Juntos na casa da Mãe: A Diocese peregrina a Fátima

O sol ainda não despontava completamente quando pequenos grupos já se avistavam a caminhar pelas estradas que conduzem a Fátima. Debaixo de um céu que ameaçava a mesma chuva dos dias anteriores, dezenas de peregrinos iniciavam a sua jornada rumo à Cova da Iria. Alguns em silêncio contemplativo, outros entoando cânticos marianos, e outros ainda em amenas conversas de circunstância, mas todos movidos pela mesma fé e pelo sentido de comunhão que caracteriza esta peregrinação diocesana.

A manhã de sábado, 5 de abril de 2025, marcou a 92ª Peregrinação da Diocese de Leiria-Fátima ao Santuário de Nossa Senhora de Fátima. Uma tradição que, este ano, apresentou significativas novidades no seu formato, mas manteve intacta a essência que a tem alimentado ao longo de quase um século: a devoção mariana e o sentido de pertença à Igreja diocesana.

ÁLBUM FOTOGRÁFICO
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A caminho de Fátima: uma nova experiência de peregrinação

O novo formato da peregrinação apresentou várias alterações significativas em relação aos anos anteriores. A data foi alterada para sábado, véspera do quinto domingo da Quaresma, em vez de se realizar no próprio domingo, como era tradicional. Este ano, a peregrinação adquiriu uma dimensão mais física e comunitária, com a proposta de cinco pontos de partida para uma caminhada a pé até ao Santuário.

Logo pela manhã, a nossa primeira paragem seria um dos cinco pontos de encontro estabelecidos para o início da caminhada: a Chaínça. No trajeto, foram avistados cerca de 70 peregrinos espalhados por diversos grupos que passariam pelo mesmo local. À chegada, um grupo de jovens das paróquias das Cortes e dos Pousos preparavam a celebração introdutória, concebida para dar início à peregrinação.

Um aspeto curioso chamou a atenção: muitos dos peregrinos avistados pelo caminho não pararam para esta celebração. Passaram pela igreja local e continuaram o seu percurso em direção ao Santuário. Este facto, embora sugerindo alguma descoordenação, talvez fosse apenas expressão do desejo de viver a peregrinação de forma mais autónoma e pessoal.

“Ainda é cedo para saber se este novo modelo resulta ou não”, partilhou connosco Lúcio Roda, da paróquia dos Pousos, durante uma pausa em Santa Catarina da Serra, o segundo ponto de partida que visitámos. “É importante que se faça uma avaliação anual e, no final da peregrinação, uma reflexão para identificar pontos a melhorar. Mas uma avaliação mais abrangente só fará sentido ao fim de três, quatro ou cinco anos.”

Apesar das reservas, Lúcio não hesitou em destacar alguns aspetos positivos: “A celebração da missa na Basílica da Santíssima Trindade, em vez do recinto ao ar livre, transmitirá uma maior sensação de unidade e pertença à Igreja diocesana. Cria-se um ambiente mais familiar e próximo.”

A mudança para sábado também mereceu o seu elogio: “Sendo um dia sem as limitações típicas do domingo — véspera de trabalho e de escola —, as pessoas têm mais disponibilidade para participar. No formato anterior, o programa dominical acabava por se concentrar apenas na manhã, até à Eucaristia, já que durante a tarde havia pouca adesão.”

Por outro lado, Lúcio reconheceu um desafio inerente a esta mudança: “O sábado é, tradicionalmente, um dia de grande atividade nas paróquias — catequese, festas, reuniões, escuteiros, entre outros. Participar na peregrinação implica colocar essas dinâmicas em segundo plano. Mas isto não tem necessariamente de ser negativo; pode até trazer benefícios e novas formas de organização.”

Entre o planeamento diocesano e as iniciativas paroquiais

Em São Mamede, terceiro ponto de partida a integrar o nosso roteiro, os peregrinos já tinham iniciado a caminhada. Em direção ao Santuário, foram avistados numa antiga escola que servia de ponto de descanso e reforço. Era um grupo numeroso, com cerca de 80 pessoas, envoltas num ambiente de música, convívio e boa disposição.

Neste trajecto, estava a Sofia, da paróquia da Marinha Grande, que ajudou a compreender melhor a razão pela qual alguns grupos optaram por caminhos alternativos, em vez de aderirem a um dos cinco pontos de partida propostos pela Diocese.

“Quando a informação sobre a dinâmica matinal foi divulgada, muitas paróquias já tinham iniciado o planeamento das suas próprias deslocações ao Santuário”, explicou Sofia. “Algumas já haviam traçado percursos e definido outras formas de viver e celebrar a peregrinação. A informação sobre este novo formato não chegou com tempo suficiente para que todos pudessem ajustar os seus planos.”

