O cónego Lacerda, como era conhecido, bem pode ser apelidado de “o restaurador”. A ele se deve a terceira e definitiva campanha pela restauração da Diocese de Leiria, cujo instrumento principal foi o jornal que fundou em outubro de 1914: “O Mensageiro”.
Nascido em Monte Real em 1881, precisamente o ano da extinção da Diocese, José Ferreira de Lacerda entrou no Seminário de Leiria em 1893, onde completou o ensino médio, e ingressou no Seminário Maior de Coimbra em 1899. Terminado o curso de Teologia, ainda seminarista, foi nomeado prefeito do Seminário de Coimbra em 1902.
O desejo de aventura levou-o, em julho do ano seguinte, a empreender uma viagem marítima por diversos países até Macau. Nos pouco mais de três meses que ali permaneceu, chegou a ser nomeado capelão da Sé e teve tentadoras propostas de trabalho, não apenas como eclesiástico, mas até no mundo dos negócios, com um rico mercador inglês a oferecer-lhe “sociedade, participação nos lucros e a mão da própria filha”. Mas o seu coração estava em Leiria e ansiava pela ordenação sacerdotal, que viria a realizar-se na Sé Nova de Coimbra, no dia 6 de novembro de 1904, por D. Manuel Correia de Bastos Pina. Nesse ano, assumiu a paroquialidade de Alvorge, passando depois por Monte Real, Vieira de Leiria (1906) e Milagres (1909), onde conquistou o reconhecimento e a enorme simpatia dos fiéis.
Monárquico confesso, de personalidade forte e homem de ação, era conhecido pelo empenho nas causas que defendia, fosse a evangelização do povo cristão, fosse a assistência aos mais pobres, fosse a luta pela melhoria de condições de vida das populações, desde o arranjo das estradas, o serviço de correios, o saneamento do rio Lis, o associativismo agrícola, e tantas outras causas que o moveram. É, portanto, com alguma naturalidade que o vemos ser eleito vereador da Câmara de Leiria em 1908, lugar que abandonaria assim que foi proclamada a República. Ainda à conta da política, esteve preso entre 24 de julho e 10 de setembro de 1912, acusado de aliciar gente para a revolta de Paiva Couceiro, facto que sempre negou, vindo a ser ilibado por falta de provas.
Entre 23 de setembro e 12 de outubro de 1913, faz nova viagem, desta vez uma peregrinação pessoal pela Europa: Espanha, França e Bélgica, marcada especialmente pela visita e participação nas celebrações em Lourdes.
De regresso, a 18 de novembro de 1913, dá-se o acontecimento que iria espoletar a sua mais famosa obra, a fundação do jornal O Mensageiro: morria o bispo de Coimbra, D. Manuel de Bastos Pina, que governara a sua diocese durante 41 anos. Era uma oportunidade de ouro para iniciar nova campanha pro-restauração do Bispado de Leiria e o padre Lacerda percebeu-o de imediato, fazendo dessa uma das grandes causas da sua vida.
Outra das lutas que iria marcar indelevelmente a sua vida é pelo envio de capelães militares a acompanhar o Corpo Expedicionário Português na frente de Batalha, na Grande Guerra de 1914-1918. Sendo pioneiro na defesa desta causa e na disponibilização para prestar esse serviço aos soldados, foi-lhe dada essa “honra”, seguindo para a Flandres a 2 de maio de 1917, onde esteve até 21 de setembro desse ano.
Permanecendo o resto da sua vida na missão humilde de pároco dos Milagres, nem por isso deixou de marcar a sua posição e presença nas mais importantes causas da diocese e da região de Leiria, sobretudo na função de diretor de O Mensageiro.
Foi alvo de diversas condecorações civis e militares, com destaque para o grau de Cavaleiro da Ordem de Instrução Pública atribuído pelo Presidente da República Óscar Carmona, a 5 de outubro de 1931. Apesar da sua recusa inicial, o bispo de Leiria D. João Venâncio nomeou-o Cónego Honorário da Sé de Leiria, a 5 de dezembro de 1958.
Faleceu a 20 de setembro de 1971, com 90 anos de idade, tendo sido sepultado em campa rasa no cemitério dos Milagres.
Luís Miguel Ferraz
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