Há 50 anos, precisamente no dia 7 de novembro, o cardeal D. António Marto era o ordenado sacerdote em Roma. Queremos recordar não só esse momento, mas sobretudo o perfil do sacerdote que D. António Marto foi criando ao longo da sua vida como académico e como bispo.
Esta entrevista é a transcrição da conversa que o cardeal D. António Marto teve com Paulo Rocha, da Agência Ecclesia e que será transmitida no programa 70×7 no dia das bodas de ouro sacerdotais.
Quando era muito novo e ainda estava na sua aldeia em Chaves e, enquanto o seu pai queria que fosse militar, e a sua mãe, advogado, e o menino António já pregava na varanda… Que ideia de padre tinha na altura?
Sou oriundo de uma aldeia serrana de Trás-os-Montes e, naturalmente, de raízes telúricas, com recordações da infância de um tempo muito diferente do atual. Era uma aldeia predominantemente católica, em que o ritmo da vida era marcado ainda pelo campanário, em que as grandes celebrações eram religiosas… Morava perto da casa paroquial e era assíduo às celebrações. Na altura, o pároco ensinou-me latim para poder dar as respostas durante a Eucaristia e, como era amigo próximo, quer de mim, quer da minha família, eu ficava encantado pela maneira como ele se relacionava com as pessoas e pela beleza que punha na liturgia. Tínhamos sempre aquela noção de que era Deus que estava presente. Interiormente fui elaborando a ideia e este ideal de ser padre.
E foi isso que o levou para o seminário…
E foi isso que me levou para o seminário bem como o encanto que tinha pela figura de Jesus que aprendia na catequese.
Apesar do pouco entusiasmo familiar com a ideia de ir para o seminário…
Quando soube desta minha intenção, depois de terminado o quarto ano da Escola Primária, o meu pai ficou surpreendido, porque eu nunca tinha dito a ninguém. Inicialmente, começou por apresentar as suas reservas, que eu era muito novo, que era melhor ir estudar para o Liceu e depois, mais tarde, eu decidiria. Ele gostaria muito que eu fosse para os pupilos do exército. Respondi que se não me deixava ir para o seminário, então também não ia para lado nenhum. O meu pai dizia que pediu conselho aos amigos dele e que lhe disseram “deixa ir o rapaz e depois ele decidirá quando estiver em idade mais madura”. E assim foi: entrei no seminário com 10 anos, acompanhado pelo meu pai, com a mala e com enxoval que então se exigia. O meu pai deixou-me lá no seminário e naquela altura não havia visitas frequentes, até porque a mobilidade não era tão fácil como nos tempos de hoje. Recebia uma visita em cada trimestre; o meu pai ia lá ver como é que eu estava. E depois tinha as férias de Natal, da Páscoa e as férias grandes. Eu gostava de ser seminarista, até porque isso era bem considerado pelas pessoas da aldeia.
Essas reservas por parte do seu pai e familiares não teriam tido a sua origem no facto de dois irmãos terem falecido muito cedo?
É natural. Ele só me disse mais tarde: não gostava muito de falar da morte dos meus irmãos, porque morreram por acidente e, portanto, era algo doloroso para ele mesmo. De qualquer modo, quando fui crescendo, fui conhecendo outros padres no seminário, padres jovens que tinham acabado de se formar e de ser ordenados e, por conseguinte, exerciam a função de prefeitos com muita jovialidade. No seminário vivia-se uma boa camaradagem, embora também houvesse uma disciplina bastante férrea…
No seminário em Vila Real…
Em Vila Real e depois no Porto. Vila Real, durante todo o tempo do seminário menor e alguns anos do seminário maior. Depois fui terminar no Porto em 1968.
É nessa ocasião que tem que esperar dois anos para ser ordenado, e tem essa experiência fabril. Isso também pesou na sua formação?
