, mais relacional e menos burocrática”.
É também notória uma “cultura da indecisão”, de “insegurança e incerteza face ao futuro” e em que “tudo parece precário, efémero e provisório”, provocada pelas “mil atrações, as centenas de encontros, a imensa quantidade de informações e propostas com que são bombardeados” e que “confundem, desestabilizam, desorientam qualquer jovem”. O Bispo diocesano defende “uma cultura vocacional” que seja “ajuda de qualidade no discernimento” e aponta caminhos para “oferecer a novidade do Deus de Jesus Cristo a um mundo juvenil que, à partida, não está fechado a uma proposta de salvação e aos valores do espírito, ainda que os interprete mais em chave humana do que religiosa”. A imagem das “brasas debaixo da cinza” ilustra essa necessidade de “uma Igreja que tenha a coragem de soprar a cinza e de acreditar na presença das brasas debaixo dela”.
Fazer caminho e companhia
O episódio bíblico dos discípulos de Emaús, adotado pelo Papa para o sínodo dos bispos e desenvolvido também no segundo capítulo desta carta AFCJ, serve de “símbolo e guia excelente do nosso caminho pastoral”. O cardeal D. António Marto começa por defender que a pastoral juvenil deve ser feita em “caminho, acompanhamento e escuta”, menos de “pregação” e mais à maneira de Jesus com aqueles discípulos desiludidos: “escuta, partilha da sua dor, compreende-os e fala com eles”.
O primeiro passo dos pastores será “aproximar-se dos jovens, fazer-lhes companhia, abrir diálogo, caminhar com eles, ouvir com paciência as suas questões”. Depois, também como fez Jesus, oferecer-lhes a “experiência pessoal e comunitária da leitura orante da Bíblia (…) como oportunidade para um encontro espiritual pessoal com Jesus”. Por fim, apostar na “experiência profunda de comunhão” oferecida na Eucaristia celebrada como “encontro festivo” e inclusivo, donde se alimentará uma verdadeira integração na comunidade cristã.
“É bela e necessária esta descoberta da Igreja como mãe e casa espiritual, onde somos recebidos como filhos e nos reunimos como família, onde recebemos e alimentamos a vida espiritual, escutamos a mensagem da salvação, onde temos as nossas raízes, a nossa identidade de Povo de Deus”, refere o cardeal. Isso exigirá chamar e escutar os jovens, aceitar as suas riquezas e limitações com “respeito, amizade, acompanhamento”, bem como “valorizar o seu protagonismo na vida da comunidade”, propor-lhes “experiências de caridade” e de missão, educá-los “para o sentido da vida social, da cultura, do trabalho, da escola, da profissão, da política, onde são chamados a dar testemunho de honestidade, fraternidade, serviço, justiça e paz”. Essa será a via os ajudar a descobrir “a alegria da fé e da vocação pessoal”, o rumo a seguir e “o que deve ser o projeto da sua vida”.
Pastoral para todos
O terceiro capítulo da Carta Pastoral concentra as “coordenadas” e orientações mais específicas para colocar em marcha esta pastoral juvenil e vocacional, cujo “segredo da eficácia vem do Espírito Santo” e cujo horizonte será “a centralidade e a qualidade espiritual da comunidade cristã” como “testemunho da fraternidade, da comunhão, do sentir-se acolhido e participante ativo”.
Uma das primeiras indicações é a “conversão de atitudes”, que leve a uma maior aproximação, escuta, diálogo e respeito pelos jovens, testemunhando-lhes “um cristianismo alegre e atento aos problemas contemporâneos” e comunidades “com relações humanas, acolhedoras, calorosas, autênticas”. É preciso também “falar linguagens claras, compreensíveis, ligadas à vida” e preparar animadores que sejam “figuras educativas de referência que sejam modelos atrativos, mas coerentes e autênticos”.
Um vasto conjunto de “propostas concretas de iniciativas e atividades” são remetidas para o programa que se anexa à Carta, ao cuidado de serviços e agentes convidados a uma “pastoral integrada”, em coordenação, sinergia e integração também com as paróquias, movimentos e associações. Um referência concreta é feita em relação à preparação para o Crisma, que deverá incidir mais em experiências fortes de fé e oração. Outra é para os “os jovens marcados por fragilidades e sofrimento”, aos quais deverá ser dada especial atenção, com “acolhimento, apoio e orientação”.
A última palavra do Bispo é dirigida a cada um dos jovens, a quem chama uma “bênção de Deus para ti próprio, para o mundo e para a Igreja”. Pedindo “não deixes que te roubem este dom precioso” e garantindo “tens um lugar especial no meu coração de bispo”, D. António Marto promete que escreverá em breve uma carta aos jovens e esperará resposta. Deixa, por fim, o desafio a serem “santos modernos, santos do Século XXI”, sem “medo de escutar a voz de Jesus e de ocupar o teu lugar na Igreja e no mundo”, como testemunham tantas “figuras exemplares de jovens santos”.