O título deste artigo remete-nos para o episódio descrito por São Lucas, relativo à passagem de Jesus por Jericó, quando ocorre o encontro com Zaqueu, chefe dos cobradores de impostos.
Este encontro tem sido uma fonte inesgotável de reflexões, ensinamentos e inspiração para todos quantos o leem e meditam, oferecendo uma imensa riqueza para inúmeras homilias e comentários.
São bem conhecidas as frases: “Zaqueu, desce depressa”, “Tenho de ficar em tua casa”, “Todos murmuravam entre si”, “Era de pequena estatura”, “Subiu a um sicómoro”, “Hoje veio a salvação a esta casa”.
Mas, mais do que as atitudes, as frases ou os diálogos, é importante sublinhar o movimento no seu conjunto, que parte da inquietação interior de uma pessoa, passa por um arrependimento, leva à conversão e frutifica numa mudança de vida que se traduz numa postura completamente nova para com o próximo.
A vida de Zaqueu é o produto das suas opções e das circunstâncias em que vive. Ele não consegue alterar as circunstâncias, mas quer mudar as suas escolhas e procura uma ocasião, uma oportunidade, um caminho.
Jesus sabe disso, conhece perfeitamente o que vai na alma de Zaqueu e não hesita em olhar com benevolência para aquele que O procura cheio de esperança, não esperando um segundo para o chamar. Acolhendo com ternura o pecador que sente o peso da sua culpa, coloca-se inteiramente junto dele, coloca-se inteiramente na sua vida, partilhando a sua mesa, entrando em sua casa, passando a fazer parte da sua existência. Este é o momento de Deus, aquele em que se dá o milagre da transformação, da conversão, aquele em que o homem se encontra com Deus (como se canta no Precónio Pascal).
Contudo, o processo não pára aqui. É um movimento que não termina, que prossegue sem cessar e que agora requer uma atitude de reparação. Zaqueu não deixa escapar esta oportunidade e, sentindo que foi perdoado por Deus, na pessoa do Seu Filho, sentindo-se purificado pela misericórdia divina, quer reparar o mal que fez, quer contribuir para restabelecer a justiça, quer pagar pelos danos que causou.
Depois do perdão, é a atitude de reparação. Esta é a atitude, é o movimento que o pecador arrependido sente na sua alma e que o leva a assumir gestos que curem as feridas abertas pelo pecado. Ele sabe que o pecado foi perdoado, mas sente que há feridas por ele causadas. Esse impulso brota do fundo da alma, suscitado pelo Espírito Santo para completar a obra do Pai, concretizada pelo Filho na nossa humanidade.
Na atitude expressa por Zaqueu, comum a todos os pecadores que se convertem, vemos o movimento que a Igreja ajuda a compreender como caminho para Deus e que o Magistério clarifica, tornando-o perceptível pelo uso da razão.
Este movimento nasce da inquietude no coração dos filhos de Deus, agita-se na nossa consciência pela noção do bem e do mal, leva a mente e o coração a procurar respostas, as quais surgem do nosso encontro pessoal com Deus, pela Pessoa de Jesus Cristo.
Purificados do nosso pecado, reorientamos a nossa vida procurando, desta vez, fazer a vontade do Pai e, simultaneamente, reparar no tempo o mal causado, a chamada reparação temporal.
A reparação temporal pode ser concretizada de muitas formas e, tanto quanto nos é possível, fazemo-lo durante o nosso peregrinar terreno. Se o tempo da nossa vida na Terra não nos permitir, essa reparação prosseguirá num “estado” de purificação depois da nossa sepultura, já fora do tempo e do espaço, num momento de purga (daí o termo “purgatório”).
A fim de nos ajudar a concretizar essa reparação, que sentimos necessidade de fazer, para além dos actos penitenciais espontâneos e também da “satisfação” indicada pelo confessor no sacramento da penitência, a Igreja apresenta-nos propostas que constituem para todos um precioso auxílio. São as chamadas “indulgências”, totais ou parciais, que fazem avançar ou completam mesmo o perdão da pena temporal.
Com esse fim, são convocados regularmente tempos fortes de encorajamento e estímulo à conversão pessoal, actualmente a cada 25 anos, com o nome de “Ano Santo”, “Ano Jubilar” ou “Jubileu”. Durante os Jubileus, somos convidados a realizar actos pessoais (“gestos de reparação”), que ajudem a completar a pena temporal.
É precisamente aqui que se insere o que Zaqueu se comprometeu a realizar no movimento de conversão por ele vivido. Arrependido, perdoado pela graça de Deus, pacificado com a paz de Jesus, sente-se renascido e compromete-se a estender as suas mãos para o próximo, distribuindo pelos pobres metade dos seus bens.
Além disso, compromete-se igualmente a restituir a quem prejudicou quatro vezes mais, num gesto penitencial para reparar o que fez de errado, concretizar o que devia ter feito e não fez, compensar o próximo pelo mal cometido, manifestando a alegria, o júbilo, pela salvação que lhe foi dispensada.
O encontro de Zaqueu com Jesus foi, na verdade, um Jubileu de “salvação para aquela casa, por ele ser também filho de Abraão”, a quem “o Filho do Homem veio procurar e salvar” (cf. Lc 19, 10), possível a todos quantos O procuram.