Esta realidade criou dois movimentos paralelos durante a manhã: por um lado, os grupos que aderiram à proposta diocesana, partindo dos pontos indicados; por outro, os que realizaram a sua peregrinação de forma autónoma, convergindo todos para o mesmo destino — o Santuário de Fátima.

Ao meio-dia, já no Santuário, mais precisamente no Albergue do Peregrino, alguns dos participantes reuniram-se para a refeição. De acordo com a organização, foram distribuídas cerca de 150 refeições, que consistiam em duas sandes de bifanas, uma peça de fruta e um sumo. 

Um pouco por todos os parques, havia diversos grupos a fazer a sua refeição num ambiente de confraternização e partilha. Muitos peregrinos conversavam animadamente sobre a caminhada, partilhando as suas experiências e impressões sobre o novo formato da peregrinação. Outros descansavam, recuperando energias para os momentos que se seguiriam.

Em cada rosto, a fadiga da caminhada misturava-se com a satisfação de ter chegado a este ponto do percurso. E em cada olhar, a expectativa para os momentos centrais da peregrinação que ainda estavam por vir.

Reunidos na Capelinha das Aparições: o coração do Santuário

Às 14h00, todos os peregrinos — os que vieram dos cinco pontos de partida organizados pela Diocese e os que fizeram a sua própria caminhada — reuniram-se na Capelinha das Aparições para o acolhimento e a recitação do rosário. Este foi o primeiro momento do dia em que toda a comunidade diocesana se encontrou num mesmo espaço.

No início da oração, D. José Ornelas, bispo da Diocese de Leiria-Fátima, dirigiu uma saudação aos peregrinos:

“A nossa Igreja, neste caminho de transformação pastoral que estamos a percorrer, quer anunciar e testemunhar o percurso humano, materno e último de Maria — mulher e mãe de uma nova geração — que é, constantemente, exemplo para a Igreja”, afirmou o prelado.

“Que esta caminhada nos ajude a renovar os laços de comunhão, a acolher os outros e a deixarmo-nos conduzir pelo Senhor. Que Ele seja o nosso amparo e nos conceda esperança neste novo ano que se aproxima”, continuou D. José Ornelas.

E concluiu com uma exortação: “Sigamos, pois, o caminho do santuário, unindo a nossa alma à de Maria, para que também o nosso pensamento e o nosso coração se transformem. Assim nos tornaremos verdadeiros agentes de renovação na Igreja e no mundo.”

O silêncio que se fez sentir durante a oração contrastava com o burburinho anterior. A recitação cadenciada das Ave-Marias e a contemplação dos mistérios do rosário criaram uma atmosfera de recolhimento e devoção própria do espaço.

Festa num auditório repleto de esperança

Um dos momentos mais surpreendentes da peregrinação ocorreu no Centro Pastoral Paulo VI, com a Festa da Esperança. Contrariando a tendência dos anos anteriores, em que este evento registava uma fraca participação, este ano o auditório encheu por completo. Os mais de 2.000 lugares sentados não foram suficientes para acomodar todos os presentes, com muitos peregrinos a sentarem-se nos degraus ou a permanecerem de pé.

A apresentação da Festa esteve a cargo de Catarina Cristovam e do padre Rui Ruivo, que durante hora e meia conduziram o público através de um programa diversificado e dinâmico.

O espetáculo começou com uma representação de um grupo de escuteiros, coordenada por João Ascenso, alusiva ao logotipo do Jubileu. Este momento foi contextualizado pelos apresentadores, que explicaram o tema central da celebração:

“O Papa Francisco convida-nos a viver como ‘Peregrinos da Esperança’: ou seja, sermos discípulos e discípulas de Jesus, pelo Espírito que recebemos no batismo e que continua a acompanhar-nos nesta viagem, todos os dias”, explicou Catarina.

O padre Rui Ruivo completou: “Nesta tarde, queremos sublinhar algo simples e também complexo. Sabemos e acreditamos que ‘No meio das incertezas, sofrimentos e dúvidas, surgem também muitos sinais de esperança.’ E esses sinais estão bem presentes no meio de nós.”

O programa prosseguiu com a atuação do Colégio Conciliar Maria Imaculada, que interpretou uma canção sob a direção da professora Helena Brandão. Na apresentação deste momento, o padre Rui Ruivo destacou: “Cantar é inspiração para conquistar outras forças e entusiasmo. Connosco temos alguns alunos do CCMI, que nos lançam a todos uma primeira provocação: ‘Confia!’ E confiar é o princípio de qualquer história revolucionária…”

Confia (alunos CCMI)
https://youtu.be/e0ICm_jq4qI

Um dos pontos altos da Festa foi a intervenção de D. José Ornelas, que com palavras entusiasmadas, contestou a ideia de que a Igreja estaria em declínio:

“Há quem ande por aí a dizer que a Igreja está morta. Mas digamos nós aqui: a Igreja está morta? Não! Porque nós estamos vivos, e Jesus está vivo connosco. Por isso, não está morta — nós estamos vivos! E estamos vivos para dar vida e para levar alegria.”