Aos 18 anos tomei a decisão de ser padre, com os sobressaltos que uma vocação conhece, até porque quando via sair os amigos, também queria sair com eles. Depois veio um diretor espiritual, um jesuíta muito bom que nos ajudou a conhecer verdadeiramente Jesus nos evangelhos e nos ajudava no discernimento espiritual. Chamava-se Norberto Martins. Recordo, porque foi ele que de facto, me ajudou a tomar a decisão final e madura. Depois fui para o Porto. O bispo de então era D. António Cardoso Cunha, que recordo com muita saudade, um homem que tinha acabado de estar presente no Concílio e era formado em história, e era um homem que tinha uma visão clarividente. O Concílio tinha terminado em 1965, e em 1968 decidiu que era insustentável ter um seminário maior na Diocese, não só do ponto de vista económico, mas também do ponto de vista formativo, porque eram poucos alunos e muito mais os professores. Por conseguinte, decidiu que os alunos de teologia iriam estudar para outro seminário, onde pudessem ser recebidos. Deu a escolher Lamego ou Porto. Escolheram então o Porto e foi assim que fui para o Porto com uma grande ânsia de abrir horizontes. E foi encontrar um seminário onde nos educavam para a liberdade e responsabilidade, um seminário onde nos ajudavam à maturidade humana, à maturidade da Fé e à maturidade da vocação. Tinha um reitor excelente e um diretor espiritual também muito aberto, que vinha da Acção Católica. Abriram os horizontes para o mundo, para o diálogo com o mundo, pôs-nos a estudar a constituição sobre a Igreja no mundo contemporâneo. Para mim isso era tudo novidade e novidade entusiasmante. Foi neste clima que surgiu a ideia de estagiar numa paróquia e fazer o estágio num ambiente operário. Fui então conhecer o mundo operário e testemunhar também o evangelho da Igreja no meio operário.
Que contributo teve essa experiência no seu percurso?
Essa experiência abriu para os problemas do mundo. Agora não era só o resultado de um estudo, era resultado de uma vivência, de uma experiência concreta de quem trabalha, de quem tem de se levantar de manhã cedo e chegar à fábrica, de vestir o fato de operário de trabalho e trabalhar diante de uma máquina com outros. Inicialmente, ninguém sabia que era seminarista. Fomos três a experimentar a dificuldade em encontrar trabalho, porque na altura a gente bateu a várias portas de várias fábricas e a primeira pergunta era se já tínhamos feito o serviço militar, porque isso obrigava a interromper o percurso de trabalho. E nós não queríamos dizer que éramos seminaristas senão fechavam-nos logo a porta. Na última tivemos dizer quem éramos e o que pretendíamos e, aí, abriram-nos a porta com toda a hospitalidade. Foi então a paixão pelo diálogo entre o evangelho, a fé, a Igreja e o mundo moderno e os problemas concretos, tudo na onda de renovação do Concílio.
Chegou logo a seguir esse desafio também de estudar em Roma…
Estava combinado com o bispo para fazer o estágio diaconal na paróquia da Régua. À última hora, o bispo resolveu mandar-me estudar para Roma. Ainda pedi para pensar, mas os meus conselheiros padres do seminário pediram-me que aceitasse, que era uma missão que a Igreja me confiava e que a Igreja precisava de gente preparada. Nesse aspecto tenho de prestar homenagem a esse grande Bispo que mandou estudar muitos padres em várias universidades, em Paris, em Toulouse, em Lovaina, na Alemanha, em Roma. Quando terminou o seu governo da Diocese confidenciou-me: “mandei estudar muitos padres; não foram mais, porque não quiseram; sabes porquê? porque vêm aí tempos difíceis e a Igreja precisa de ter gente muito bem preparada para isso”. Nós estamos a assistir uma mudança de época, mas, a seguir ao Concílio,foi toda uma transformação cultural com mudanças rápidas. A própria Constituição sobre a Igreja fala disso, das mudanças vertiginosa a que o mundo assiste e às quais a Igreja deve responder.
Estamos a recordar o 7 de novembro de 1971. Podia partilhar connosco em que circunstâncias é que é ordenado em Roma por D. António Ribeiro?
Essa circunstância foi um equívoco. Na altura não havia telemóveis. Estava combinado entre mim e o Bispo que a ordenação seria em setembro em Vila Real. Só que ele esqueceu-se de pôr na agenda e no mês de setembro foi de férias para Alemanha e ninguém sabia onde estava. Veio em outubro e eu tinha de ir para Roma. Na ocasião em que havia o sínodo dos bispos, estava lá o cardeal António Ribeiro e aproveitei para ser ordenado na capela do Colégio Português onde também estavam alguns padres daqui.
