O Papa Francisco, na sua incansável generosidade de pai e pastor, muito se tem preocupado em evitar-nos problemas cardíacos, exortando-nos ao exercício da humanidade e da misericórdia como meios de saída do sedentarismo físico e espiritual. Lembramo-nos como na JMJ na Polónia aconselhou os jovens a «calçar as sapatilhas, a deixarem os cómodos sofás» da indiferença apática diante das convulsões do mundo para que «sendo protagonistas da história» possam anunciar a todos a certeza de que «Cristo Vive» (CV). Como a cada dia das Comunicações Sociais nos tem desafiado a comunicar com o coração e a viver plenamente o amor de Deus por nós, que é dádiva gratuita a ser imitada, partilhada e difundida ao infinito. Agora, oferece-nos este texto profundo e cheio de boas práticas que nos podem servir ao longo do, cada vez mais difícil, exercício da vida. A importância das boas recordações e momentos de felicidade familiar serve de substrato à materialização do amor como elemento de contágio, propondo o arquétipo pedagógico do coração de Jesus que pela sua semântica de unidade, verdade e beleza se apresenta com modelo e proposta de vida para cada batizado [1]. O coração, enquanto músculo, possui uma vocação ao exercício, pelo qual se fortifica, expande e se aperfeiçoa na capacidade de amar [2]. De fácil leitura e compreensão, oferece-nos uma linguagem próxima, dinâmica e quase familiar, que não deixa de nos recordar a empatia, simpatia e sinodalidade como características da Igreja que escorrem do modo como o Coração de Jesus se expressa, age e relaciona [3]. Evocando emoções e recordações que nos ligam aos afetos da infância do pontífice, Francisco resgata o lugar dos sentimentos como parte ativa das nossas comunidades e do próprio ato evangelizador, como estratégia discursiva que aproxima e predispõe para a escuta atenta das verdades da fé em meio às similitudes com o nosso quotidiano. De um modo gráfico, as memórias agradáveis da infância preparam a terra do nosso coração para a sementeira da Palavra e do aprofundamento de uma relação que se quer pessoal e, por isso, não pode senão contar com a omnipresença amorosa de Deus na nossa própria história fazendo-se presença do Deus que se aproxima de nós na carne «“o Deus que caminha esperando”, ao condensar em si a locomoção orante, prática que caracteriza aquele que se faz peregrino, e a estabilidade recorrente do confidente que aguarda um interlocutor à beira do poço, tal qual adveio em Sicar» [4]. Olhar com atenção para este novo texto do magistério é regressar às origens, ao Coração de Jesus, como fonte à beira da qual se ergue vivo e ressuscitado para nos chamar ao encontro consigo, com a sua Igreja e com o mundo tão necessitado de praticar o amor verdadeiro. Tal qual a Samaritana, tal qual os Discípulos de Emaús, ou os olhos cegos de Maria Madalena, ou mesmo a mão incrédula e cética do apóstolo Tomé, Jesus glorificado vem recordar que ele é o mesmo que padeceu e foi sepultado, apelando a não negar a cruz, mas a assumi-la, aprender com ela e igualmente a partilhar a cruz dos irmãos mais desalentados. Por isto e muito mais, ler e colocar em prática os pontos da encíclica «Dilexit Nos» deve merecer-nos o maior dos esforços, de modo que, acolhendo este contributo do Papa Francisco, possamos conhecer melhor o «mistério do coração trespassado» que Karl Rahner considerou como fonte e origem de todos os outros mistérios da paixão [5], e que, por incompreensão, medo ou até desconhecimento, nos passa tantas vezes ao largo das nossas tão ocupadas e frenéticas vidas. Aproveitemos este sobressalto para aprofundar a nossa relação com o Coração de Jesus e dele aprendamos a cultivar sementes de comunhão, proximidade, empatia, simpatia e sinodalidade, porque dele, que é manso e humilde, se aprendem todas as coisas e, sem ele, nada podemos fazer. No meu entender, a encíclica «Dilexit Nos» recorda ao mundo os benefícios do exercício do coração que ama como remédio para a economia egoísta e virtual do viver hodierno. Tenhamos vontade de a ler e coragem para a aplicar nas nossas relações pessoais e nas nossas comunidades cristãs.
[1] Cf. Diogo Emanuel, O monumento ao Sagrado Coração de Jesus da Cova da Iria: da dimensão simbólica aos sentidos teológico, eclesial e espiritual. Porto: abr. 2024, 150-153. Disponível em http://hdl.handle.net/10400.14/46312.
[2] Josemaría Escrivá, Via Sacra (Lisboa: Editora Rei dos livros, 1996), 76.
[3] Cf. Emanuel, O monumento ao Sagrado Coração de Jesus da Cova da Iria, 156-171.
[4] Emanuel, O monumento ao Sagrado Coração de Jesus, 137.
[5] Cf. Karl Rahner, Escritos de Teologia III (Madrid: Ediciones Cristandad, 2002), 331.