O bispo aproveitou ainda para destacar o trabalho de vários grupos na Diocese:

“Vocês, que estão a aprender na escola, estão também a aprender a ser gente feliz — e a fazer felizes os que estão à vossa volta. Esse é o sentido da nossa Igreja, da nossa fé. E há tanta gente a trabalhar aqui, sobretudo pelos que mais precisam. Não só entre nós, mas também fora de portas.”

Não esqueceu os párocos, os catequistas e os escuteiros, com um agradecimento especial a estes últimos no ano em que celebram o seu centenário na Diocese: “São a ‘tropa do bispo’! São aqueles a quem guardo sempre um olhar muito, muito especial. Parabéns a vocês! Parabéns pela alegria que transmitem, pela esperança que espalham.”

Outro momento foi a atuação do Grupo de Jovens do Movimento Família do Coração Imaculado de Maria, que representou a Diocese e venceu o Festival da Canção Jovem com a música “Chama Viva”.

A Festa da Esperança continuou com uma representação dramática dos alunos do 10º ano da Escola Monsenhor José Galamba de Oliveira, sob a orientação do professor Luís Sarreira. Intitulada “CORES”, a peça proporcionou uma reflexão sobre a diversidade e a aceitação das diferenças, servindo de mote para uma referência especial aos migrantes presentes na comunidade diocesana.

Na reta final, Diogo Carvalho conduziu uma entrevista a Mariana Bento, Alexandra Neves e ao casal Oliveira, que partilharam a sua experiência como cristãos e sinais de esperança no mundo atual. O programa culminou com mais uma canção apresentada pelos alunos do Colégio Conciliar Maria Imaculada, encerrando este momento de festa e comunhão com chave de ouro.

Eucaristia: o ponto culminante da peregrinação

O momento mais solene e significativo da peregrinação foi, sem dúvida, a celebração da Eucaristia, que teve lugar na Basílica da Santíssima Trindade às 17h00. Este espaço, mais acolhedor e intimista que o recinto ao ar livre onde a missa era tradicionalmente celebrada, permitiu uma vivência mais profunda e comunitária da liturgia.

D. José Ornelas iniciou a celebração com uma saudação aos presentes:

“Saúdo a todos os Peregrinos da Esperança, que, neste ano Jubilar se dirigem ao Santuário de Fátima para receber luz e inspiração de Maria, Mãe de Jesus e modelo e Mãe da Igreja. Saúdo, de modo especial os irmãos e irmãs da Diocese de Leiria-Fátima, em peregrinação diocesana a este Santuário, pedindo a especial orientação da Mãe e padroeira da nossa Igreja para o caminho de transformação pastoral que estamos a percorrer e que queremos colocar sob o manto protetor da Mãe do Céu.”

Na homilia, o bispo destacou três atitudes fundamentais para a vivência da fé, inspiradas nas leituras do dia:

“Não vos fixeis no passado; ‘estou a criar coisas novas!'”, começou por dizer, citando o profeta Isaías. “Para muitos, este discurso parece mais uma promessa, sem garantias e sem conteúdo. No entanto, esta palavra do profeta não foi inútil: entrou no coração de pessoas sedentas de vida e de futuro.”

E acrescentou: “É essa atitude de fé, de participação ativa, de esperança e de futuro que precisamos de deixar entrar no nosso coração e na nossa vida e na vida da Igreja. Escutemos a sério esta Palavra, como Palavra de Deus para nós, hoje!”

A segunda atitude que destacou foi a necessidade de colocar Cristo no centro da vida, recorrendo ao exemplo de São Paulo: “Considero todas as coisas como prejuízo, comparando-as com o bem supremo, que é conhecer Jesus Cristo, meu Senhor.” E explicou: “Encontrar a Cristo foi o ponto de transformação do ser, do entender, do esperar e do agir de Paulo. Percebeu que tinha de deixar muita da bagagem que levava e que o tinha impedido de encontrar a força renovadora de Deus.”

D. José Ornelas sublinhou que, “como Paulo, também nós aderimos a Jesus, nosso Senhor, nosso Modelo e Mestre. Ele é o ponto de referência e memória santa do passado, mas de um passado que está sempre presente, porque Ele morreu, mas ressuscitou e está vivo e acompanha-nos.”

