Por entre chuva e sonhos, mais de mil adolescentes navegaram juntos rumo ao encontro com a esperança.

O céu cinzento de março parecia querer testar a determinação daqueles jovens marinheiros. Pelas ruas da histórica vila da Batalha, uma cena inusitada captava o olhar dos transeuntes: grupos de adolescentes carregavam âncoras coloridas de madeira, esferovite, tecido ou cartão, símbolos tangíveis de uma jornada mais profunda que apenas o trajeto físico que percorriam sob a chuva persistente de um sábado que testava a sua resiliência.
O ENDIAD 2025 – Encontro Diocesano de Adolescentes – transformou a Batalha num oceano de juventude, onde 1180 adolescentes de 45 paróquias diferentes velejaram juntos, agarrados ao tema que ecoava em cada passo molhado: “Ancorados na Esperança”.
A tempestade não os detém
Na manhã de 8 de março, enquanto o céu insistia em chorar sobre a terra, grupos numerosos de jovens iniciaram as suas caminhadas convergentes para a Batalha. Partiam de quatro pontos distintos – Golpilheira, Casais dos Ledos, São Jorge, Alcanadas – cada grupo com sua âncora cuidadosamente elaborada, símbolo inspirado na imagem gráfica do Jubileu que a Igreja celebra.
“Foi como se cada gota de chuva quisesse nos lembrar que a esperança também precisa ser regada para crescer”, refletiu Maria Inês, de 16 anos. Os seus cabelos molhados e o brilho nos olhos contrastavam com o céu cinzento que os acompanhou durante o percurso.
Um episódio curioso ilustrou o espírito daquela juventude determinada: um grupo da paróquia de Amor, ao chegar à Batalha com os pés encharcados, dirigiu-se imediatamente a uma loja local para comprar meias secas. “As nossas tempestades são apenas parte da viagem, não o destino”, partilhava mais tarde connosco um dos catequistas presentes. “Estar ancorado na esperança significa saber que podemos enfrentar qualquer temporal”, acrescentou.
Sete portais para uma jornada interior
Após a “Festa do Encontro” e um almoço volante que recarregou as energias dos jovens marinheiros, iniciou-se o “Percurso dos 7 Portais” – uma jornada simbólica que convidava os adolescentes a navegarem não apenas pelo espaço físico da vila, mas a executarem diversas tarefas que a organização tinha preparado.
Cada portal representava uma etapa de autoconhecimento e descoberta, culminando na entrada solene no Mosteiro da Batalha – o sétimo e último portal —, onde a arquitetura gótica parecia abraçar aqueles jovens peregrinos com a mesma força com que as suas âncoras seguravam os seus sonhos.
Jeremias Vigarinho, catequista da paróquia de Amor, observou com emoção o envolvimento dos adolescentes: “Foi mais um ENDIAD em que participei, e gostaria de elogiar o tema transmitido aos nossos adolescentes. De uma maneira geral, louvo toda a organização e todos os voluntários que ajudaram. Como dizem os meus miúdos, o tempo não foi nosso amigo, mas nesta altura do ano tudo é possível, e a chuva é importante para a nossa vida. No final, a nossa Missa foi cheia de adrenalina. Uma hora e meia é muito tempo para esta juventude. Vamos esperar pelo próximo, com saúde.”
A âncora que não prende, mas liberta
O simbolismo da âncora atravessou todo o encontro. Paradoxalmente, aquilo que normalmente fixa e imobiliza, ali representava a segurança que permite navegar com confiança. As âncoras, decoradas com cores vibrantes, mensagens de esperança e símbolos do Jubileu, transformaram-se em objetos de afirmação identitária para cada grupo.
“A nossa âncora é azul porque representa o mar da vida, com todas as suas ondas e correntes”, explicou Pedro, de 15 anos. “Nós decoramos com conchas porque cada uma delas é única, como cada um de nós. E escrevemos ‘Esperança’ em várias línguas para mostrar que ela é universal.”
O padre José Henrique, diretor do Serviço Diocesano da Catequese e organizador do evento, contextualizou o significado mais profundo do encontro: “Neste ano de 2025, a Igreja vive o Jubileu ‘Peregrinos da Esperança’. O Papa Francisco, ao proclamar este Ano Santo, recorda-nos que celebramos também os 1700 anos do Concílio de Niceia, um marco fundamental para a unidade da Igreja reunida na mesma Fé em Deus uno e trino. É esta Fé que acolhemos, e na qual somos inseridos pelo Batismo ‘em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo’, que nos faz participar na vida da Igreja, a família dos filhos de Deus. ‘Pelo Batismo somos Igreja viva’, recorda-nos o tema da nossa Diocese.”
O mosaico humano sob as abóbadas
A celebração eucarística no Mosteiro da Batalha formou o ponto de chegada do encontro. Sob as majestosas abóbadas que há séculos testemunham a história portuguesa, mais de mil adolescentes apresentaram as suas âncoras num gesto simbólico de compromisso e esperança. A chuva, que tinha sido a companheira insistente durante o dia, parecia agora dar trégua, como se o céu quisesse contemplar aquele momento singular.
