Este não é um conto. É a vida real dos nossos dias.
Pela quarta vez, estou a fazer voluntariado missionário. A anterior e a atual são com o Grupo Missionário Ondjoyetu, da Diocese de Leiria-Fátima. A grande diferença é que, desta vez, deparei-me com um quadro de fome que nunca tinha visto antes.
Passamos temporadas nas montanhas e, de vez em quando, descemos à cidade para retemperar forças e abastecermo-nos antes de voltar a um local onde tudo falta: água, eletricidade, comunicações, saúde, entre outros.

Na missão, para termos água potável (ainda que com umas gotas de lixívia), temos de percorrer mais de 300 km por caminhos difíceis até dizer chega. Quanto à eletricidade, contamos com alguns painéis solares, que nos oferecem uma quantidade limitada de energia, dada a falta de baterias acumuladoras. Quando já não há sol, socorremo-nos de geradores a gasóleo.
No dia 10 de fevereiro, descemos à cidade.
Como cuidamos da saúde das populações locais com a nossa maior boa vontade, acabámos por descer já tarde, devido à enorme afluência de doentes. Quando estávamos prestes a partir, apareceu uma avó com o seu neto, um menino de 3 a 4 anos, que, juntamente com mais dois irmãos, alojámos na nossa casa para os tratarmos da malnutrição. Verificámos que a criança não estava bem e decidimos transportá-la connosco para o levarmos ao hospital do Sumbe.
As boleias são uma constante. Três dos nossos penduras eram alunos de uma povoação a cerca de 20 km da missão, uma distância que demora cerca de duas horas a percorrer. Pelo caminho, tivemos de socorrer um doente que nos apareceu pela frente. Quando nos deslocámos à traseira da viatura, onde seguiam os ditos moços, percebemos que já nos tinham roubado fruta. Devolveram-na e fizeram o resto do caminho a pé.
Ao todo, transportávamos doze pessoas, além dos nossos pertences.
Voltando à avó, que continuou viagem connosco, o inesperado aconteceu. A criança faleceu no caminho, sem termos conseguido chegar ao hospital. Com a criança já nas mãos de Deus, seguimos viagem até ao local onde poderíamos encontrar uma moto táxi que levasse a avó e o neto de volta a casa.
Curioso, ou talvez não, dada a minha sensibilidade, vieram-me as lágrimas.
Para equilibrar a tristeza, relato um acontecimento positivo que se passou comigo. Damos apoio escolar a algumas crianças na nossa casa no Sumbe. Duas delas apareceram com um presente: um carrinho de lata feito pelas suas próprias mãos. Traziam ainda outro, que até luzes tinha, aproveitando uma bateria de telemóvel. Estes presentes irão viajar comigo quando regressar a Portugal.