O Coração de Cristo: alicerce e engrenagem de uma Igreja mais terna, atenta e operante 

A fechar o 3º Capítulo, o Papa recorda as «expressões recentes do magistério» e localiza o «aprofundamento e atualidade» da devoção ao Coração de Jesus como um caminho que ainda não alcançou a meta. Daí a necessidade de procurar compreender os sinais dos tempos, lendo os seus símbolos à luz da revelação de Jesus, o Deus com coração de carne. Para Francisco, o percurso histórico, teológico e espiritual desta devoção segue um itinerário que ancora na Sagrada Escritura e nas práticas dos primeiros séculos da Igreja a tendente consciência teológica de um culto ao Coração do Senhor, expresso pela referência ao lado aberto pela lança (cf. DN 78), «quer como fonte da graça, quer como apelo a um encontro íntimo de amor» (DN 78). Este movimento é coadjuvado pelas experiências místicas de tantos santos a quem este mistério se revelou de modo privado.

Das palavras do Pontífice, entendemos um esforço constante por recentrar o lugar do Coração de Jesus, na prática de fé e missão da Igreja, conduzindo-a à proposta de uma experiência profunda e de encontro entre corações que batem procurando sintonizar a sua cadência. Tal cenário reclama que passemos da absolutização de uma teologia do coração que sofre para uma teologia do coração do Vivente, tão apaixonado por cada um de nós, que não nos pede senão a réplica desse mesmo amor, levando-o à prática por todo o mundo num anúncio que excede a mensurabilidade das palavras. Este testemunho realiza-se com todos os sentidos do corpo humano, numa linguagem de amor muito próxima da dos afetos. Aqui, importa recordar a importância do conceito de corporeidade. No caso da devoção ao Sagrado Coração de Jesus, esta viu-se diluída por um processo de concentração simbólica impulsionado por uma tendência contemplativa e de oração. Contudo, esta dimensão viu-se restabelecida nos relatos a Santa Margarida Maria, após uma redução aos mínimos indispensáveis: o símbolo do Coração ferido, sem um corpo a ele associado, é um imperativo para uma dimensão operativa que a noção de corpo lhe garante. Entender a consagração como uma transferência de domínio da nossa vida significa sempre um alhear-se de si próprio para se colocar nas mãos trespassadas do Senhor (cf. DN 79). A devoção ao Coração de Jesus viu-se constantemente envolta num dinamismo bélico, apresentando-se como arma diante de um inimigo da fé. No caso de Santa Margarida Maria, propunha-se como remédio contra a teoria jansenista; já no caso de São João Paulo II, exaltou-se a misericórdia como arma de defesa contra a apatia e a indiferença plantadas no coração da humanidade do novo milénio (cf. DN 80). Em ambas as situações, tratou-se de buscar no «Coração que tanto amou» uma chave de leitura face aos desafios e padrões societais vigentes, como uma possibilidade de encarnar no mundo um novo modo de ser, viver e conviver: ao jeito de Jesus Cristo. Bento XVI convidava a reconhecer o Coração de Cristo como uma presença íntima e quotidiana na vida de todos (DN 81). Ao juntar as dinâmicas do aprofundamento e da atualidade na mesma secção temática, o Papa incentiva-nos a um constante redescobrir de novos modos de articulação do Coração da devoção com o coração deste mundo em que habitamos. Daqui devem emergir novas e entusiasmantes linhas de ação, isto é, formas de encarnar o amor nas nossas realidades como manifestação do Espírito Santo no Coração de Jesus, comunicada a cada batizado. Esta manifestação «terá sempre necessidade de ser enriquecida, iluminada e renovada através da meditação, da leitura do Evangelho e do amadurecimento espiritual» (DN 82). Assim, acredito que a simbologia do Sagrado Coração de Jesus nos oferece, em diálogo com os múltiplos desafios que enfrentamos enquanto comunidade, um sentido teológico, eclesial e espiritual carregado de operatividade. Este sentido é capaz de gerar respostas e modos de proceder diferenciados, porque se inspiram diretamente no Coração, fonte de todas as graças: Igreja, Sacramentos, Eucaristia e Evangelho como realidades sinónimas de Jesus-Amor (cf. DN 83), enquanto se referem à narração de Jesus na história, sendo sinais da sua intimidade, amor e relação. Ainda no n.