O verão chega com a sua delicadeza. As manhãs prolongam-se devagar, as tardes estendem-se sob uma luz morna e demorada. Aos poucos, o tempo desacelera. A urgência dos relógios dissolve-se e o corpo reencontra, por fim, o direito de respirar devagar. É como se a vida, com ternura, nos devolvesse o fôlego que a correria dos dias tantas vezes nos roubou.
As férias são, para muitos, uma travessia necessária: o intervalo entre o muito que se carregou e o que ainda não se sabe bem o que virá. Partimos com pouca bagagem: algumas roupas leves, um livro que aguardava há tempo, um itinerário em aberto e, talvez, no mais fundo de nós, o desejo silencioso de encontrar um descanso mais profundo — não só do corpo, mas também da alma.
Mas, quando tudo abranda, ecoa uma pergunta discreta: onde está Deus no tempo das férias?
Por vezes, habituámo-nos a encontrar Deus dentro dos nossos ritmos religiosos: a missa dominical, os encontros de catequese, as reuniões pastorais, as tarefas paroquiais. Como se, ao suspender esses compromissos, suspendêssemos também o Seu lugar. Mas Deus não depende das nossas agendas.
Ele não habita apenas nas nossas estruturas. A sua verdadeira morada é o coração humano. Permanece sempre. Mesmo quando tudo abranda, Ele continua próximo. Talvez até mais próximo.
“Senhor, Tu examinaste-me e conheces-me, sabes quando me sento e quando me levanto; à distância conheces os meus pensamentos.” (Sl 139,1-2)
As férias não são um afastamento de Deus, mas uma possibilidade de O reencontrar de forma nova. Sem listas, sem urgências, sem obrigações. Apenas a simplicidade do estar diante de Deus, com o coração desarmado, disponível para escutar.
Como Elias no Horeb, percebemos que o Senhor não se manifesta nos grandes ruídos da vida — nem no vento impetuoso, nem no fogo, nem no terramoto — mas na brisa suave e quase impercetível (1 Rs 19,11-12).
É no silêncio que Deus passa.
Neste tempo mais leve, o olhar aprende a ver o que tantas vezes a pressa nos escondeu: o voo tranquilo de uma ave, o sorriso despreocupado de uma criança, o toque discreto de quem nos ama, o calor suave de uma tarde que se despede. São pequenos sacramentos do quotidiano, onde Deus continua a aproximar-Se com a delicadeza própria de quem ama.
Mas o descanso não é só repouso: é também um tempo fértil de escuta interior.
A vocação não é uma realidade distante, reservada a momentos solenes. É a forma como, dia após dia, respondemos ao amor de Deus, com o dom que cada um recebeu. E, por vezes, é no silêncio repousado das férias que essa pergunta volta a emergir:
– Como tenho colocado os meus dons ao serviço?
– O que ainda guardo por oferecer?
– O que Deus espera ainda de mim?
A vocação é sempre uma história de dom. Recebemos não para acumular, mas para partilhar. Chamados não para ser centro, mas para servir. “Há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo.” (1 Cor 12,4)
As férias tornam-se então um tempo de discernimento manso. Não é preciso resolver tudo. É suficiente escutar. Permitir que o tempo amadureça o que ainda não está pronto. Deus não tem pressa. Trabalha no interior do tempo com a paciência de quem sabe esperar.
“O Reino de Deus é como um homem que lança a semente à terra. Quer esteja a dormir, quer se levante, de noite e de dia, a semente germina e cresce, sem ele saber como.” (Mc 4,26-27)
Neste descanso que é também escuta, a oração toma outra forma. Despojada de muitas palavras, basta o repouso confiante no coração de Deus: “Só em Deus descansa a minha alma, d’Ele vem a minha esperança.” (Sl 62,6)
Mesmo quando tudo abranda, Deus permanece.
Mesmo quando descansamos, Ele continua a velar sobre nós, com a ternura fiel de quem nunca se afasta: “Pois não há-de dormir nem dormitar aquele que guarda Israel.” (Sl 121,4)
Deus não tira férias de nós.
E talvez seja precisamente neste tempo de férias que Ele se aproxime com mais ternura — como quem, no silêncio, nos recorda:
Ainda há dom em ti. Ainda há caminho. Ainda há chamamento.