Existe uma grande diferença entre “porque quero” e “porque me apetece”. O querer está sujeito à vontade; o apetite está sujeito à sensibilidade, capricho, sensibilidade essa que pode ser intelectual.
O querer exige esforço, tenacidade, obediência (sim, obediência no seguimento da verdade e da sabedoria), tempo… O apetite segue o impulso, é rápido, imaturo, fútil. Não percamos tempo com ele e dediquemo-nos ao “querer”.
Que quero eu? Qual é o objeto da minha escolha? Estou disposto a sonhar, a lutar para não perder de vista esse sonho, esse “querer”? Tenho coragem para suportar os esforços, as dores, os sacrifícios, as consequências deste “querer”? Verifico se tenho condições para conseguir o que quero, aconselhando-me com quem tem ciência, experiência e sensatez? Estou disposto a seguir os conselhos de quem deu provas de sucesso, alcançando vitórias várias nas lutas travadas (contra a preguiça, a irritação, o cansaço…)?
Os atletas são exemplos de pessoas com um “querer” forte, capazes de ultrapassar fronteiras geralmente relacionadas com o tempo (alcançar rapidamente determinados objetivos), ou com superação de recordes (elevar alteres mais pesados, saltar mais alto, acertar em alvos maisafastados…). Porém, estes sucessos dos desportistas são sempre temporários. Será possível alcançar sucessos duradouros? Os sucessos do foro intelectual, do espírito sobre o corpo, do amor sobre o ódio… costumam ser mais duradouros, pacíficos e, sobretudo, capazes de proporcionar bem-estar e felicidade. Parece que a palavra mais está relacionada com a vontade: treinar mais para vencer o campeonato, estudar mais para melhorar a nota, ter mais paciência para conseguir melhor ambiente em casa e no trabalho…
Durante a Quaresma, somos convidados a observar e seguir o exemplo da forte vontade de Cristo. Era fisicamente bem constituído. Foi trabalhador manual (carpinteiro) e capaz de longas caminhadas: do Egipto para Israel (já sabia andar), da Galileia para a Judeia, passando por Samaria, Cafarnaum… um território extenso e percorrido sob vários estados meteorológicos (desde o calor intenso, ao frio da neve). Apesar disso, a força do seu querer estava em cumprir a sua missão: salvar toda a humanidade. De quê? Da condenação eterna, do inferno.
Pode supor-se que Jesus só nos salvou manifestando a sua divindade durante os três últimos anos de sua vida: pregando, ensinando, fazendo milagres, prevendo acontecimentos, convertendo pessoas. Mas Jesus é uma só pessoa; é Deus e é homem; e é homem com corpo e alma. Nasceu e “crescia em sabedoria, estatura e em graça perante Deus e os homens” (Lc. 2, 52). Este facto é evidente no episódio de Jesus entre os doutores de Jerusalém: aos doze anos é capaz de conversar e discutir com eles deixando-os admirados com a sua ciência, inteligência e sabedoria. No entanto, logo que seus pais o encontram, volta com eles a Nazaré e “é-lhes submisso” (Lc. 2, 52). Cerca de vinte a nos mais tarde, ainda se submete à vontade de sua Mãe, nas bodas de Caná, convertendo a água em vinho.
Como se manifesta então a vontade, de Jesus? Não disse Ele, e foi disso exemplo, “Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração”? E ainda, “Não vim para ser servido, mas para servir”? O querer deve superar o apetecer. Foi durante a Paixão que se deu em Jesus Cristo esta terrível luta, natural em todas as pessoas, entre o apetecer e o querer: “Pai, se possível, afasta de mim este cálice, mas faça-se a Tua vontade”. Esta vontade, de querer o mesmo que o Pai quer, é divina.
Assim fez Jesus durante quarenta dias no deserto. Jejuava para vencer os apetites e orava para fortalecer a vontade. A Quaresma é este tempo de recolhimento e silêncio que convida a reparar as forças anímicas com jejum e oração. É a fórmula segura para substituir cada “porque me apetece”, por um “porque quero”.
“A dor é salvadora, mas nenhuma como a do Redentor”, dizia o Papa João Paulo II. Todos nós somos Igreja, fazemos parte do Corpo de Cristo, e contribuímos, com as nossas dores, para a redenção de cada pessoa de boa vontade.
Nesta Quaresma de 2023, esforçar-me-ei por ser mais… Porque quero.