O dia 20 de fevereiro foi dia da festa litúrgica dos santos Francisco e Jacinta Marto, mas para o Seminário Diocesano de Leiria teve redobrada razão para celebrar. Depois de vários anos desativado, o espaço que era a capela que reunia semanalmente os seminaristas para a celebração conjunta de todas as secções que até 1994 compunham a instituição, foi remodelado e recupera de novo a sua função. Por ser dedicada aos santos pastorinhos, a data marcada para a sua bênção e dedicação fez todo o sentido.
A centena de convidados presentes, juntou-se inicialmente numa das salas do Centro Pastoral Diocesano (CEPADI). Ao reitor do Seminário, o padre José Augusto, coube as honras da casa e, após a saudação aos presentes, explicou detalhadamente a intervenção a que o espaço havia sido sujeito (ver texto integral mais abaixo). As razões para esta intervenção resumiu-as a três necessidades: de uma capela com capacidade para acolher cerca de 120 pessoas com a comodidade necessária e apropriada; de um espaço celebrativo para os grupos de leigos que o frequentam o CEPADI e os funcionários que aí trabalham; de um local mais central na casa, situado na parte já remodelada, para a sua celebração eucarística diária.
Quem também teve dedo na decoração da capela foi o padre Pedro Tavares a quem foi atribuída a responsabilidade de desenhar o painel que domina todo o altar onde se evidenciam os dois santos a quem se dedica. É uma obra feita em burel que aquele sacerdote explicou pormenorizadamente (também se pode ler a sua intervenção no final desta peça).
Depois da apresentação aos convidados, passou-se à celebração da dedicação da capela com todo o cerimonial que a envolve, desde a procissão de entrada, passando pela unção e incensação do altar e benção dos diversos espaço dentro do templo, de maneira especial o local onde se deposita o sacrário.
O Bispo diocesano, D. António Marto, aproveitou a homilia para destacar as virtudes dos santos a quem a capela é dedicada. O seu ponto de partida foram as palavras da Jacinta que, em determinada altura da sua vida, afirmava que “gosto tanto de dizer a Jesu que o amo, é tão bom estar com Ele”. Para o prelado, esta afirmação da pastorinha revela como deve ser o amor: expansivo. “que leva a partilhar a alegria do amor de Deus”. Para ele, “o testemunho da Jacinta interpela-nos, está no início da nossa fé enquanto mistério de amor pessoal que vai ao nosso encontro, e não a partir de um conjunto de dogmas”.
D. António Marto refere ainda que “estamos a viver num século de eclipse cultural onde não se deixa sentir a presença de Deus”, sendo, portanto, esse “o grande desafio que se coloca ao anúncio do Evangelho”.
Intervenção do padre José Augusto
SAUDAÇÃO
Permitam-me começar com uma saudação.
Em primeiro lugar, dirijo-me a todos os que tiveram alguma intervenção na obra que hoje se inaugura:
— arquiteta Alexandra Cantante, autora do projeto de remodelação
— padre Pedro Tavares, autor do painel dos santos Francisco e Jacinta
— empresas responsáveis pelos trabalhos realizados: Transfor, Facecamo, Jorinstel, Fluxoterm, MC Serralharia, Leirpantone, Vitrais Portugal, Trenburel, ACS Técnica
Em segundo lugar, dirijo-me aos que convidámos para este momento:
— Sacerdotes residentes no Seminário
— funcionários do Seminário de Leiria
— funcionários e colaboradores da Cúria diocesana, da Gráfica de Leiria, da Caritas e da Casa Episcopal. A promessa feita na festa de Natal está a cumprir-se
— membros da FOS
— amigos que participam e animam diariamente a eucaristia nesta casa.
Em terceiro lugar, sublinho a presença dos nossos seminaristas, Miguel, Micael e Jorge, bem como de vários sacerdotes do presbitério diocesano. Esta foi e sempre será a vossa casa porque o verdadeiro Seminário sois vós. Desejamos que esta capela e que a intercessão dos santos Francisco e Jacinta Marto ajudem na união do nosso presbitério e na missão que lhe está confiada em favor desta porção do Povo de Deus.
Saúdo o padre Francisco Pereira que aqui se encontra em representação do Santuário de Fátima.