D. José Ornelas, bispo de Leiria-Fátima, dirigiu-se aos jovens com palavras que ressoaram entre as antigas pedras do mosteiro: “Vocês chegaram aqui com tantas âncoras. Navegantes de esperança. Navegadores daquilo que está à nossa frente. A vida que está à vossa frente, à frente de cada um de vós.”
O bispo partilhou sua própria jornada de descoberta vocacional, estabelecendo uma conexão genuína com os adolescentes presentes: “Eu sou da Ilha da Madeira. Na vossa idade, vim para o continente. Primeiro, não queria sair da Madeira. A minha ilha era bonita e eu gostava de lá estar. Mas um dia, tive um sonho de ser missionário. Parti. Fui para Coimbra. Parti para um desconhecido, mas levava um sonho. Esse é o sonho que Deus planta no nosso coração.”
As palavras de D. José sobre sonhos e esperança encontraram eco na experiência vivida pelos adolescentes durante todo o dia. “O sonho de Deus é sempre com os outros”, afirmou o bispo, numa frase que sintetizava o espírito do ENDIAD.
https://youtu.be/OHTMQXrFkPo
Um farol na tempestade quotidiana
Durante a celebração, as velas acesas pelos jovens transformavam o interior do mosteiro num céu estrelado, era palpável o sentimento de que algo significativo tinha acontecido naquele dia.
“Foi tipo, uma experiência ‘next level'”, comentava o dos jovens, usando uma linguagem típica da sua geração, mas com os olhos a revelarem uma profundidade que transcendia as palavras. “Vim porque os meus amigos vinham, mas saio daqui com muito mais do que esperava.”
Uma das catequistas, observava a transformação nos adolescentes do seu grupo: “Eles chegaram aqui esta manhã como adolescentes normais – presos aos telemóveis, preocupados com pequenas coisas, receosos da chuva. Agora, vejo-os a partir com algo diferente nos olhos. E isso, para mim, é o verdadeiro milagre deste dia.”
O padre José Henrique, ao fazer um balanço do evento, mostrou-se satisfeito com os resultados: “O ENDIAD foi um dia de festa. Mesmo que o céu se tenha mostrado algo escuro, o que se percebeu ao longo do dia foi o ambiente de alegria, de vida. Tínhamos pensado este dia como a oportunidade dos adolescentes da nossa Diocese poderem viver o Jubileu no encontro de uns com os outros, reforçando os laços nos próprios grupos de catequese, na abertura ao encontro com outros grupos e de se sentirem em festa uns com os outros e, sobretudo, de poderem também viver um percurso interior ao encontro de Jesus.”
O diretor do Serviço Diocesano da Catequese acrescentou ainda: “Ao chegar ao fim do dia, na Eucaristia, apesar dos cansaços, pareceu-nos que aquelas âncoras levantadas, ou as velas acesas, revelavam que tinha valido a pena. Pessoalmente, tendo passado toda a tarde a celebrar a reconciliação, a confessar aqueles que o quiseram fazer, senti que os jovens têm sede de se encontrar com Jesus, de encontrar nele esta ‘Âncora de esperança’ que os ajude a dar sentido pleno à vida.”
Números que contam histórias
Os números do ENDIAD 2025 impressionam: 135 grupos de 45 paróquias diferentes, reunindo 1180 adolescentes e 220 catequistas, apoiados por mais de uma centena de voluntários, animadores e 15 padres. Mas, como costuma acontecer, por trás destes números existem histórias humanas – de amizades criadas, de dúvidas partilhadas, de risos trocados sob a chuva, de descobertas pessoais e espirituais.
“Nunca fui pessoa de igreja”, confessava a Sofia. “Vim porque a minha mãe insistiu. Mas hoje percebi que isto não é sobre regras ou tradições antigas; é sobre pessoas e encontrar um sentido que vai além do que vemos no Instagram. Acho que preciso repensar algumas coisas na minha vida.”
Enquanto a noite caía sobre a Batalha e os últimos grupos dispersavam, retornando às suas paróquias de origem, era evidente que o ENDIAD havia cumprido seu propósito. As âncoras de madeira, agora carregadas nos ombros de adolescentes cansados mas revigorados, não eram mais simples adereços, mas símbolos de uma descoberta interior: a esperança não é apenas um conceito abstrato, mas uma força viva que permite navegar com confiança mesmo nas águas mais turbulentas da adolescência e da vida.
Como concluiu o padre José Henrique: “Olhando este dia globalmente, penso que valeu a pena todo o caminho que nos trouxe até ao ENDIAD, pois correu bastante bem, e foi uma experiência positiva para quem esteve. E que nos lança novos desafios, não apenas para um próximo ENDIAD, mas para dar continuidade a este ano de Jubileu agora nas paróquias e grupos de catequese.”
Para estes jovens navegantes, a jornada apenas começou. A âncora que levaram para casa não é um peso que os prende, mas a certeza de que, mesmo nas tempestades mais intensas da vida, existe um porto seguro onde podem encontrar abrigo, força e esperança renovada.