Enquanto o Papa promove em Roma um sínodo que envolve clérigos e leigos de todo o mundo – e não só católico –, a Igreja (re)pensa-se, questiona-se, procura-se em múltiplos outros fóruns de reflexão, de partilha de vida e de expectativas, de aconselhamento e de decisão, em ordem a recentrar a sua identidade na fonte imutável do Evangelho e a ajustar a sua missão numa sociedade em ebulição e aparentemente à deriva. Manter-se fiel ao Fundador sem cair no erro do dogmatismo cerrado que fecha as portas a quase todos; aceitar novas linguagens e vias de inclusão sem se perder no vazio de sentido e de verdade: eis dois grandes desafios de difícil conjugação.
Foi um desses fóruns que a Diocese de Leiria-Fátima organizou, no passado dia 28 de Setembro, numa assembleia que juntou no Seminário Diocesano cerca de duas centenas de pessoas, padres e leigos representantes de todas as paróquias e serviços, em torno do tema «Enriquecer a Igreja com o compromisso baptismal», que informará este segundo ano pastoral do triénio «Pelo Baptismo somos Igreja viva e peregrina».
A convocatória propunha a reflexão sobre a organização das comunidades e dos seus diversos serviços e ministérios, encarada como missão comum a todos os baptizados, num contexto de «transformação pastoral da Diocese». Se o rosto mais visível dessa mudança é a reorganização de paróquias e vigararias e a criação das novas “unidades pastorais” – duas já instituídas e as restantes a avançar ao longo do ano –, ela só será efectiva se for assumida pelos padres, chamados a trabalhar em equipa num novo modelo de governo pastoral, e pelos leigos, convidados também a alargar horizontes de compromisso e colaboração e a assumir os diversos múnus que lhes são próprios.
O tópico foi desenvolvido pelo padre Eduardo Caseiro, no início dos trabalhos, apontando à raiz da solução: só o «compromisso baptismal» assumido por cada um na respectiva vocação e missão poderá resultar numa Igreja verdadeiramente viva, católica e sinodal (de todos, com todos e para todos). Os dois mil anos de história mostram-nos cambiantes diversas de concretização deste ideal na Igreja, conforme as luzes e os erros que cada tempo traz consigo, sempre na busca de responder aos desafios da sociedade, ora perseguidora ora dominada pelo poder da fé, ora super-hierarquizada ora sem governo, ora de cristandade fundamentalista ora descrente. Os ministérios ordenados ou apenas intuídos foram-se adaptando a essa evolução – mais do que revolução – que o contexto histórico ia provocando. E hoje, num mundo líquido e sem referências que permitam uma classificação clara do tempo que vivemos, o desafio é, talvez, maior do que nunca. O orador adianta uma proposta: mais do que procurar novas instituições, novos cargos e novas pessoas, é urgente olhar a vida concreta das comunidades e daqueles que nelas desempenham já serviços e ministérios, muitas vezes sem reconhecimento, mandato ou ordenação. Capacitá-los, fortalecer a sua competência e instituí-los formalmente poderá ser uma das primeiras vias para que se torne visível o que já existe do que se procura.
Divididos por grupos, os participantes partilharam, depois, experiências e perspectivas sobre como promover nas suas comunidades o discernimento, o acolhimento e a implementação dos ministérios laicais (acólito, catequista, leitor, presidência dominical na ausência de presbítero e exéquias) e o ministério ordenado do diaconado permanente. À tarde, já na Sé, no plenário aberto a que se juntaram mais algumas dezenas de fiéis, partilhariam o resumo dessa reflexão, em ordem a deixar tópicos para uma renovada pastoral vocacional. Uns reconhecem o dinamismo já existente nas suas comunidades e o envolvimento dos leigos nas diversas áreas da pastoral, outros frisam o desalento da insuficiência de pessoas ou de formação cristã que as capacite; uns destacam a importância de mais e melhor oração para a promoção de uma consciência vocacional nos baptizados, outros sublinham a necessidade de maior atenção às vocações que se manifestam, de convite e acompanhamento personalizado, sobretudo aos jovens, e de acolhimento à novidade, à diferença e, até ao estrangeiro; uns apontam a premência de novos métodos e linguagens por parte de padres e leigos na relação da fé com a sociedade e a cultura, outros aconselham mais compreensão para a difícil gestão de tempo e de disponibilidade mental dos agentes da pastoral com vidas profissionais e familiares extremamente exigentes. Embora sem respostas muito concretas, a concordância geral na urgência de instituir os vários ministérios, incluindo o de diácono, para uma revitalização mais visível e eficaz das comunidades cristãs.
O bispo Diocesano, D. José Ornelas, concluiu com uma nota de optimismo, de confiança na caminhada que há-de levar a uma consciência mais forte da “vocação baptismal” que nos é comum, de esperança nos frutos da renovação – ou evolução – que a Igreja persegue, seja a nível universal, seja local. Sem deixar de reconhecer as dificuldades e dores do percurso, o pastor confia que o Espírito Santo será a força mais poderosa e que o trabalho em curso de renovação das unidades pastorais irá ajudar a esse enriquecimento da vida eclesial e da sua expressão ministerial.
A celebração da Eucaristia encerrou a assembleia, na igreja-mãe da Diocese, que este ano celebra os 450 anos da sua dedicação.