Para o cardeal D. António Marto, bispo da diocese de Leiria-Fátima, o dia 7 de novembro deste ano seria igual aos de todos os anos desde 1971, não fosse essa particularidade de celebrar meio século de ordenação sacerdotal. Por vontade expressa do prelado, que não quis mais protagonismos para além da responsabilidade da cadeira que ocupa, não houve cerimónias concorridas, nem almoços a juntar os incontáveis amigos e conhecidos que fez ao longo da vida. O recato que distingue os grandes homens foi um desejo inquestionável do pastor desta Igreja local, mesmo não rejeitando convites, durante a semana transacta, para falar a alguns meios de comunicação que não quiseram fazer passar despercebida a efeméride.
O almoço foi, como habitual, na sua residência, na companhia de quem vive com ele diariamente. A mesa apenas aumentou para acolher a família de sangue mais próxima. Naturalmente, o dia seria constantemente interrompido para as normais felicitações. Para marcar o cinquentenário da sua ordenação, aceitou o que é normal no ministério do sacerdote: a celebração da Eucaristia pública em ação de graças a Deus pela sua longevidade no serviço à Igreja. O local escolhido foi a basílica da Santíssima Trindade, no Santuário de Fátima, aproveitando a celebração que faz parte do programa daquele recinto, às 16h30.
O templo acabou por acolher mais fiéis que o normal neste dia e àquela hora. Muitos dos presentes, quiseram, desta forma, felicitar o bispo e mostrar através da sua participação da celebração, o seu apreço. Foi por isso que grande parte do clero diocesano também esteve a concelebrar a Eucaristia com o seu Bispo, num dia em que, coincidentemente culminava a Semana de Oração pelos Seminários.
Testemunho na primeira pessoa
Como anunciou D. António Marto ao início, no final da celebração, em jeito de retrospetiva, partilhou com todos os presentes uma reflexão pessoal sobre o aniversário da sua ordenação e, sobretudo, acerca da sua condição de padre.
https://youtu.be/r4Ln1OTApIY
Para o cardeal, três prontos mereceram a sua atenção particular, resultantes de algum tempo de meditação: “o reconhecimento na memória e na alegria, o desejo de renovar o “sim” ao dom de Deus, um olhar de esperança cheia de confiança”.
No primeiro ponto, e fazendo jus ao seu lema episcopal, confessou que “foram cinquenta anos de vida feliz como presbítero e como bispo, vividos sob o lema ‘servidores da vossa alegria'”. E comparou essa alegria do Evangelho ao bom vinho das bodas de Caná, enquanto característica fundamental da fé cristã. “Se não tenho a alegria da minha fé, não poderei dar testemunho e os outros dirão: ‘mas se a fé é assim tão triste, é melhor não tê-la”, disse. Continuando, expressou o seu reconhecimento às pessoas mais importantes da sua vida:
“Neste reconhecimento ao Deus da minha alegria queria juntar o reconhecimento de amor à Igreja, em cujo seio nasci para a fé e a vida divina pelo batismo, de cujos lábios recebi o nome querido de Jesus Cristo e o Seu Evangelho, de cuja imposição das mãos recebi o dom do sacerdócio ministerial para o serviço do Povo de Deus e onde me é dado viver numa família universal de irmãos e irmãs em humanidade e na fé. O meu reconhecimento abraça ainda todos quantos me estiveram próximos e me guiaram, que seguiram os meus passos desde o berço materno até hoje (meus pais e familiares), os que me brindaram com o dom da amizade, os que se fizeram companheiros de viagem e de apostolado, de quem recebi testemunho confortante. Enfim, todos aqueles e aquelas que encontrei ao longo do ministério e aos quais dei parte da minha vida. Entre estes seja-me permitido destacar particularmente todos os caros diocesanos, o caro presbitério e demais colaboradores desta minha e nossa querida Diocese de Leiria-Fátima!”
O cardeal aproveitou para renovar os seus votos, lembrando os presentes da sua “pequenez” diante das graças que Deus lhe foi atribuindo, porque “o apóstolo nunca pode deixar de ser discípulo, pecador e penitente humilde, porque cada um de nós é ao mesmo tempo grande e miserável”. Por isso, “quis pedir hoje a Deus e a vós irmãos/ãs perdão pelos meus pecados e negligências e pedir também a graça de renovar o propósito de entrega a Jesus Cristo; de abraçar o sacerdócio com o calor e o entusiasmo da primeira hora, acrescido pelo conhecimento do mistério de Deus e do homem, que o ministério me ajudou a aprofundar”.
