Dilexit nos: relato de um Coração que arde de amor por amor!

A certeza do amor de Jesus, diz o Papa, não nos deve arrefecer e ainda menos nos deixar inchados. O amor transforma-nos sempre, faz eco em nós! Ricocheteando nas paredes do nosso coração, faz ressoar melodiosamente até as cordas mais desafinadas. Diante dos encontros místicos de Margarida Maria com o Senhor, que confessa um amor inflamado pela nossa humanidade, experimenta-se, diz o Papa, «uma ressonância que nos chama a dar a vida» (DN 164).

A dor da rejeição do amor é a pior das dores. Isto mesmo Jesus faz saber a Margarida Maria. Ele experimenta esta dor ao sentir que a sua entrega amorosa «não recebe senão ingratidão e frieza» (DN 165). O ardor de uma entrega apaixonada do Coração de Jesus esbarra na glaciar indiferença, ingratidão e apostasia, com que a humanidade faz doer ainda mais a ferida, apertando a coroa da paixão com o entrelaçar dos espinhos da inconsciência humana (cf. DN 165).

Tal como a nós, Jesus sente que o desejo de ser amado lhe seca os lábios e lhe revolve as entranhas, aflitas com a sede de um amor que tarda em chegar, «mostrando-nos que o Seu Coração não é indiferente à nossa reação diante do seu desejo» de ver saciada «uma sede tão ardente de ser amado pelos homens no Santíssimo Sacramento, que esta sede me consome; e não encontro ninguém que se esforce, segundo o meu desejo, por saciar a minha sede, retribuindo um pouco do meu amor» (DN 166). O que nos pede então Jesus? A resposta do Papa é clara: «o pedido de Jesus é o amor» (DN 166), nunca um sentimento qualquer mascarado de amor, mas uma verdadeira e radical reciprocidade, autêntica, com tendência para a oferta plena e sincera do ser.

Vejo contemplada, neste número, a urgência em recuperar, aprofundar e levar à prática eclesial o sentido teológico e espiritual da reciprocidade, como consequência natural da espontaneidade do amor, sintetizada por Margarida Maria de um modo muito concreto: «Recebi de Deus graças muito grandes do seu amor e senti-me impelida pelo desejo de lhe corresponder de algum modo e de lhe pagar amor por amor» (Autobiografia, 93).

Nada disto é concretizável, acredita o Papa, sem um urgente regresso à Palavra de Deus como critério essencial para discernir e perceber – o que não deixa de recordar a dinâmica balthasariana de que apenas o amor é capaz de sentir o amor, de o perceber e de lhe ser recíproco – com os instrumentos que ela fornece. A resposta mais solene ao amor que fervilha no íntimo de Jesus é exequível no amor fraternal, pois, como afirma o Papa Francisco, «não há maior gesto que possamos oferecer-lhe para retribuir amor por amor» (DN 167).

O amor nasce na humildade – que, não sendo inata ao coração da humanidade, requer sempre um processo de conversão –, de nos reconhecermos pequenos aprendizes do Coração de Jesus, concretizando, na musculatura do nosso próprio coração, a performatividade da jaculatória citada pelo Papa Francisco: «Jesus (manso e humilde de coração), fazei o nosso coração semelhante ao Vosso», assumindo-a na vida com a mesma fé que habita o Coração de Maria: «faça-se em mim tal qual me anuncias» (cf. Lc 1, 38). Voltando às palavras do Papa, lemos que «o amor aos irmãos não é fruto do nosso esforço natural, mas exige uma transformação do nosso coração egoísta» (DN 168), ou seja, arar a terra do nosso coração com o «arado do amor de Jesus» e semear em nós as mesmas sementes (sentimentos/coração) que a teologia paulina consagra em Filipenses 2,5. Os sentimentos devem ser vividos, geridos e assumidos do mesmo modo como o Coração de Jesus os experimentou, com a necessária naturalidade, como parte integrante da vida.

Desconhece-se, na Sagrada Escritura, notícia de que em alguma ocasião Jesus se tivesse envergonhado de mostrar os seus sentimentos diante dos seus contemporâneos. Não o fez ao escutar a notícia da morte de Lázaro, despertando inclusivamente a comoção dos que o rodeavam – «Olhai como era seu amigo!». Muito menos quando, tomado de compaixão, curou o cego, o leproso ou o paralítico; muito menos quando, devorado pelo zelo pelo Templo, pegou no chicote e expulsou os vendilhões.  Jesus tira da experiência humana dos sentimentos a força, o alento e a coragem para amar sem destino ou barreira.

Neste número, o Papa alerta para a premência de recuperar o amor como distintivo do modo de viver cristão, recordando que nele reside o critério da própria humanidade, tão esquecido pelo dilatar no tempo da cultura do descarte.

Esta prática desumana, que infelizmente ainda não passou de moda, enraíza-se nos costumes frios e tortos destes tempos que, qual cardo espinhoso e imperfeito, têm na astuta beleza da sua flor a oportunidade de ludibriar quem os admira, escondendo dos olhos mais ingénuos a sua verdadeira natureza e a sua hostilidade ao amor.