Por fim, apontou a terceira atitude: ter um coração fraterno e misericordioso, inspirado no episódio evangélico da mulher adúltera. “Jesus não se separou profilaticamente dos pecadores, não condenou nem excluiu ninguém, a não ser aqueles que não admitiam ser perdoados. Pelo contrário, foi para o meio deles, comeu e bebeu com eles, chamou-os para a sua companhia e para o seu projeto.”

E concluiu: “A Igreja sinodal tem de ser uma Igreja ao estilo do seu Fundador e Senhor: aberta a todos, todos, todos. E todos, neste mundo, somos pecadores. Esta atitude não é relativismo ou falta de noção do mal, mas a consciência e o desejo de continuar a atitude misericordiosa e transformadora de Jesus.”

Reflexões sobre a nova era da peregrinação

No final da Eucaristia, enquanto os peregrinos se dispersavam lentamente pelo Santuário, era tempo de balanço. Esta primeira experiência do novo formato da peregrinação diocesana deixou várias impressões e perspetivas.

Por um lado, a aposta na dimensão física da peregrinação, através da proposta de caminhada a pé a partir de cinco pontos distintos, trouxe uma renovada vivência de comunhão e partilha. Como explicou o padre Manuel Armindo, vigário geral da Diocese: “Com a mudança de dia e do programa da Peregrinação Diocesana deseja-se valorizar os seguintes aspetos: a peregrinação a pé e a saudação dos peregrinos a Nossa Senhora na Capelinha; o espírito comunitário, fazendo caminho juntos, no todo ou em parte do percurso, abrindo espaço para a oração e a partilha no peregrinar.”

Por outro lado, a realização da Eucaristia na Basílica da Santíssima Trindade, em vez do recinto ao ar livre, proporcionou uma celebração mais íntima e participativa, como se notou pelo envolvimento dos presentes nos cânticos e nas orações.

Outra momento que se revelou um sucesso, foi a Festa da Esperança, que, pela primeira vez, encheu completamente o Centro Pastoral Paulo VI. A mudança para sábado, deixando para trás as limitações do domingo, permitiu que os peregrinos pudessem viver o programa completo, sem a pressão do regresso antecipado.

No entanto, como em todas as mudanças, há aspetos a melhorar. A comunicação e a coordenação entre a organização diocesana e as paróquias deverá ser aperfeiçoada, para garantir que todos os grupos possam participar plenamente na proposta diocesana, se assim o desejarem. Como referiu Sofia, da paróquia da Marinha Grande: “A informação sobre este novo formato não chegou com tempo suficiente para que todos pudessem ajustar os seus planos.”

Uma Diocese em transformação

Esta peregrinação de 2025 ficará certamente na memória como um marco na história da Diocese de Leiria-Fátima. Não apenas pelo novo formato, mas por tudo o que ele representa em termos de uma Igreja em transformação, que procura responder aos desafios do tempo presente sem perder a sua essência.

Como lembrou D. José Ornelas na homilia: “Não fiquemos ceticamente a olhar para as coisas que acontecem. Juntos, façamo-las acontecer pela força do Espírito de Deus!”

Neste sentido, a 92ª Peregrinação Diocesana ao Santuário de Fátima não foi apenas uma celebração da fé e da devoção mariana, mas também um exercício de comunhão eclesial, de participação ativa e de esperança no futuro. Uma esperança que, como disse o bispo, “não está na nossa inocência ou na nossa justiça, mas no coração misericordioso de Deus, revelado em Jesus, que nos dá a vida no seu Espírito.”

O lema da peregrinação, “Com Maria, peregrinos da Esperança”, não poderia ter sido mais adequado. Não só porque se insere no contexto do ano jubilar que a Igreja está a celebrar, mas também porque espelha o caminho que a Diocese de Leiria-Fátima está a percorrer: um caminho de transformação pastoral, de renovação e de esperança.

Uma esperança que, como afirmou o padre Manuel Armindo, “não engana, porque o amor de Deus foi derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado.” Uma esperança que, como testemunharam os milhares de peregrinos que neste dia convergiram para Fátima, continua a ser a força motriz da fé e da comunhão eclesial.

Assim, a 92ª Peregrinação Diocesana ao Santuário de Fátima fica na história não apenas como um evento religioso, mas como um sinal dos tempos: tempos de mudança, de desafio, mas sobretudo, tempos de esperança.

Enquanto o sol se punha sobre a esplanada do Santuário, os últimos peregrinos dispersavam-se, levando consigo não apenas a memória de um dia singular, mas também o compromisso renovado de serem, nas suas comunidades e na sociedade, verdadeiros “peregrinos da Esperança”.

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