1. Em Portugal faz parte da tradição celebrar as festas de Santo António, São João e São Pedro. São os Santos Populares. Mas não só em Portugal. Julgo que estes Santos são lembrados e festejados em todos os países onde houver portugueses. Estou a lembrar-me, por exemplo, da Festa dos Santos Populares na Comunidade e Paróquia Portuguesa de Nª Sª de Fátima, na cidade de Kingston, Ontário, Canadá. E não só aqui.
É uma devoção muito antiga que permite celebrar o fim da Primavera e o começo do Verão. Durante séculos, as romarias faziam parte da vida das comunidades cristãs. A dimensão lúdica constituía elemento integrante da relação da Igreja com as populações.
Porque era necessário dar atenção ao homem todo, não bastava às paróquias ter um Santo Padroeiro, celebrar-lhe a Eucaristia da festa e fazer-lhe uma procissão como grande expressão de homenagem. Havia também a necessidade de contribuir para a alegria de todo o povo. As romarias com a peregrinação até ao santuário, os pic-nics partilhados por quantos vinham à capela do Santo, os desfiles etnográficos com os seus ranchos folclóricos, os cantares, as marchas dos respectivos bairros e as danças com os fatos característicos da região, tudo, com carrocéis, barracas de rifas, os foguetes, bandas de música e zés-pereiras, tudo isto permite um tempo de alegria gerador da reconciliação e unidade de todo o povo.
Os namorados encontram-se e preparam os seus casamentos. Os casais contam as suas histórias. Os mais velhos recordam momentos de uma vida já longa. A oração no templo e a alegria no terreiro da aldeia ou da cidade constituem sempre o momento o momento mais alto de cada comunidade.
Quem não se recorda disto? Assim nasceram muitas tradições:
Os arraiais e as marchas populares, com grupos vindos de todos os bairros e que competem entre si para conquistar o primeiro lugar, os cantinhos de petiscos, pelas escadas da cidade, onde não falta a sardinha assada e o caldo verde a fumegar na tijela.
As feiras, oportunidade para grandes negócios de animais que se compram e vendem, de frutos da terra e outras tendas de inúmeras quinquilharias, não faltando, claro, os vasos de flores com quadras alusivas ao respectivo Santo; e finalmente, os casamentos de Santo António, celebrados na cidade de Lisboa, momento único para haver uma festa que envolve a cidade toda, com a generosidade da empresas e dos populares.
Mais do que expressões de fé, a celebração das romarias são tempos de alegria geral que, vividos à luz da Igreja revelam a simplicidade do povo e a relação profunda que os sentimentos cristãos continuam a deixar nas populações.
2. Estas festas têm também uma dimensão litúrgica, sobretudo quando se celebram nas aldeias e nas cidades e vilas do interior do país. Os Santos padroeiros constituem uma referência para a gente mais simples. Muitos dão aos filhos o nome do Santo. Talvez por isso sejam muitos os Antónios, os Pedros e os João.
A dimensão religiosa está sempre presente quando são celebrados os Santos Populares. Há mesmo comunidades onde a festa é preparada com um tríduo ou uma novena, tempo de aprofundamento da fé, de reconciliação com Deus, de perdão que se oferece aos outros e dos outros se recebe.
Antes do ruído da romaria, as comunidades sentem como é importante o silêncio interior, a simplicidade da oração, a paz fraterna. De alguma maneira, pode dizer-se que a preparação espiritual que se fez para a festa do padroeiro, influencia o encontro das pessoas no meio das multidões. Por tudo isto, os Santos Populares têm também uma dimensão religiosa.
Os momentos religiosos não são muitos, como é o caso dos Santos Populares nas maiores cidades, mas têm a força bastante para alimentar a fé das gentes.
– A Eucaristia, a missa solene, é o momento mais alto em que todos querem participar. Basta verificar, por exemplo, as multidões que acorrem à capela e à procissão de Santo António, em Lisboa, no dia 13 de Junho, dia da sua festa litúrgica.
– O sermão que desafia a comunidade a converter-se para celebrar ao longo do ano a verdade, a justiça, o amor e a paz- atributos deste inolvidável Santo que se venera.
– A procissão é uma expressão de beleza que a todos interpela mesmo os não crentes. Como diz o poeta António Lopes Ribeiro: “tocam os sinos da torre da igreja/há rosmaninho e alecrim pelo chão/ na nossa aldeia que Deus a proteja/ vai passando a procissão/…
– A união das famílias talvez seja a riqueza maior que estas festas trazem à vida das pessoas. Chega-se de longe, contam-se histórias, reafirma-se o amor, partilha-se a vida e, assim, a família valoriza cada vez mais a comunhão de todos. Presentes estão os avós, os filhos, os netos e os bisnetos. É um momento único. É lindo…
Vivendo assim a festa da aldeia, da vila e da cidade compreende-se que não está em questão apenas o ruído dos altifalantes ou dos pregões. A par de tudo isso, há desafios que convidam à relação com Deus e à relação com os outros.
3. As Festas Populares podem conter também um projecto pastoral para muitas comunidades e podem renovar a sua dimensão cristã.
– Santo António, como franciscano foi um grande amigo dos pobres. O amor aos pobres é parte essencial da vivência cristã de cada um de nós. Cada cristão é chamado à partilha dos bens, com a generosidade de que seja capaz.
Nesta altura de muitas crises e de imigração descontrolada que não deixa ver o quanto se sofre à nossa volta (tendas sem fim, onde há frio e fome), experiências como a do Pão de Santo António são sinal de generosidade para com todos aqueles que têm fome e sofrem dificuldades económicas, sobretudo os imigrantes fugidos dos seus países e que procuram abrigo acolhedor.
– São Pedro em toda a sua vida revelou um grande amor à Igreja do seu tempo. A fidelidade à Igreja é caminho que todo o cristão deve viver. Com o Papa Francisco parece mais fácil este amor à Igreja. Aceitemos todas as mensagens que dele nos vêm.
– São João Baptista nas margens do Jordão convidava à mudança de vida. A constante renovação de vida, segundo as exigências do Evangelho, permite um testemunho actual em todas as circunstâncias. Se a fé sem obras é morta, a oração sem compromisso cristão no mundo seria inútil. Viver ao ritmo de Cristo é desafio que nunca tem limites.