Finalmente, agradeço a presença do S. D. António Marto, bispo da nossa diocese, que aceitou estar connosco e presidir à Eucaristia que se vai seguir.
CONTEXTUALIZAÇÃO
O Seminário diocesano de Leiria, construído na década de 60 para albergar os candidatos aos sacerdócio ao longo de todo o percurso de formação, foi projetado de forma a permitir a coexistência de 3 grupos de alunos com ritmos de vida distintos e espaços próprios: Seminário Menor, Seminário Médio e Seminário Maior. A capela agora remodelada era usada pelo Seminário Médio ou, mais tarde denominada, 2ª secção. Com a diminuição de alunos e com o fim do Seminário até ao 12º ano, a capela deixou de ser utilizada e deteriorou-se significativamente.
Por ocasião da remodelação da parte central do Seminário em 2015 para sede do CEPADI, chegou a ponderar-se incluir a remodelação desta capela no projeto, mas a ideia acabou por não avançar.
O ano passado o assunto voltou a ser ponderado e decidiu-se avançar por três razões principais:
— o Seminário precisava de uma capela com capacidade para acolher cerca de 120 pessoas com a comodidade necessária e apropriada;
— o CEPADI precisava de ter um espaço celebrativo para os grupos de leigos que o frequentam e os funcionários que aí trabalham;
— o Seminário precisava de um local mais central na casa, situado na parte já remodelada, para a sua celebração eucarística diária.
INTERVENÇÃO ARQUITETÓNICA
(retirado da memória descritiva da arquiteta)
CONCEITO
A remodelação da capela a dedicar aos pastorinhos Francisco e Jacinta pretende criar uma atmosfera silenciosa que suscite a reverência e o recolhimento onde o altar seja o centro. Para além da celebração da Eucaristia o espaço da capela deverá proporcionar também ambiente acolhedor e sereno para convidar e favorecer a oração individual e comunitária.
O espaço celebrativo deverá sentar cerca de 120 pessoas organizadas em torno do altar. A configuração da assembleia pretende convidar a comunidade a ver-se como participante e não apenas espectadora e tem como centro o par altar ambão. O sacrário (Jesus escondido), e a Palavra têm lugares próprios, embora articulados de modo orgânico com o espaço da assembleia.
DESCRIÇÃO DOS ESPAÇOS
Antecâmara
A antecâmara será um espaço de transição onde se pode entrever toda a capela, mas simultaneamente sentir a diferença de altura de pé direito que é intencionalmente baixo e mais escuro. Será um espaço simultaneamente neutro e interpelador onde os fiéis são convidados a preparar-se para entrar numa dimensão diferente.
A imagem de Nossa Senhora de Fátima, de frente para a porta de entrada, domina o espaço sem o absorver em demasia. Ela é a porta do céu que acolhe os seus filhos que entram para celebrar os mistérios da fé.
Um dos painéis fixos na parede da direita terá o texto da proclamação da canonização dos pastorinhos.
Espaço da Assembleia
Pretende ser um espaço congregador para uma assembleia familiar que se reúne em torno do altar em comunhão. Todo o espaço deve ser por isso convergente para o altar e ambão. Uma coroa circular de 12 lâmpadas reforça o aspeto de união entre a assembleia e o altar, evocando o Espírito que se faz presente, convocado pela reunião dos fiéis. O arranjo do teto falso retira protagonismo às vigas de madeira que têm bastante impacto visual; o jogo de volumes criado realça a entrada de luz ao subir junto aos vãos, define o um eixo longitudinal, e reordena o espaço tornando-o mais envolvente.
Espaço de Presbitério
O espaço de presbitério foi pensado para que o contacto, a proximidade e a visibilidade fossem harmonizados. A posição do altar é mais próxima da assembleia, assim como a presidência, e é proposta a abolição de um dos degraus. O altar, ambão e presidência serão construídos no mesmo material com a mesma abordagem plástica.
Ao par altar-ambão atribui-se o sentido de o relacionar com a presença fundamental da Santíssima Trindade na liturgia da Eucaristia e da Palavra.
O altar é composto por um bloco de pedra cúbico de aspeto inacabado ou rústico que representa a Humanidade estruturalmente sustentado e envolvido por peças de acabamento liso em três das faces (as que estão voltadas para a assembleia). A quarta face representará a presença mediadora do sacerdócio . A pedra de ara deverá estar no encontro geométrico destes elementos no tampo do altar.