Finalmente deixou um olhar de confiança e esperança para o futuro, através daquilo que deve ser distintivo do sacerdócio, enquanto serviço para todas as pessoas, pois “o dom do sacerdócio não é só para a Igreja, mas também para a humanidade, para o mundo inteiro”.
Também não terminou sem antes deixar uma referência ao Papa Francisco que, inevitavelmente, o acompanha de forma especial: “embora vivendo um momento obscuro, confuso, duro e fatigante de viragem epocal (…), se soubermos ser dignos desta hora e dos seus desafios inéditos, com o testemunho corajoso e sob a guia clarividente do nosso querido Papa Francisco, a quem agradeço e retribuo a amizade pessoal e testemunho a comunhão e a obediência eclesial.”
Jesus, a Igreja e a ternura de Deus no Mundo
O momento da homilia, como o próprio cardeal fez questão de referir, foi dedicado a falar acerca do que é suposto ser falado nesta altura da celebração, com uma meditação “à luz da Palavra de Deus escutada”. Centrou-se na figura de Jesus, enquanto “Alguém que está vivo”, e que “caminha a nosso lado para aprendermos dele e com ele a ser irmãos e irmãs, servidores uns dos outros”. Com “a crise pandémica, económica e social; a nossa Igreja em plena tempestade no mar deste mundo tão agitado; tantos homens e mulheres a viver em pobreza material e tantos outros no mal estar espiritual”, Jesus Cristo acaba por ser a solução para os que procuram a felicidade” e pode ser encontrado “no meio de nós: nos pobres, nos frágeis e descartados e olha-nos através dos seus olhos”, para além de estar “na sagrada escritura e na pregação da Igreja, (…) na santa liturgia, [e na] celebração de todos os seus mistérios”.
Para falar da Igreja, utilizou as palavras de Santo Agostinho, que se refere a ela como mãe: “quando falo dela, não posso deixar de dizer bem”. Diz D. António Marto que “sim, cada vez que lhe descubro um defeito, a fé transforma-o em mancha da beleza; é uma ruga da minha mãe. Porventura não trazem rugas todas as mães? Mas é minha mãe, a minha. E as suas rugas? Se olho bem, são também as minhas. Precisamente por isto compreendemos também que a Igreja tem necessidade de permanente purificação e renovação.”
Num tempo em que é crescentemente difícil ser cristão e testemunha do Evangelho, o bispo de Leiria-Fátima propõe que, como cristãos, “devemos tomar parte sem reticências na cultura da nossa época: na ciência, nos seus progressos, no fabuloso desenvolvimento das novas tecnologias, na arte, na sensibilidade. Sem dúvida será preciso também o dom do discernimento. Nem tu-do o que é proposto no mercado global da nossa cultura tem o mesmo valor. Mas como discernir, se nos pomos à parte?” Assume o paradoxo de viver no mundo, mas não ser do mundo, à semelhança de Jesus Cristo, que “puseram na cruz entre o céu e a terra”.
“Precisamos do dom de falar como Jesus (…) falar aos nossos contemporâneos para servir e não para dominar, de modo humilde tecendo relações e pontes para unir margens”, afirmou com uma chamada de atenção para “o estilo de Jesus”, que é um estilo “de proximidade, compaixão e ternura”. “Se não formos esta Igreja da proximidade, com atitudes de compaixão e ternura, não seremos a Igreja do Senhor…”, concluiu.
Ordenado sacerdote em 1971, em Roma, pelo cardeal D. António Ribeiro, D. António Marto é natural de Chaves, diocese de Vila Real, onde nasceu no dia 5 de maio de 1947
Exerceu o ministério sacerdotal como educador no Seminário do Porto, professor de Teologia e colaborador na atividade pastoral paroquial naquela diocese e foi ordenado bispo em 2001, exerceu o ministério episcopal em Braga e em Viseu.
Nomeado para a Diocese de Leiria-Fátima, iniciou a sua missão nesta Igreja particular, no dia 25 de junho de 2006. Tendo recebido o Papa Francisco na sua peregrinação a Fátima, em maio de 2017, D. António Marto foi por ele criado cardeal em 2018.
Álbum fotográfico:
http://l-f.pt/ow1l
Testemunho:
http://l-f.pt/Ew03