Nesse dia o seu pai disse-lhe uma frase que parece definir a sua paixão pelos pobres: “não lhe suba o poder à cabeça”. Nessa circunstância da ordenação sacerdotal pensava ser padre para quê?
Quando era seminarista pensava em ser pároco e pensava trabalhar para a juventude. Tinha trabalhado com a Ação Católica, conheci também jovens ligados ao Movimento Católico de Estudantes. Foi um sonho que não se realizou, porque o Bispo, em nome da Igreja, me pediu para fazer a especialização em Teologia. Depois já sabia mais ou menos o que me esperava, porque o Bispo queria que fosse para o Porto como educador no seminário maior para acompanhar os seminaristas da diocese de Vila Real, e como professor no Instituto de Ciências Humanas e Teológicas. Quando vim de férias fizemos uma celebração familiar e o meu pai um dia disse-me “meu filho, agora és padre, só te quero pedir uma coisa: lembra-te sempre que tens uma família, que não te suba o poder à cabeça e trata sempre bem os pobres e os humildes”. Isso nunca esqueci, foi uma marca de que sempre recordo. O meu pai também foi educador e formador de um pastor.
E que pertinência vê nessas palavras pensando no que é ser padre?
Um padre tem que ser um homem de relação, diria até, um homem de relações: de relação com Deus, porque as pessoas gostam de um padre muito próximo e gostam de saber que é um homem de fé, e tem que ser um homem de relações próximas de todos, e esta proximidade é feita de acolhimento, de atenção, de escuta, de partilha das alegrias e sofrimentos, porque um padre pode saber muito ter uma grande formação em teologia e filosofia em sociologia, saber a explicar muito bem as coisas, e fazer até grandes sermões… Mas se não tem esta proximidade com seu povo, com as pessoas, falta-lhe algo, não serve. Falta-lhe o coração, quer dizer falta-lhe humanidade. O padre tem que ser humano. Eu dizia sempre aos estudantes alunos do seminário, quando terminavam o curso: quando fordes nomeados párocos, as primeiras cartas credenciais com que vos apresentais ao povo será a vossa relação humana; o resto virá por acréscimo.
E depois aquilo a que chamamos opção preferencial pelos pobres. O Papa Francisco fala de uma Igreja em saída às periferias. Na altura a gente não usava esta expressão nem o meu pai sabia. Hoje a concretização faz-se deste modo, sair às periferias, ir ao encontro daqueles que são mais sós, mais abandonados, mais necessitados.
Seguiram-se sete anos em Roma, um doutoramento, um olhar para a fé de forma muito racional. Alterou esta concepção do ser padre?
A formação em Teologia é uma coisa muito bela, muito profunda, porque ajuda a conhecer melhor as realidades mais íntimas da fé. A estudar Teologia, podia conhecer também o coração humano, a alma humana. Não era uma teologia abstrata, como a chamada teologia escolástica, era uma teologia renovada, com atenção ao homem, como dizia Paulo VI quando afirmou que a pastoral do Concílio é a pastoral do Bom Samaritano, de quem se aproxima do homem ferido à beira do caminho e cuida das suas feridas. Quando regressei nunca deixei o aspecto do exercício pastoral do ministério. Era professor, era educador, mas procurei sempre estar ligado uma paróquia. As duas primeiras paróquias a que estive ligado, eram paróquias pobres: a paróquia de Miragaia e, depois, a paróquia da Sé. As outras paróquias já eram mais urbanas, no sentido de mais activas e ricas. Mas em todas elas aprendi a ser pastor. Recordo-me da missa das crianças na paróquia da Sé… A primeira vez que o pároco me pediu para presidir a essa celebração, eu disse que não sabia falar com as crianças e ele ajudou-me. Fazíamos reuniões para saber como é que havia de começar para estabelecer o diálogo com as crianças. Daí, esta relação particular com as crianças. As nossas celebrações são praticamente para adultos e eu pensava para comigo o que é que as crianças levam daqui, se ninguém lhes dirige uma palavra, uma saudação, devem sair daqui desiludidos… Então, passei a fazer a saudação que todos conhecem e, às vezes, uma frase para elas levarem consigo algo e saberem que alguém as considera. É uma maneira de estabelecer um laço com a Igreja e com Jesus.
Tem pena de ter deixado a vida académica?