A astúcia maligna, simbolizada nas palavras do Papa sobre o modo de proceder do imperador Juliano (cf. DN 169), toma corpo na inveja e na maldade diabólicas do imperador, ao assentar a criação de instituições imperiais da caridade não na real preocupação com os pobres e desvalidos, mas no desvio destes dos corações amorosos e providentes dos cristãos. Esta atitude de competição contra os cristãos sobrepõe-se ao dever de compaixão que deve nortear quem governa a causa pública. Como desfecho deste ciúme doentio, conta o Papa Francisco que, apesar da tentativa, o imperador apóstata mal-intencionado «não atingiu o seu objetivo, porque por detrás destas obras não havia seguramente o amor cristão, que permitia reconhecer em cada pessoa uma dignidade única» (DN 169). Perante este desfecho, podemos concluir que o amor cristão é criativo, militante e, de coração sincero, abraça as mais belas causas, aplicando como taxa de câmbio «amor por amor».

A novidade do amor ensinado e vivido por e com Jesus centra-se no reconhecimento da dignidade como atributo pessoal e inalienável, impermeável a qualquer permuta, venda ou penhora. O Coração de Jesus realiza o seu desígnio de amor «identificando-se com os últimos da sociedade (cf. Mt 25, 31-46)» (DN 170). O seu rosto descobre-se no caráter irreconhecível do Coração sofredor, que o profeta Isaías narra já sem figura nem beleza (cf.), sujeitando-se à humilhação não por si, mas por todos os irmãos que ama sem distinção.

Diante da empresa amorosa do íntimo de Jesus, a questão da dádiva aos irmãos adquire um cunho existencial, onde aflora no estilo de vida do Coração de Cristo a resposta para o sentido da própria existência humana. Como aconselha o Papa, «se contemplarmos a entrega de Cristo por todos, torna-se inevitável perguntarmo-nos por que razão não somos capazes de dar a nossa vida pelos outros» (DN 171).

A história da espiritualidade cristã, afirma o Papa, vê-se atravessada pela criatividade e fecundidade da «união entre a devoção ao Coração de Jesus e o compromisso com os irmãos» (DN 172). Nesse sentido, estudar este texto sem passar pela sua dimensão espiritual e pela relação esponsal que nele se insere deixar-nos-ia mais pobres. Para o fazer, o Papa explora a analogia do Coração-Fonte – que, como tive oportunidade de demonstrar no meu trabalho sobre o «Monumento ao Coração de Jesus da Cova da Iria», não é apenas um tema bíblico e patrístico como também pastoral, porque narra na continuidade das águas que brotam a resposta do Coração de Deus às necessidades da humanidade nos contextos da biologia, eclesiologia e até da liturgia– e presta-se a uma fecundidade natural que escorre, no meu entender, para os mares da configuração com Cristo. Este processo de beber da fonte do Coração, tal como nos mostra o Papa Francisco, não se restringe a um sentido unilateral, mas remete para uma reação em cadeia, em tudo semelhante ao anúncio do Evangelho: «assim, a união com Cristo não tem apenas o objetivo de saciar a própria sede, mas de se tornar uma fonte de água fresca para os outros» (DN 173). Neste sentido, recorda o Papa, recorrendo a Orígenes, que Cristo manifestou o cumprimento da «sua promessa, fazendo brotar em nós correntes de água» (DN 173), consagrando-a como integrante da vontade e do projeto salvífico do Coração de Jesus para a humanidade.

O sinal saído das entranhas da terra, do coração do rochedo e do ventre do altar relata, com marcas percetíveis, a passagem do Coração de Jesus pelo mundo, dilatando a sua presença amorosa na história e no tempo da humanidade recriada como ventre que recebe a água viva, dom do Coração de Cristo (cf. DN 174).

Assim, a Igreja, nascida do lado de Cristo, é indefetivelmente extensão e comunicação «em todos os tempos e lugares dos efeitos dessa única paixão redentora, que conduz os homens à união direta com o Senhor» (DN 175).

O número 176, profundamente mariano, revela a intenção do Papa Francisco em propor um modelo sólido de santidade operativa, a ser vivido pelo corpo místico da Igreja. Maria é, na verdade, o protótipo da atenção, do carinho, em suma, a mulher de uma perspicácia consciente da sua missão e de apontar para o caminho do Coração de Deus.

Seguindo as palavras do Papa: «A devoção ao Coração de Maria não quer enfraquecer a adoração única ao Coração de Cristo, mas estimulá-la» (DN 176).

Sobre a diversidade de carismas suscitados pela analogia do Coração-Fonte e a sua inegável origem no lado aberto, o Papa sublinha que «graças à imensa fonte que brota do lado aberto de Cristo, a Igreja, Maria e todos os fiéis, de diferentes maneiras, tornam-se canais de água viva. Deste modo, o próprio Cristo revela a sua glória na nossa pequenez» (DN 176), onde julgo ver esboçada a imagem do próprio mistério da Encarnação, no qual o grande Deus se manifesta na carne do coração do pequeno Infante.

Tema de Estudo: ‘Dilexit Nos’
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8 de Março
, às 09:30
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