A Quinta-feira Santa, dia 14 de abril, foi um dia especial para o bispo da Diocese de Leiria-Fátima. Já é um dia marcante no calendário cristão por ser o último dia da Quaresma e, em simultâneo, dar início ao Tríduo Pascal, mas, no caso de D. José Ornelas, era o começo da celebração da primeira Páscoa nesta Diocese.
Depois da Missa Crismal que reuniu tudo o presbitério diocesano, às 21h00 celebrou-se a Missa da Ceia do Senhor, popularmente conhecida pela Missa do Lava-Pés. Nas palavras do prelado, durante a saudação, “esta é uma noite especial, que marcou a vida de toda a humanidade”, por ser aquela em que Cristo, na sua ceia de despedida, antes da morte, instituiu a Eucaristia e deu a grande lição de humilde serviço, lavando os pés aos seus apóstolos.
Estes dois temas — a lavagem dos pés e a ceia com os apóstolos — continuaram a ser o mote da homilia da noite, em que o Bispo começou por relatar a sua própria experiência. “Eu sou do tempo em que se lavava os pés à noite, porque não havia água para tomar duche”, iniciou, explicando à assembleia que “lavar os pés não é apenas um fator higiénico, mas também uma oportunidade para criar laços de afeto”. Nesse contexto, ele próprio tinha lavado os pés ao seu pai, porque “lavar os pés não é um ato de escravo, era um ato de afeto e de respeito”. D. José Ornelas explica que, no tempo de Jesus, a lei dizia que o mestre estava proibido de lavar os pés aos discípulos. Por isso, o próprio Cristo rompe com a tradição ao assumir aquele gesto para com os discípulos, pois “lavar os pés é um sinal de cuidado e de carinho, mas também de serviço, de estar disponível”.
Outro gesto de Jesus que foi abordado pelo presidente da celebração e que passa despercebido acontece quando Jesus, antes de lavar os pés, também entrega o manto. D. José explica que “o manto significa a pessoa” e, por isso, “entregar o manto é entregar a vida”.
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Depois do lava-pés, Jesus sentou-se à mesa e faz um grande discurso em que explica que o que fez não é simplesmente um símbolo. Desde logo, a referência ao gesto de partir o pão e pronunciar a bênção que ainda hoje o sacerdote repete na altura do ofertório e que o próprio Jesus já tinha feito por ocasião da multiplicação dos pães. Não é uma simples bênção, explica o bispo diocesano, mas um louvor a Deus pelo pão que nos dá: “Ele é que nos dá o pão e, por isso, esse pão é para ser dado aos outros; o que Jesus faz agora é levar a multiplicação dos pães para outro nível”.
Depois, Jesus diz as conhecidas palavras: “tomai e comei; este pão, para vocês, é o meu corpo”. O pão, no entender do prelado, significa o ser humano de Jesus. “Os discípulos não comeram fisicamente Jesus; ‘comeram’, interiorizaram aquilo que Ele é, Aquele que mexia com o coração deles, Aquele que ia ao encontro deles, quando caíam, Aquele que ia ao encontro dos doentes quando precisavam de vida…” Desenvolvendo, explica que é como se Jesus dissesse “aquele meu modo de ser homem entre vós, é aquilo que vocês devem comer; vocês hão de viver disto, hão de aprender a pensar como eu pensei, a viver como eu vivi, a esperar como eu esperei, hão de ser gente que se compromete na transformação deste mundo como eu fui”. Por isso mesmo, “a Eucaristia que nós celebramos é algo que constantemente nos compromete”.
A finalizar a sua homilia, afirmou que “é o dom total da vida, que nós celebramos na Eucaristia esta noite: Jesus salva-nos, porque deu-nos uma maneira de viver nova, que põe de lado toda a desunião, que põe de lado a luta”, como exemplifica na disponibilidade para dar o pão ao próprio Judas.
Para o rito do lava-pés foram simbolicamente escolhidos 12 ministros extraordinários da comunhão da paróquia de Leiria. O lava-pés foi celebrado durante alguns séculos, em algumas regiões da Igreja, como em Milão, sobretudo como sinal da purificação batismal. Mas, mais geral e duradoira, até aos nossos dias, foi a interpretação, e precisamente em Quinta-Feira Santa, da lição de caridade por parte daquele que é pastor e animador da comunidade.