Eu gostava muito da vida académica, sentia-me verdadeiramente como o peixe na água, gostava de ser professor, gostava de conviver com os alunos, não me fechava no gabinete. Quer na Faculdade de Teologia, quer na Faculdade de Direito, tinha uma relação muito fraterna, muito próxima dos alunos. Também era exigente e tinha fama de exigente mas, ao mesmo tempo, era fraterno e procurava ajudar. Gostava imenso da vida académica, até porque puxava pela gente. Tinha o aspecto da investigação, estávamos sempre a ser desafiados para coisas novas, temas novos. Quando fui chamado para ser bispo pedi que me deixassem ao menos 24 horas para pensar e dar uma resposta. Consultei dois ou três dos meus melhores amigos que começaram por me dizer aquilo que a Igreja me pedia estava na linha do que é o sacerdócio. Para ser sincero, chorei.
O perfil de padre foi-se alterando a partir do momento em que passou a ser bispo?
Está dentro dos desafios inéditos em que a Igreja se encontra hoje. O Papa Francisco repete várias vezes que não se trata só de uma época de mudanças, mas de uma mudança de época, quer ao nível cultural, social, financeiro, tecnológico. Tudo isto está a dar origem a um novo mundo.
A Igreja Católica está a ser capaz de pensar nesse novo mundo, até porque esta, de alguma forma, tem problemas graves para resolver?
Temos um grande Papa, que veio do outro mundo, diferente do ocidental e, por conseguinte, muito sensível aspectos que o mundo ocidental esquece, porque é o mundo da abundância e não imagina o que é a pobreza, por exemplo, é o mundo consumista, e não imagina que é preciso limites para não pôr em causa quer a dignidade dos pobres, quer o reconhecimento da dignidade todos, quer a sobrevivência da casa comum. Nós temos um Papa que tem o dom do discernimento, por ser jesuíta certamente, não só a nível pessoal, mas também ao nível comunitário e ao nível global. Estamos a viver de uma forma inédita: a globalização, à qual se junta depois a inovação tecnológica com todos os meios tecnológicos novos, que implementa uma nova cultura. Não se trata só deste meio digital, não se trata só de uma técnica de saber instrumentos e botões necessários. É uma cultura que abre muitas possibilidades, mas que também traz grandes riscos. Hoje temos a mentalidade de pôr a confiança, como uma espécie de omnipotência, nos meios técnicos digitais que dão solução a tudo. O evangelho diz que nem só de pão vive o Homem, e nós temos de atualizar isso e dizer que nem só de algoritmos vive o Homem. Os algoritmos são necessários para encontrar meios ou soluções de ordem técnica tecnológica da financeira, mas a dimensão humana é insubstituível.
E é preciso levar as parábolas de Jesus pelos algoritmos da tecnologia…
Já não tenho a linguagem da juventude de hoje. Eles são os nativos digitais, têm esta cultura, este modo de ver o mundo, de ver a realidade, das relações, dos valores… Isso cria um clima de incertezas e inseguranças em que a Igreja vive. O nosso Papa apresenta grandes chaves de compreensão do mundo moderno. Este mundo que está a nascer, é de muitas desigualdades, divisões, crispações. É a chamada terceira guerra mundial aos pedaços. É um mundo de feridos e de muitas feridas. E isto vale para a Igreja e vale para a imagem do padre. A Igreja deve ser hospital de campanha: a sua primeira função é acolher os feridos e ajudar a curar as feridas.
E isso define o perfil do padre hoje?
Sim, define. Não deve haver condenações imediatas com juízos imediatos. Essa é a lógica do poder, do autoritarismo. A Igreja tem que saber falar ao mundo de hoje ao modo de Jesus, com proximidade, compaixão e ternura, uma expressão muito querida do Papa e que resume também a presença da Igreja no mundo de hoje. Outro aspecto é o da casa comum, da ecologia integral, que agora está em cima da mesa, em que os países que mais poluem o mundo e mais põem em causa a sobrevivência da nossa humanidade no planeta terra são aqueles que menos querem empenhar-se na diminuição das emissões do carbono que provocam alterações climáticas. Ainda outro aspecto é a fraternidade. No mundo ocidental, o relativismo leva a um individualismo exacerbado. Quer dizer que cada um é o criador de si mesmo, sem olhar para os outros. É o risco da cultura da indiferença em que a pessoa vai, passa e, ou não olha onde está a necessidade, ou olha e volta a olhar para o lado e diz não é consigo. Portanto, não basta só o slogan da liberdade, igualdade e fraternidade cristã. É preciso lançar pontos entre todos. Daí a necessidade de aumentar o diálogo religioso e ecuménico. Acho que estas são as grandes chaves para interpretar o mundo de hoje.
