29 – A bula Gravissimum Christi Ecclesiam, de Leão XIII, de 1881

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Em 30 de setembro de 1881, depois de muitas e reiteradas diligências do governo de Portugal, o Papa Leão XIII, ouvido previamente o consistório cardinalício, assinava a bula ou carta apostólica de redução e nova circunscrição das dioceses em Portugal continental.

Argumentou-se que, com a extinção de cinco dioceses, a saber, Aveiro, Castelo Branco, Elvas, Leiria e Pinhel, e a incorporação destas noutras maiores, o culto divino ficaria mais decentemente servido, o clero mais beneficiado, em geral, e que ganharia a formação deste pela maior dotação e capacidade dos seminários; argumentou-se, sobremodo, que essa era a intenção do rei D. Luís e do seu governo, conforme a intermediara, na Santa Sé, António Bernardo da Costa Cabral, Marquês de Tomar e embaixador junto do Vaticano. A razão política sobrepôs-se à lógica pastoral da tradicional organização eclesiástica de Portugal continental e a Igreja de Leão XIII (1878-1903), dentro e fora de Itália, não gozava já da força política internacional e de capacidade diplomática perante os Estados europeus de séculos anteriores.

Extinguiram-se, pois, a 30 de setembro de 1881, ainda que a execução deste decreto só viesse a ter lugar no ano seguinte, as mencionadas dioceses, entre elas Leiria, ficando Portugal reduzido a doze grandes circunscrições episcopais: Beja, Braga, Bragança ou Miranda, Coimbra, Évora, Faro, Guarda, Lamego, Lisboa, Portalegre, Porto e Viseu. Do significado histórico deste acontecimento já se deu nota em anteriores textos publicados nas páginas deste jornal.

A bula de Leão XIII, Gravissimum Christi Ecclesiam, pela qual se promulgou este novo mapa das dioceses de Portugal continental, foi escrita em folhas de pergaminho, dispostas em forma de caderno com 19 fólios ou 38 páginas. No verso do primeiro fólio, aparece a intitulação pontifícia «Leo Episcopus servus servorum Dei» (Leão, bispo, servo dos servos de Deus), a qual se mostra graficamente muito elaborada ou ornamentada em torno das letras que compõem o nome do Sumo Pontífice Leão, o seu título («Episcopus servus servorum Dei») e, ainda, a cláusula de garantia de ser um decreto para memória eterna («Ad perpetuam rei memoriam»). Toda a bula vem escrita numa caligrafia nova e nossa contemporânea, da autoria do escriba da Chancelaria Apostólica que se assina pelas iniciais, lançadas no final de cada lauda, L. C. A. É efetivamente uma escrita agradável ao olhar, muito redonda e bela, leve e de fino recorte, com ricas maiúsculas ornamentais de tipo capitular, traçadas sempre a meio da primeira linha de cada página.

É um documento que, de um ponto de vista gráfico e diplomático, é filho da reforma que o mesmo Papa Leão XIII impôs à Cancellaria Apostolica, abolindo a emissão de bulas e demais documentação em escrita lombarda ou bulática, prática até então vigente. A bula de Leão XIII vem datada pelas calendas romanas (antigo sistema de contagem regressiva dos dias e dos meses), «Pridie kalendas octobris», ou seja, 30 de setembro, e pela Era da Encarnação do Senhor, que se iniciava no dia 25 de março de cada ano, mas que, no caso em apreço, coincide, nos dias e no mês de referência, com o ano corrente ou comum. Refira-se que, depois de 1908, o Papa Pio X determinou que a documentação apostólica passaria a usar a Era comum.

A bula de reforma das circunscrições diocesanas portuguesas, de 1881, apresenta no fólio 19.º a sigla papal «PP», e as assinaturas autógrafas dos membros da Chancelaria Apostólica. Como documento de relevante significado institucional, extinguindo dioceses e alterando as circunscrições dos bispados portugueses, que vigoravam havia séculos, a bula Gravissimum Christi Ecclesiam foi, ainda, selada com o selo de chumbo, reservado às cartas mais importantes. Na face deste selo aparecem gravadas as cabeças de São Pedro e de São Paulo e, no reverso, o nome do Pontífice, com a sigla PP («PAPA») com o respetivo número ordinal «Leo PP XIII».

Somente a sigla «PP» se pode atribuir à mão do Santo Padre, na bula de 1881, aparecendo, depois, as assinaturas de vários oficiais da Chancelaria Apostólica. Algumas bulas podiam ser assinadas, até 1908, pelo cardeal vice-chanceler, após 1908, designado chanceler. Este era auxiliado pelo regens da Chancelaria, por abbreviatores, responsáveis pela escrita das bulas, substituídos, pouco depois, no pontificado de S. Pio X, pelos protonotários apostólicos participantes ou ativos. Foi ainda S. Pio X que determinou que as bulas com selo de chumbo (sub plombo) ficavam reservadas a atos de criação de dioceses, provisão de bispos e benefícios consistoriais ou outros assuntos de grande importância.

Saul António Gomes

2018-03-08 100 29a

FL. 19 da bula de Leão XIII, com as assinaturas dos oficiais da chancelaria

 


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