Frequentemente dizemos, ou ouvimos dizer, esta expressão, causada por um sentimento de perplexidade diante de um facto inacreditável que temos dificuldade em assimilar, que vai contra as nossas previsões, e que tem outras expressões semelhantes, tais como: “Não posso acreditar!”, “Não é possível!”, ou “Isto não está a acontecer!”
Existe, também, outro enquadramento em que a mesma expressão é usada, que deriva da nossa escolha consciente, da recusa pessoal em procurar a verdade, e que acontece quando as nossas certezas se sobrepõem à análise dos factos, à observação, ao raciocínio, ao discernimento e à abertura à novidade; quando nos consideramos detentores de toda a verdade e nos recusamos terminantemente a acreditar.
Vem isto a propósito de dois versículos do Evangelho segundo S. João, relativos ao final de uma passagem sobejamente conhecida, mas que muitas vezes passam despercebidos:
“Um grande número de judeus, ao saber que Ele estava ali, vieram, não só por causa de Jesus, mas também para verem Lázaro, que Ele tinha ressuscitado dos mortos.
Os sumos sacerdotes decidiram dar a morte também a Lázaro, porque muitos judeus, por causa dele, os abandonavam e passavam a crer em Jesus.” (Jo 12, 9-11)
Ao meditar neste episódio da ressurreição de Lázaro, ocorre-nos imediatamente a pergunta: “Como é que é possível que não acreditassem?” Surge também, de imediato, resposta para esta interrogação: corações de pedra, homens de dura cerviz, por causa da sua falta de fé não pôde fazer ali qualquer milagre (“Realmente não eram capazes de crer; por isso Isaías também dissera: Cegou-lhes os olhos e endureceu-lhes o coração, para não verem com os olhos e não entenderem com o coração e não se converterem e Eu ter de os curar.” Jo 12, 39-40, cf. Is 6, 10)
Tudo isto nos coloca diante de um problema desconcertante e gravíssimo: nós somos co-autores do nosso próprio destino. Somos dotados de liberdade de escolha, somos senhores das nossas decisões, podemos optar entre o bem e o mal, entre a luz e as trevas, entre a verdade e a mentira, com a certeza de que o Todo-Poderoso não forçará nada, não obrigará, respeitará a nossa liberdade e dignidade de filhos a quem Ele ama com amor louco. (O que nos ajuda a compreender melhor o ensinamento de Jesus: “Por isso vos digo: Todo o pecado ou blasfémia será perdoado aos homens, mas a blasfémia contra o Espírito não lhes será perdoada. E, se alguém disser alguma palavra contra o Filho do Homem, há-de ser-lhe perdoado; mas, se falar contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado, nem neste mundo nem no futuro.” – Mt 12, 31.32)
Aqui chegados, surge com maior clareza a necessidade do uso das nossas capacidades intelectuais, a importância de utilizarmos o nosso raciocínio, o imperativo de articularmos a razão e a fé de modo a que a primeira ilumine a segunda, e a segunda dê sentido à primeira.
Estes dois pilares conduzem-nos a um terceiro, quiçá o mais importante, que é o amor com que tudo é alimentado. O amor de Deus que nos deixa livres, que é derramado nos nossos corações pelo Espírito que nos foi dado, que nós podemos fazer reflectir ao nosso redor, esse amor que arrasta, que abrasa, que contagia, que não acaba, que multiplica e que dá vida.
Todas estas reflexões nos remetem sem cessar para a essência da Sagrada Escritura, que devemos continuamente ler e meditar, rezar e reflectir, mastigar e saborear. Deixando-nos repassar pela Palavra de Deus, conhecendo melhor o Filho, mergulhando no amor do Pai que Ele revela e percebendo os influxos que o Espírito Santo produz em nós, sentir-nos-emos plenamente pertencentes a este Corpo místico da Igreja, pedras vivas, membros de Cristo.
E, ao mesmo tempo, entenderemos com mais clareza a parábola que Jesus contou, de um outro Lázaro, que termina:
«O rico insistiu: ‘Peço-te, pai Abraão, que envies Lázaro à casa de meu pai, pois tenho cinco irmãos; que os previna, a fim de que não venham também para este lugar de tormento.’ Disse-lhe Abraão: ‘Têm Moisés e os Profetas; que os oiçam!’ Replicou-lhe ele: ‘Não, pai Abraão; se algum dos mortos for ter com eles, hão-de arrepender-se.’ Abraão respondeu-lhe: ‘Se não dão ouvidos a Moisés e aos Profetas, tão pouco se deixarão convencer, se alguém ressuscitar dentre os mortos’» (Lc 16, 27-31).
Esta parábola de Jesus explica a natureza intocável da nossa liberdade interior, ajuda a enquadrar melhor a expressão inicial deste artigo e fornece resposta sem ambiguidades à pergunta que muitas vezes formulamos: Porque não se convertem e se deixam curar? Porque não querem crer!