Os acabamentos da pedra serão diferentes para assinalar a diferença das naturezas humana e divina aqui representadas. Teremos assim a pedra mais rústica, a representar a humanidade (cubo central), a pedra serrada no elemento que simboliza o sacerdócio e os três elementos de sustentação com acabamento liso amaciado.
Para o ambão o simbolismo será o mesmo, embora usado de modo diferente: a participação humana na difusão da Palavra. Daí a presença dos blocos de pedra com acabamentos semelhantes ao do altar, simbolizando a Trindade e a Humanidade. Com a diferença de dimensão num dos elementos sugere-se a presença de Cristo no anúncio direto do Evangelho, ao mesmo tempo que se sublinha a vocação da humanidade na difusão da palavra inspirada pelo Pai e pelo Espírito.
A presidência é construída com recurso ao mesmo material do ambão e altar, com a introdução de almofadas fixas por meio de velcros colados à pedra.
Espaços do Sacrário e da Palavra
Os espaços laterais, anteriormente encerrados, farão agora parte integrante da capela.
São espaços que, apesar de estarem resguardados e com ambiente de recolhimento, são abertos e integrados com a assembleia. Ambos os espaços têm pé direito baixo e revestimento têxtil nas paredes, conferindo um ambiente mais surdo, devido às propriedades de elevada absorção acústica do tecido das paredes, assim como de conforto tátil e visual. A cor azul (médio) nestes espaços também terá um papel importante, pela marcação da sua singularidade, evocando de algum modo a simbologia desta cor nas representações religiosas tradicionais: céu e manto de Nossa Senhora. Os bancos laterais permitem que se possa permanecer nestes espaços para a oração individual com algum conforto.
O sacrário será uma caixa em latão com acabamento mate, oxidado no exterior e brilhante polido no interior. Por uma pequena fresta assimétrica na parte frontal é possível entrever uma superfície brilhante de algo precioso que está escondido, remetendo para a devoção Eucarística de S. Francisco Marto. Esta superfície poderá ser subtilmente iluminada a partir do interior do painel lateral esquerdo por uma fita led.
Termino com a referência a dois elementos que mais me tocam de forma especial pela sua beleza e por razões de memória histórica:
a) Todos os que se recordam da antiga capela, lembram-se da cruz de madeira que existia na parede do fundo do presbitério. Chamava a atenção pela sua dimensão e pela fresta de luz natural que a iluminava por de trás. Custou-me muito vê-la partir. Mas hoje temos uma cruz em vitral, em tons de azul com apontamentos de amarelo e vermelho. No cruzamento das hastes encontramos uma espiral de fogo de uma riqueza simbólica enorme: é a sarça ardente, é o milagre do sol no dia 13 de outubro de 1917 na Cova da Iria, é o milagre da Eucaristia solenemente exposto na custódia…
b) A antiga capela sempre teve uma imagem de Nossa Senhora. Quando deixou de ser utilizada, a imagem foi levada para outro lugar. Nos últimos meses, muitas vezes nos perguntámos sobre a dimensão mariana deste novo espaço. Sem Nossa Senhora os pastorinhos ficam órfãos e nós também! E eis que a imagem desde sempre venerada neste espaço volta para o seu lugar e nos acolhe ao entrar. Apetece terminar com a expressão que o Papa Francisco usou na homilia do dia 13 de maio de 2017 no Santuário de Fátima: «Queridos peregrinos, temos Mãe, temos Mãe!»
SANTOS FRANCISCO E JACINTA MARTO
A canonização dos dois pastorinhos de Fátima, Francisco e Jacinta, no dia 13 de maio de 2017, pelo Papa Francisco no Santuário de Fátima é um marco único da vida da nossa diocese. Se até aí os pastorinhos foram inspiração para todos os que se deixaram tocar pela sua vida e virtudes, nesse dia eles foram apresentados como exemplos de santidade para toda a Igreja e nossos poderosos intercessores junto de Deus.