Há uma missão sacerdotal a construir nessas três linhas que define. Em todo caso não se pode esconder um problema que há para resolver, nomeadamente dos abusos e das fragilidades com que o sacerdócio se depara nalgumas dioceses. Esse é um problema a enfrentar sem rodeios…
Hoje, a figura do padre não tem aquele prestígio social que tinha antigamente. A Igreja não tem aquela força de atração que teve também no regime de cristandade. O Papa Bento XVI quando era jovem teólogo, em 1969, escreveu um artigo sobre o futuro da Igreja e previa que ela seria feita de minorias criativas, não fechadas em si, à maneira de seita, mas como fermento, com algo para dizer e inspirar o mundo. Depois, existe o clima de secularização que avança no ocidente e que é sentido também por quem exerce um ministério, que não tem aquele apoio cultural que tinha e, por conseguinte, muitas vezes tem medo do momento presente. Esta nova realidade exige também renovação de métodos e de linguagens para chegar às pessoas, e nós não temos receitas prontas. Ou então o tradicionalismo da nostalgia do passado como acontece com algum clero jovem. E também há o medo do presente. o receio de não encontrarmos o eco que desejaríamos, uma vez que estamos em minoria. Isso pode levar ao desânimo: para quê tanta fadiga se eu não consigo nada, para quê tanta correria? Há uma reconfiguração das comunidades cristãs para que o padre não seja o catalisador de tudo. Cai tudo sobre ele, sobre os seus ombros, não tem tempo para descansar, não tem tempo para atender pessoalmente e acolher as pessoas. As comunidades cristãs também têm de se sensibilizar para dar o apoio afectivo ao seu padre.
O risco do poder é real?
É real. Mas Deus me livre de ter a ambição do poder. Falta-nos um laicado maduro, responsável. O Papa abre agora um caminho novo que é o modelo sinodal da Igreja, que exige participação, corresponsabilidade de todos, segundo a diversidade dos carismas que cada um exerce. Ninguém se substitui a ninguém, todos participam. E exige uma maior diversidade de ministérios, também, uma descentralização do padre, porque o centro da comunidade é Cristo, e uma partilha de ministérios. O ministério do padre não é um açambarcamento dos ministérios dos outros, mas é um ministério que faz a comunhão entre todos, em que todos confluem para o bem da comunidade. Agora, isso leva tempo. Isso já está em gérmen no Concílio Vaticano II e já lá vão 60 anos. E agora o Papa Francisco está a implementar isto, como ele diz, inicia-se um processo que depois há de germinar, crescer e dar frutos.
Continua a ser sacerdote nessa tal resposta que procurava mas, sobretudo, na resposta à cultura de hoje de mudança a que estamos a assistir?
É uma paixão que tenho, por compreender a cultura de hoje. Às vezes faço a comparação entre o mundo em que eu nasci e cresci, em que ouvi rádio pela primeira vez aos 13 anos, e vi televisão pela primeira vez aos 15 anos. Não havia telemóvel e não havia computador. Fui professor de Escatologia e gosto muito de falar da esperança cristã, não tenho medo da morte. Irei para o céu com todo o gosto, acho que será um encontro belíssimo, surpreendente, mas gosto de andar no mundo, não tenho ressentimentos em relação ao mundo. Vivi uma infância feliz, com os outros, na rua, sem nada do que há hoje. Não havia medo de rapto de crianças, as portas das casas de noite ficavam abertas. Se alguém batesse à porta não se perguntava quem era, dizia-se “entra”. Hoje não há nada disso, mas não vamos estar a chorar junto ao muro das lamentações. Vamos viver este tempo como um desafio, com as novas oportunidades, sabendo que se assemelha a um parto e que por isso temos de sofrer as suas dores até que surja esse mundo mais fraterno, mais justo, em que todos os homens se possam encontrar como irmãos.