Tiago e o ancião chegaram a Braço de Prata. Mudaram de comboio e pararam em Campolide. Já escurecia, o rapaz espreitou o alto Aqueduto e queria ver o que era. Mas o ancião disse não: temos de esperar o comboio do Rossio para Sintra. Pena. Não viu Lisboa, nem Sintra. Saíram nas Mercês e a pé, por pinhais escuros, de noite, caminharam para os lados de Vale de Lobos onde começam túneis do Aqueduto das Águas Livres. O tio consolou-o. Teria tempo de ver Lisboa.
Quando? Não sei, respondeu.
Daí a uns anos, disseram ao Tiago que ia a uma festa num grupo e, de elétrico, atravessavam Lisboa, de Benfica ao Tejo. Ficou radiante. Manhã cedo, o grupo mudou do camião para o elétrico. Agora iria ver a Magia, pensou. Viu foi Lisboa. Os grandes iam dizendo: é o Jardim Zoológico, agora o Marquês, as casas da Avenida da Liberdade, os Restauradores, a Praça do Rossio. Pelas ruas da Baixa chegou à estação Sul e Sueste do Terreiro do Paço. E ele a pensar: Tantos prédios altos, será por aqui a Magia? Perguntou aos outros, mas riram-se dele. Tomaram o barco do Tejo para o Barreiro e o comboio para o Alentejo donde voltou por outro caminho.
Anos depois o ancião disse ao Tiago: vais comigo a Lisboa, ao médico, tens uma infeção nos olhos. É no centro da Cidade. Vais ver coisas bonitas. Agora é que vou encontrar a Magia, pensou o Tiago. Chegou de camioneta. Ena pá! Tantos elétricos a chegar a uma praça! Tio, aqui são os Restauradores? Sim. Um elétrico, outro elétrico, um dava a volta, parava, subia, vinha outro do Marquês e outro e outro. Daí a quinze dias dizem-lhe: tens que voltar ao médico, isso não está bom; e foi mais algumas vezes. Não melhorava. E o Tiago pensou: não melhoro, vou parar com as gotas. E melhorou! O médico viu e disse-lhe: podes parar as gotas! Tiago teve pena de não voltar e ainda perguntou ao Tio se poderia ver a Magia? Aqui não. Eu também não sei onde. Penso que não vais ver. Só as maravilhas de Lisboa. Onde? Por todo o lado, o rio Tejo até ao Cristo-Rei, ao Barreiro, Montijo, e tantas colinas. Vais ter tempo pelo Santo António das Marchas e das sardinhas.
Já crescido, o Tiago voltou a Lisboa. Mas foi só atravessar de carro para apanhar o barco para a Madeira e os Açores no porto de Alcântara. Não viu quase nada; só a Torre de Belém e os Jerónimos, mas só de longe. Já no barco ainda viu Cascais e imaginou a saída das naus para os mares portugueses de todo o mundo. Não teve tempo para calcular quantas terão sido em 150 anos. E pensava: quando voltaria a Lisboa para ver a Magia? Passaram anos. Quando voltou dos Açores, um amigo levou-o ao Castelo de Lisboa a ver uma exposição bonita de Nossa Senhora e coisas de tantos países. Lá de cima, sim, viu quase toda a cidade e as vistas lindas; uma fantasia de casas e jardins a salpicar as colinas da concha imensa parecida com o Funchal, mas a Magia não a avistou.
Ficou a desejar ver mais. Mas tinha que ir estudar em cidades da Europa. O tempo só deu para visitar alguns museus e consulados. O comboio saiu de Santa Apolónia e atravessou três países. Só daí a bastantes anos, ao voltar, pôde conhecer melhor Lisboa, quando fez um curso numa escola nova de Lisboa. Fartou-se, então, de ver a estação do Rossio, paragens de autocarros, Estrada de Benfica, a Alameda de D. Afonso Henriques, o Chiado, o Lumiar, a Baixa, a ponte de Salazar, e restaurantes de sardinhas, livrarias, lojas, igrejas por todo o lado. O Tiago nunca estava satisfeito; viu a Catedral, a igreja de Santo António, a Mouraria, Alvalade, Parque Eduardo VII, a Praça de Camões, o Jardim da Estrela, mas depressa o convidaram para ir estudar para outras cidades da Europa. Viu o aeroporto para tomar o avião. E só regressou quase um ano depois. Não esperava, mas, passados alguns anos teve que ir trabalhar para longe, longe, por mar. Embarcou num barco de luxo para Luanda e ali ficou alguns anos. Ao voltar, o Tiago passou a ensinar em Lisboa uns dias por semana e passeou: Jardim Zoológico, Palma de Cima e Baixo, Avenidas de Forças Armadas, Egas Moniz, Entrecampos, Avenida dos Combatentes, Estrada da Luz, Colombo, Praça de Espanha, Estádios, Oceanário, Parque das Nações. Viu manifestações e desordens dos cravos de sangue livre que se apertavam em asfixia da liberdade. Conheceu muitos bairros e avenidas, livrarias, escolas e universidades. Participou em congressos e em encontros de milhares de pessoas, dois com o papa João Paulo II de Roma.
Contou aos amigos a história da Magia e, depois, brincavam com ele: então, já vistes a Magia de Lisboa? Nem magia nem magos? Haverá mágicos, mas não os vi. Mas há. Compram prédios, avenidas, casas. Mágicos carregados de dinheiro. Muito não é deles. E algum será sujo. Afixam-lhes “AL” ou vendem logo pelo dobro. Há outros mágicos falidos e pobres. Pobres e mágicos a montar lojas de bugigangas. E o Tiago desafiava os amigos a visitar a Lisboa desconhecida e diferente de há 30 anos e ver magias pegadas de S. Vicente de Fora ao Rossio: lojecas de trapos da moda; bazares de pechisbeques, a montes, fora de prazo; e botequins de petiscos com cheiros doutros mundos a inundar ruas inteiras. E também autocarros cheios e pessoas nas paragens à espera e pedintes pelos cantos, dia e noite. E coisas maravilhosas: colinas, casas bonitas, jardins de mil cores e sol a brilhar. Nas avenidas, lojas de luxo e preços nas nuvens, centros comerciais, livrarias, monumentos antigos e modernos. E um mar de jovens de um milhão de pessoas de todo o mundo a cantar à beira do rio Tejo, guiadas por um Ancião de branco em cadeira de rodas. E barcos pelo rio a lembrar os missionários a partir de Lisboa para todo o mundo. Enfim, um encantamento maior que o espaço e o tempo; não Magia, mas Luz, Paz e Harmonia!