º 83, o Papa alerta para que não se absolutizem os relatos místicos como dogma de fé, muito menos que sejam equiparados à Sagrada Escritura. Diante destes relatos, não deve haver uma obrigação de aceitação tácita. Os relatos destes eventos místicos servem como impulso à devoção e não devem ser apropriados de modo cego: «são belos estímulos que podem motivar e fazer muito bem, embora ninguém se deva sentir obrigado a segui-los se não achar de proveito no seu caminho espiritual» (DN 83). Estes relatos são testemunhos de vivência profunda de uma relação próxima com a pessoa de Jesus, em toda a sua condição. Ainda assim, o Papa relembra que não são estes relatos que dão origem a um culto tão central para a vida da Igreja, mas sim o ato de amor que se assiste aos pés da Cruz, em gestos muito concretos: na dolorosa paciência de Maria e João, no gesto misericordioso de José de Arimateia, no reconhecimento do soldado e nas mulheres que vão ao sepulcro com os óleos e os perfumes. Fiel a este respeito pela liberdade dos filhos de Deus, o Papa lança uma provocação clara, com o intuito de abalar as consciências dos batizados. Estes, embora não devam sentir-se obrigados a fazer adoração – atitude que lhe retiraria todo o proveito espiritual –, são convidados a viver esta prática com fervor, junto de tantos irmãos e irmãs, e a encontrar na Eucaristia todo o amor do Coração de Cristo. Tal experiência conduz a um sentido de pertença e presença de um profundo amor e bem-estar, muito próximo ao que levou os discípulos a exclamarem no Tabor: «Senhor, como é bom estarmos aqui». Esta consciência de que o amor é absolutamente livre leva-nos a concluir que, ao procurar agrilhoá-lo, se mata por asfixia. Ao cortar-lhe a respiração da liberdade, este deixa de ser amor, passando a ser algo diametralmente oposto: tortura, domínio, violência. Urge, pois, instaurar uma espiritualidade encarnada que faça tremer a história ao compasso do batimento do Coração de Jesus. Esta atitude, diz Francisco, deve ser cultivada na terra do coração da própria Igreja. «Devo advertir que, no seio da própria Igreja, o nefasto dualismo jansenista renasceu com novos rostos», impossíveis de desmascarar senão pela contemplação que sustenta a ação de renovamento espiritual. «Por isso, dirijo o meu olhar para o Coração de Cristo e convido a renovar esta devoção» (DN 87), que continua a ser resposta firme para os desafios que a humanidade enfrenta a cada dia. O coração obriga a olhar para dentro, a vasculhar os lugares mais inóspitos do nosso ser e das nossas comunidades e, contagiando-nos de um amor abrasador, inclina-nos a sair do corpo e, com todo o corpo, anunciar um amor que não podemos conter no peito. Este amor contraria «um cristianismo que esqueceu a ternura da fé, a alegria do serviço, o fervor da missão pessoa-a-pessoa, a cativante beleza de Cristo, a gratidão emocionante pela amizade que Ele oferece e pelo sentido último que dá à vida» (DN 88). Cansados e abatidos diante de uma sucessão de coisas e mais coisas, sentimo-nos atafulhados em tudo e em coisa nenhuma, sem força ou «desejo de ser curados». Por isso, o Papa propõe a toda a Igreja «um novo aprofundamento sobre o amor de Cristo representado no seu santo Coração» (DN 89). Remata o Papa Francisco que, «perante o Coração de Cristo, é possível voltar à síntese encarnada do Evangelho e viver» (DN 90). No Coração do Senhor «está sintetizada toda a verdade em que acreditamos; aí está tudo o que adoramos e procuramos na fé; aí está o que mais precisamos» (DN 89). 

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