Em honra da Santíssima Trindade, para exaltação da fé católica e incremento da vida cristã, com a autoridade de nosso Senhor Jesus Cristo, dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo e Nossa, depois de termos longamente refletido, implorado várias vezes o auxílio divino e ouvido o parecer de muitos Irmãos nossos no Episcopado, declaramos e definimos como Santos os Beatos Francisco Marto e Jacinta Marto e inscrevemo-los no Catálogo dos Santos, estabelecendo que, em toda a Igreja, sejam devotamente honrados entre os Santos.
Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.
Fátima, 13 de Maio de 2017
Faz hoje 100 anos que santa Jacinta Marto, internada no hospital D. Estefânia em Lisboa por causa da doença Pneumónica, depois de longo tempo de sofrimento físico e espiritual, deixa este mundo. Celebrar o primeiro centenário da sua morte é ocasião para trazer à memória e se deixar interpelar pelo seu exemplo de vida, de amor a Deus, a Jesus Cristo, à virgem Maria, ao Papa, à Igreja e aos pobres pecadores.
O Seminário e o CEPADI são, nas palavras do nosso bispo, os dois pulmões da diocese. Como tal, não podem deixar de invocar a proteção e interceção dos Francisco e Jacinta Marto para o desempenho da sua missão.
No espaço litúrgico que hoje vamos passar a usar ocupa particular relevo um painel colocado na parede do presbitério. Peço ao seu autor, o padre Pedro Tavares, natural de Peniche e atualmente Pároco de Nossa Senhora da Purificação da Roliça, Vigário Paroquial (coadjutor) do Bombarral e Vale Côvo e Diretor do Serviço de Acólitos da diocese de Lisboa, que no-lo apresente.
Memória descritiva do painel, por Pedro Tavares
Coube-me a responsabilidade da realização do painel de fundo da igreja que hoje iremos dedicar. Mais do que uma obra artística, ela representa para nós um itinerário espiritual, não só pelos elementos que representa, mas também pelo lugar onde se encontra. E esta foi, talvez, a grande dificuldade e, ao mesmo tempo, o grande desafio. Não queria que ela se restringisse apenas a uma peça decorativa mais ou menos interessante, mais ou menos atraente ao nosso olhar. Mas queria, sim, que ela nos ajudasse a rezar e a celebrar. Afinal encontra-se num espaço sagrado, e diante dela acredito que muitos irão rezar. E, por isso, agradeço o desafio e a confiança para este enorme e exigente trabalho ao Pe. José Augusto e ao Pe. Manuel Henrique.
O Céu
Entremos, então, na peça e no primeiro elemento iconográfico: o Céu. “Pela Liturgia da terra participamos, por antecipação, na Liturgia celeste, que se celebra na cidade santa de Jerusalém, para a qual caminhamos como peregrinos” (SC 8). Assim nos é descrito pela Sacrosanctum Concilium o sentido escatológico da liturgia que celebramos. E é a partir deste horizonte que devemos ler o painel. Com o objectivo de integrar a parede do presbitério da capela dos santos pastorinhos de Fátima, no Seminário de Leiria, a peça
propõe-nos um itinerário espiritual a partir da liturgia que ali será celebrada, e que nos conduz às realidades celestes, e para as quais somos criados.
“Na Liturgia, brilha o Mistério Pascal, pelo qual o próprio Cristo nos atrai a Si e chama à comunhão” (BENTO XVI, Sacramentum Caritatis, 35.), refere Bento XVI na Exortação Apostólica Sacramentum caritatis. Quer isto dizer que a participação na liturgia, principalmente na Eucaristia, se torna para nós como uma fonte, de onde podemos obter a graça da santificação em Cristo e a glorificação de Deus, porque por Ele atraídos e chamados com Ele à comunhão.
Não poucas vezes, na arquitetura cristã ao longo dos séculos, as absides das igrejas e basílicas surgem como uma evocação do Céu. Também nesta representação procurámos aproveitar este feliz testemunho arquitectónico, transpondo-o para uma linguagem actual. Assim, o primeiro elemento que importa entender, é que a peça surge como um rasgo do Céu, uma janela aberta no hoje da nossa história, porque toda a liturgia celebra sempre o eterno hoje da salvação em Cristo.