Vigília Pascal, a celebração das celebrações
O início das cerimónias da Vigília Pascal estavam marcadas para começar às 22h00 do sábado seguinte, dia 16 de abril. A essa hora, a Sé teria algumas pessoas, muito poucas. A bem dizer, a escuridão em que estava mergulhada não nos deixava ter a perceção de quantos fiéis estariam no seu interior. Mesmo assim, conseguia-se perceber o eco do choro de uma criança que entrecortava o silêncio. Fazia parte. Faz parte desta noite, a noite mais longa do calendário cristão, o templo estar vazio neste momento. Foi no exterior que se juntaram os participantes na celebração. Aí, para além das luzes da cidade, destacava-se um bidão onde ardia uma fogueira que iria marcar o início da Vigília Pascal com a bênção do Lume Novo e o acendimento do círio pascal que substituirá o da Páscoa anterior. Com a chegada do presidente da celebração, o bispo da Diocese de Leiria-Fátima, D. José Ornelas, e demais concelebrantes, começou a celebração que terminaria cerca de três horas depois.
Referência a esse momento inicial foi feita na homilia do bispo D. José Ornelas.
“Hoje começámos a nossa liturgia à luz da lua. E fomos acendendo uma luz nas trevas da noite. No início era só uma luz, que, depois, se foi multiplicando, comunicando de mão em mão, e fomos entrando nesta nossa igreja, que se foi iluminando à medida que íamos a entrar.”
Para o bispo de Leiria-Fátima, esta “é uma imagem bonita daquilo que significa a mensagem da Ressurreição, não só para cada um de nós, mas para a Igreja toda: a luz de cada um, fazia-nos ver bem os outros à nossa volta; este é o sentido do caminho que fazemos juntos”.
Mas antes de referir o tema da luz, D. José começou por falar do silêncio que caracteriza o último dos três dias do Tríduo Pascal, que “espelha a incapacidade de verdadeira vida e a tristeza que a morte lança sobre tudo aquilo que é humano; significa que este mundo que nós vivemos, tantas vezes está coberto de algo que a gente não entende, de algo que é dramático, como esta guerra que vivemos, como o futuro que nos aparece como muito complicado”. Para os apóstolos de Jesus, o silêncio tinha significado igualmente a ausência do mestre: “com Jesus morto, não havia razão para esta primeira comunidade da Igreja, e cada um deles começa a pensar em regressar desiludido à sua vida de sempre”. Essa tristeza e esse silêncio é ainda maior porque eles tinham começado a acreditar, e a sonhar que o mundo poderia mudar. Portanto, o sonho desse mundo novo tinha morrido à nascença para os discípulos.
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O tema da guerra continuou a estar presente durante a homilia. Para o prelado, “a humanidade de que fazemos parte, é maravilhosa, é o ponto de chegada de toda a criação”, referindo-se à primeira leitura do livro do Génesis. “Mas, ao mesmo tempo, está ferida pela corrupção, pela violência, pela guerra e tudo isso gera sofrimento e escuridão”, desenvolveu, acrescentado que “o mundo formidável da criação, continua ferido pela opressão e a morte de Jesus parece confirmar tudo isso em que, mais uma vez, parecia que os mais violentos ganhavam na arena deste mundo”. Esta situação é transposta para a atualidade da Igreja, que parece estar a regredir em números de fiéis e a aumentar em número de detratores. D. José contra argumenta e diz que “o que esta noite nos diz é que, quando muitos pensam que a Igreja está morrer, ela está, de facto a renascer”.
Houve ainda tempo para uma referência especial às mulheres que foram ao túmulo para prestar homenagem de saudade ao mestre desaparecido. “Era o coração de quem ama à procura Daquele que ama”. Elas tinham estado junto à cruz até ao fim, contrariamente aos homens, “esses valentões que tinham prometido estar sempre ao lado de Jesus”. O Bispo confirma que é “a elas que primeiro se dirige esta alegre surpresa da manhã da Páscoa”.
D. José Ornelas explicou ainda que se os sonhos de cada um, “se são os sonhos de Deus, são possíveis e podem-se realizar”. Por isso, “esta Igreja deve renascer, e deve renascer cada dia. É a Igreja de Deus sempre, mas em cada época que muda é preciso que a Igreja encontre nova forma de anunciar que o Senhor está vivo, que está presente neste tempo novo que estamos a viver, e também um tempo dramático e cheio de desafios”.
Ao finalizar a sua homilia, o bispo de Leiria-Fátima disse que “hoje é dia, também nós, de abrirmos os nossos túmulos, o túmulo dos nossos medos, o túmulo do nosso comodismo, o túmulo da nossa falta de solidariedade. Levemos essa luz que hoje acendemos, às nossas casas, aos que estão doentes, aos que perderam a coragem, aos que têm dificuldade de ver a luz da fé e da esperança. Acolhamos com carinho os refugiados, aqueles que andam à procura de vida, acolhamos os nossos jovens, que têm tantas dificuldades em encontrar a sua situação na vida, acolhamos as nossas crianças e particularmente aqueles que sofrem. Comecemos a criar o mundo novo em nós e à nossa volta. Não esqueçamos a cruz, o sofrimento e a dor, mas saibamos que Deus é maior que todas as pedras.”