A cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos é sempre um evento aguardado com grande expectativa, configurada num espetáculo que, conforme o propósito do evento que, desde sempre, centrou as atenções do mundo, pretende celebrar a união dos povos e o espírito desportivo. A edição deste ano também não deixou os seus créditos por mãos alheias. Aliás, já começa a ser habitual essa (digo eu, saloia) pretensão de dar sempre e ainda mais espetacularidade em comparação com os eventos anteriores. A possibilidade de haver momentos controversos é, por isso, uma realidade cada vez mais presente. Numa cerimónia de quatro horas, a encenação de um “banquete” em que, para muitos, era evidente a associação ao quadro da “Última Ceia” — mesmo que alguns organizadores tenham vindo negar de forma extemporânea e atabalhoada, em marcha contrária ao que outros afirmaram —, trouxe à tona uma sensação de regresso aos tempos primitivos do cristianismo, quando os seus seguidores eram frequentemente alvo de escárnio e perseguição.
Nos primeiros séculos da sua história, o cristianismo emergia como uma religião nascente, incompreendida e frequentemente ridicularizada pelo Império Romano e pelas culturas dominantes da época. Os cristãos eram vistos como elementos subversivos, e a sua fé era alvo de caricatura e desdém. Este período de perseguição moldou a resiliência dos primeiros crentes, mas também deixou cicatrizes profundas na memória coletiva da religião.
A “ceia” apresentada na cerimónia de abertura poderá ser vista como um mero ato de irreverência ou uma tentativa de humor inofensivo. No entanto, resgata, ainda que involuntariamente, um padrão de desrespeito e até mesmo intolerância que se pensava ultrapassado numa sociedade e numa organização que se orgulha de ser a epítome da inclusão e o respeito pela diferença. A utilização de símbolos do cristianismo como meros adereços de espetáculo e na forma como foi feita, revela, pelo menos, alguma falta de sensibilidade e uma ignorância preocupante sobre o significado profundo que eles transportam para milhões de pessoas.
O episódio acaba por trazer à superfície um fenómeno mais amplo de secularização extrema, onde a religião, e em particular o cristianismo, é frequentemente desconsiderada e tratada com um menosprezo que não seria aceitável se dirigido a outras sociedades ou culturas. Esta disparidade revela a hipocrisia latente na sociedade moderna, que clama por tolerância e diversidade, mas que, na prática, frequentemente marginaliza uma das religiões do mundo que mais defende essa tolerância e diversidade.
A ridicularização da “ceia” não é um ato isolado, mas parte de uma tendência preocupante de desrespeito aos valores religiosos que, paradoxalmente, sustentam muitos dos princípios éticos da nossa civilização. Ao desvalorizar a fé cristã, estamos, de certa forma, a desprezar as raízes culturais e espirituais que moldaram a moralidade ocidental e que continuam a influenciar positivamente as nossas sociedades.
Uma possível solução para esta problemática cultural passa por a sociedade reexaminar a sua relação com a religião e a espiritualidade. O respeito mútuo e a compreensão intercultural devem ser pilares fundamentais de qualquer comunidade que se queira verdadeiramente inclusiva. Quando a cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos deveria ser um momento de celebração da diversidade humana em todas as suas formas, incluindo as crenças religiosas que moldam a identidade de milhões de pessoas, a mensagem que se fez passar acabou por ser a nódoa no melhor pano.
Ser cristão, em muitos momentos da história e na contemporaneidade, implica carregar um fardo de incompreensão, escárnio e até perseguição. E confirma as palavras de Jesus no Evangelho de Mateus: “Felizes sereis, quando vos insultarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o género de calúnias contra vós, por minha causa. Exultai e alegrai-vos, porque grande será a vossa recompensa no Céu; pois também assim perseguiram os profetas que vos precederam” (Mt 5, 11-12).
A fé cristã, desde os seus primórdios, esteve marcada pela resistência ao mundo. Os primeiros seguidores de Cristo foram frequentemente marginalizados, ridicularizados e perseguidos por uma sociedade que não compreendia a radicalidade da sua mensagem de amor, perdão e transformação. É um padrão de incompreensão que continua nos nossos dias, mesmo que de forma mais subtil.
Num mundo que valoriza o materialismo, o imediatismo e o sucesso individual, os valores cristãos de humildade, sacrifício e amor ao próximo são frequentemente vistos como desfasados ou até como fraquezas. Ser cristão hoje significa, muitas vezes, enfrentar a zombaria de quem não compreende o compromisso com uma vida de fé e serviço. Uma incompreensão que se manifesta na forma de preconceitos, discriminações ou, mais simplesmente, na indiferença e falta de respeito pelo valor espiritual que a fé representa.
No entanto, a mensagem evangélica é clara: esta incompreensão e perseguição não são sinais de fracasso, mas sim de fidelidade. Os cristãos são chamados a alegrar-se nas adversidades, não por um masoquismo espiritual, mas porque estas adversidades confirmam a sua caminhada. Esta atitude desafia os cristãos a manterem-se firmes nas suas convicções, a viverem a sua fé de forma autêntica, mesmo quando isso significa nadar contra a corrente cultural dominante.
Finalmente, é importante reconhecer a experiência de ser incompreendido como convite aos cristãos para uma maior empatia e solidariedade com todos os que sofrem injustiças e perseguições.