Neste rasgo de Céu, que nos convida a elevar a nossa vida, encontramos alguns elementos que carecem a nossa atenção. Os tons azuis, que ocupam a maior parte da representação, remetem-nos para as realidades divinas, o Céu. As várias formas circulares sublinham esta mesma intenção de eternidade e convite à santidade de Deus. Em destaque, encontramos uma cruz dourada – que preside a toda a peça –, ladeada por oito estrelas, e envolvida por duas linhas circulares do mesmo tom. É Cristo (representado na cruz dourada) quem age na acção litúrgica, associando a si toda a Igreja peregrina para louvor do Pai, na unidade do Espírito Santo. As estrelas evocam as candeias dos anjos, assim chamadas pelos pastorinhos de Fátima. Juntamente com as montanhas verdes – evocação dos prados verdejantes para onde somos conduzidos pelo Bom Pastor no Salmo 23 –, as oito estrelas remetem-nos para o oitavo dia – a nova criação, a vida nova –, que a Eucaristia nos prepara.
Os Pastorinhos
O segundo grande elemento iconográfico é a representação dos pastorinhos. Em cada Oração Eucarística pedimos a graça de participar na alegria do Céu com estas palavras: “Tende misericórdia de nós, Senhor, e dai-nos a graça de participar na vida eterna, com a Virgem Maria, Mãe de Deus, S. José seu esposo, os bem-aventurados Apóstolos e todos os Santos” (OE II). Os Santos Pastorinhos surgem-nos aqui como os instrumentos escolhidos por Deus, para nos auxiliarem nesta peregrinação celeste. Eles que já participam totalmente na amizade de Deus são para nós modelos de santidade. Não podemos, por isso, ignorar o que Bento XVI nos disse em Fátima: “É impressionante observar como três crianças se renderam à força interior que as invadiu nas aparições do Anjo e da Mãe do Céu” (Bento XVI, Benção das Velas, Esplanada do Santuário de Fátima, 12 de Maio de 2010). Por se renderem ao próprio Deus, por lhe dizerem continuamente “sim” aos seus convites, eles tornam-se para nós sinal de Deus. E nesta capela, por meio da celebração, queremos fazer este caminho com eles.
As suas figuras surgem erguidas a partir de uma barra horizontal azul, que coloca o painel em estreita união com as capelas laterais do Santíssimo Sacramento e da Palavra de Deus. Novamente para significar que “quem se alimenta de Cristo na Eucaristia não precisa de esperar o Além para receber a vida eterna: já possui na terra, como primícias da plenitude futura, que envolverá o homem na sua totalidade” (JOÃO PAULO II, Ecclesia de Eucharistia, 18).
Os próprios pastorinhos fizeram esta experiência de se sentirem envolvidos por Deus. Não por um Deus que esmaga, não por um Deus que rouba a nossa dignidade, mas por um Deus que é fonte de beleza: “Nós estávamos a arder, naquela luz que é Deus, e não nos queimávamos. Como é Deus!” (MIL 145). Esta presença e envolvência de Deus encontramo-la na forma clara e redonda que envolve as suas figuras.
Os lírios e a candeia
Em cada uma das suas representações podemos encontrar elementos que dizem respeito à espiritualidade individual de cada um dos videntes, mas também podemos encontrar elementos comuns da sua espiritualidade que a Igreja lhes foi dedicando. A Jacinta transporta nas mãos os lírios e o terço, enquanto que o Francisco transporta a candeia e o terço. Estes elementos precisam de ser lidos em conjunto. Tratam-se da espiritualidade comum aos dois pastorinhos. Na tradição bíblica os lírios são sinal de eleição, a eleição de ser amado, como nos canta o amado no livro do Cântico dos Cânticos (cf. Cant 2, 1-2). Mas é também sinal do abandono à vontade de Deus, como nos sugere Jesus no Evangelho de Mateus: “Porque vos preocupais com o vestuário? Olhai como crescem os lírios do campo: não trabalham nem fiam!” (Mt 6, 28). E o que foi a vida de Francisco e Jacinta senão uma vida eleita para ser oferecida a Deus? “Quereis oferecer-vos a Deus (…)? Sim, queremos – foi a nossa resposta” (MIL 82). Por isso, é que a Ladainha destes dois novos santos os invoca como: “Lírios de candura a exalar santidade”.
