O mundo inteiro está em estado de emergência sanitária. Haverá também um estado de emergência no campo religioso e da espiritualidade cristã?
Será que as crianças e jovens são iniciados numa liturgia viva e vivem eles a liturgia?
A Eucaristia é a celebração central e principal. É ponto de partida e ponto de chegada na vida cristã. Participação consciente, ativa e frutuosa é um princípio referente a todas as celebrações.
O cardeal D. António Marto diz, na sua carta pastoral sobre a Eucaristia: “Constatamos a falta de enlevo, encanto, amor, atração e devoção a este sacramento, uma verdadeira desafeição e até desamor por parte de muitos cristãos que se afastam da celebração.”
No tempo presente, fala-se de “emergência eucarística”. Porquê? Verifica-se uma “debandada geral dos jovens após o sacramento do Crisma”. Porquê?
Lembro o caso de um jovem que estava no campo de futebol de braços cruzados e estático (o futebol não lhe dizia nada). Estava lá por obrigação e para cumprir o programa escolar. Recordo que um dia fui assistir a uma ópera em Pequim. Foi bonito, mas não percebi (quase) nada.
Vejo que se passa o mesmo com muitas crianças e jovens a propósito da Missa. Alguns vão só para cumprir a programação catequética, e alguns não percebem a linguagem e a simbologia do que está a acontecer e a ser celebrado. Também pode faltar a fé. Também se pode confundir participação com o fazer alguma coisa, e, então, quem não fizesse alguma tarefa já não estaria a participar.
Os liturgistas dizem que está a faltar uma catequese de iniciação sacramental e uma catequese mistagógica. Não basta acreditar, nem basta celebrar. A fé viva está incarnada. A Eucaristia implica a fé e a fé implica a Eucaristia. Uma liturgia sem fé será uma representação, um teatro. Seria apenas “uma veste exterior, uma exterioridade”; a alma, a fé, está dentro, dá vida e calor. O amor é invisível, mas faz-se visível nos gestos. O que é um beijo, uma prenda, um sorriso, um ritual de parabéns? É o mundo humano da simbologia. Os sacramentos são rituais simbólicos. Os catequizandos devem passar pela fase de iniciação para poderem celebrar ativamente, com consciência plena e vida frutuosa. Os mais novos podem “celebrar os mistérios da fé nos sacramentos e professar a fé no credo.”
Se “a Eucaristia é encontro e comunhão com Cristo e com os irmãos”, como afirma D António Marto, todo o crente deve exercitar-se na arte de bem celebrar. É urgente levar a vida para a Eucaristia e trazer a Eucaristia para a vida. A emergência atual requer uma vacina eucarística.
O teólogo Gabino Uríbarri diz perentoriamente (fruto de constatação sociológica): “se baixar a prática sacramental e litúrgica, todo o resto das dimensões da vida cristã diminuem: compromisso moral, oração, sentido de pertença, conhecimento da doutrina, inter-relação de fé e vida”. Os educadores não podem entrar em desânimo ou ficar em atitude paralisante.
As crianças crescem e aprendem a habitar espaços. É preciso aprendizagem para habitar um espaço litúrgico com os seus elementos (sacrário, presbitério, lugar da assembleia, ambão, altar…) e simbologias. É um espaço de abertura ao outro e aos outros, ao transcendente e à transcendência. Procura-se um espaço trampolim para o mistério, para o sacramental. Nele há silêncio, adoração, reverência, contemplação. A linguagem da liturgia, com gramática própria, pretende chegar à inteligência e ao coração. À volta da mesa da Palavra e mesa do Pão há música, gestos, silêncio, movimentações, rituais de vida e salvação.
A Eucaristia na peregrinação nacional das crianças a Fátima (10 de junho) e nas Jornadas mundiais da juventude (com o papa) são imagem expressiva de uma “liturgia fresca, autêntica e alegre (CV 224). Cada Eucaristia dominical devia espelhar essas notas caraterísticas.
As crianças e os jovens, com tantas energias e sonhos, estão convocados e, já hoje, podem renovar a sociedade e a Igreja. Com “novo ardor, novos métodos e novas linguagens”, lutarão contra todas as pandemias.