A escrever se reflete como vou fazer. A espiritualidade parece estar na moda. Será para sair do caos de opiniões e achismos? As redes sociais, as conversas de café e de comadres desafiam-se qual polvorosa continua de conceitos contraditórios de espiritualidade: dezenas de questões sobre o que é, como alguém cresce nela, a pratica e como fabrica espiritualidades. Circulam torrentes de respostas, autores, livros, religiões. Uma delas é que a espiritualidade está acima da religião. Não apenas as religiões que misturam extremismos de violência e falta de liberdade. Espiritualidade torna-se bazar de sirva-se do que gostar. Discussões bastante confusas. Por vezes, um conceito de espiritualidade vaga, acima mesmo da fé cristã de todos os cristãos e católicos, e não apenas de alguns mais fingidos, incoerentes e hipócritas. As polémicas resvalam assim no sofismo da generalização sem lógica e pensamento racional.
Alguns pensam que não há qualquer relação entre espiritualidade e religião; outros, ao contrário, que não há espiritualidade sem relação com o espírito imaterial e imensurável. As etimologias ajudam a fazer distinções. Partindo de vida do corpo, alma, espírito, ânimo, alento, seiva, aceita-se que haja vida nas plantas, animais e homem, contudo, a vida nestes seres não é igual. De forma simples, diríamos que há graus de vida, espírito, alento, respiração nos seres vivos. Aplicados ao homem recebemos termos e conceitos de línguas antigas: do latim, grego e hebraico: soma, psichè, pneuma, ruah: corpo, alma (animo-emoções) e espírito (https://www.etymonline.com/es/word/spirit). Vida, alma e espírito, porém, não se equivalem na planta, no animal e no homem. Pneuma (alma-espírito) exige mais distinções. O animal tem semelhanças com o homem, mas só o homem pelo espírito (pneuma) é semelhante ao Espírito divino, ao próprio Deus, como vem na Bíblia. Para os animais Deus disse: «as águas sejam povoadas de …a terra produza….seres vivos»; para o Homem disse: «façamos o homem à nossa imagem e semelhança» (Gen.1, 20, 24, 26,) e soprou-lhe o sopro (espírito) da vida (Gen. 2, 7), semelhante à vida de Deus.
A raiz de espiritualidade faz ao homem aspirar a, ser inspirado, soprado por Deus, como relação recebida, espécie de ADN espiritual que o condiciona a gerir-se em relação espiritual com…ou a recalcá-la (esquecê-la) para o inconsciente. Mas, mesmo, assim a relação espiritual continua real nele de forma implícita, inconsciente. Se é explícita e a aceita livremente torna-se consciente da ligação ao polo divino. Não há relação espiritual sem dois polos espirituais. Algumas posições tendem a igualar religião a ritual rotineiro de relação com coisas. Como se Deus não contasse para a relação religiosa espiritual de fé cristã. Pessoa humana e Deus são realidade relacional dos dois lados da fronteira material/espiritual, entre o tempo-espaço mensurável e a realidade intemporal-in-espacial e imensurável. Distinguimos três graus de espiritualidade do homem: o da criação à imagem e semelhança do sopro (espírito) de Deus; o da natureza humana assumida por Cristo na Incarnação em que Deus-Espírito-Incarnado se fez irmão do homem. Um terceiro grau é o de filho adotivo do Pai, quando o homem renasce espiritualmente da relação com a Trindade divina pelo batismo cristão. O batismo cristão é marca e coroa da espiritualidade cristã: ao nível antropológico do sopro criador, ao nível de ser natureza assumida por Cristo, Deus Incarnado, e ao nível da antropologia teológica do batismo trinitário. O homem estará sempre em relação espiritual com Deus.
Será possível viver espiritualmente desligado de Deus? Alguns dirão que sim e que até se pode ser espiritual. Mas, fica a questão: e se desconhecer ou negar esta relação, ela pode anular-se? Será que homem tem o poder de se desligar? Ou será antes que o ateu, implicitamente, não é ateu?
Não é imprecisa apenas a palavra espiritualidade: vida, valores, consciência, amor, liberdade são alguns termos que se usam de maneira confusa. E as confusões agravam-se nas implicações práticas como aquela a que acenámos em relação aos animais com acolhimento e despesas que faltam às crianças. Uma vergonha! Não vou entrar agora nesse problema. Termino com duas notas. Lembrar como o conceito de espiritualidade coloca o homem na linha de fronteira entre duas realidades: tempo e além do tempo ou eternidade; e é solicitado a gerir estas duas pertenças. «Estais no mundo, mas não sois do mundo», alertou Jesus. O homem tem vida em corpo mortal, mas é convidado a viver já como cidadão da cidade eterna, espiritual; o seu corpo já está dotado de espírito imortal para a vida fora do tempo e do espaço. Dá para meditar e orar, com fazem os santos. Convem lembrar que os padroeiros da Europa: São Bento de Núrcia, Santa Catarina de Sena, Santa Brigida da Suécia, são Cirilo e Metódio, e Santa Teresa Benedita da Cruz (Edith Stein) marcaram a Europa pela sua espiritualidade cristã e pela sua evangelização. Contrapõem-se aos desvios de alguma pastoral atual a inclinar-se para ser espiritual sem evangelização explícita, como se fosse vergonhoso falar abertamente do autor da Palavra do Evangelho à Europa e a toda a humanidade.