O Francisco aparece com a candeia na mão. Como não recordar as palavras de S. João Paulo II na sua beatificação, comparando-os como duas candeias que Deus acendeu para alumiar a humanidade nas suas horas sombrias e inquietas? Toda a Mensagem de Fátima está vestida da Luz do
Mistério Pascal. Por isso, invocá-los como lírios e como candeias é uni-los à Luz da Páscoa da Ressurreição, tornando-os participantes da história da salvação que Deus tem para todos os homens. Servindo-se deles, quer-nos fazer entrar também, a cada um de nós, nesta dinâmica da salvação: de vidas verdadeiramente oferecidas, de vidas verdadeiramente eucarísticas.
O coração da Jacinta
Importa ainda destacar os dois elementos da espiritualidade própria de cada um dos videntes. A Jacinta aparece-nos representada com um coração a arder, fazendo-nos recordar o seu coração dedicado e apaixonado à missão que o Céu lhe confia: “Se eu pudesse meter no coração de toda a gente o lume que tenho cá dentro no peito a queimar-me e a fazer-me gostar tanto do Coração de Jesus e do Coração de Maria” (MIL 130). A pequena pastorinha, que se deixou admirar pelos sofrimentos do Santo Padre e dos pobres pecadores, acabou por desenvolver no seu coração um amor universal. Recordemos o episódio da prisão, quando a Lúcia lhe pergunta que sacrifício queria oferecer: se pelo Santo Padre, pelos pobres pecadores, ou em reparação ao Imaculado Coração de Maria. A sua resposta foi clara e sem hesitações: “ofereço por todas, porque gosto muito de todas” (MIL 53). A vida de Jacinta aparece-nos, assim, configurada com a vida de Jesus até ao fim. Jesus vive inteiramente para o Pai, fala do Pai, oferece-se ao Pai por cada um de nós. A Jacinta faz esta mesma experiência: vive esquecida de si, como oferta viva, não perdendo uma única oportunidade para oferecer sacrifícios por todos os que sofrem.
O pássaro
Para o Francisco a experiência das aparições do Anjo e da Mãe do Céu vão desenvolver nele um verdadeiro espírito de gratuidade. Por essa razão, o elemento que escolhi para identificar a espiritualidade do Francisco foi o pássaro, fazendo memória de um simples, e tantas vezes desconhecido, episódio. Diz a Lúcia que um dia encontraram um pequeno que trazia um pássaro preso na mão. O Francisco, cheio de pena, promete-lhe dois vinténs se o deixasse voar. E assim sucedeu. Correu em direcção a casa a buscar o prometido, e conseguiu a liberdade do pássaro (cf. MIL 158). Este é o Francisco que aceita perder tudo: perde tempo, perde dinheiro, e perde o próprio pássaro. O Francisco experimenta a liberdade do coração, uma liberdade que só pode ser atingida quando existe um coração desprendido para se encher de Deus.
Não poucas vezes vemos relatado que o Francisco se isolava para rezar no meio do silêncio da serra d’Aire, e que gastava tempo em silêncio junto ao sacrário. Como sublinha a Irmã Ângela Coelho: “o Francisco deixou-se invadir tão intensamente por Deus que, mergulhando nessa presença divina em atitude de adoração, encontrou em Deus o sentido e a beleza da sua vida, aprendeu o louvor perfeito” (ÂNGELA COELHO, “Os três pastorinhos, sinal de Deus para o nosso tempo”, in Fátima XXI, 2, Outubro 2014).
Conclusão
“O Francisco e a Jacinta são dois frutos maduros da árvore da Cruz do Salvador. Olhando para eles, sabemos que esta é a estação dos frutos… frutos de santidade” (TARCISIO BERTONE, Homilia no Santuário de Fátima, 12 de maio de 2010). Aproveitando o seu exemplo, podemos resumir em dois grandes elementos iconográficos o percurso espiritual presente neste painel: a entrega e a intimidade. Duas atitudes de que os pastorinhos foram sinal, e que continuam hoje a querer ecoar no coração de todos os cristãos, nomeadamente de todos aqueles que aqui vierem rezar. Cristãos entregues à missão e ao Evangelho; e cristãos que jogam a sua vida no silêncio e na intimidade com Deus. Atitudes necessárias a cada cristão, que são levadas ao altar, para que através da Eucaristia possam ser elevadas ao Céu, como forma de louvor a Deus e santificação do Homem.
Galeria fotográfica: http://bit.ly/2VpmX3W