Desde há 26 anos, a Igreja celebra a 11 de fevereiro o Dia Mundial do Doente. Na sua mensagem para este ano, o Papa Francisco parte da cena do Calvário, em que Jesus nos entrega a sua Mãe, para ilustrar o cuidado maternal a que a Igreja é chamada e que se expressa, tanto institucionalmente como na ação diária dos cristãos.
Luís Miguel Ferraz
“Eis o teu filho […] Eis a tua mãe” são as palavras de Cristo na cruz que dão título à mensagem do Papa para o Dia Mundial do Doente de 2018. Palavras que tiveram este resultado: “a partir daquela hora, o discípulo recebeu-a em sua casa”. E que têm, hoje, esta consequência: “O serviço da Igreja aos doentes e a quantos cuidam deles deve continuar, com vigor sempre renovado, por fidelidade ao mandato do Senhor”. Assim começa o Santo Padre a sua mensagem, apontando este cenário como “o lugar onde Jesus mostra a sua glória e deixa amorosamente as suas últimas vontades, que se tornam regras constitutivas da comunidade cristã e da vida de cada discípulo”.
A entrega de Maria ao discípulo dá “origem à vocação materna de Maria em relação a toda a humanidade” e o acolhimento que este lhe oferece significa aceitar, também partilhar essa “vocação de cuidar dos seus filhos”. É aqui que radica a “vocação materna da Igreja”, concretamente “para com as pessoas necessitadas e os doentes”, que tem concretizado “ao longo da sua história” e que “continua ainda hoje, em todo o mundo”.
O Papa dá exemplos concretos desta ação da Igreja, a nível institucional e sobretudo nos países onde os cuidados médicos são insuficientes, através “das congregações católicas, das dioceses e dos seus hospitais”, com a especial missão de “colocar a pessoa humana no centro do processo terapêutico” e no “no respeito da vida e dos valores morais cristãos”. Nesse contexto, Francisco alegra-se com “aqueles que atualmente desempenham esse serviço” e faz memória da “generosidade até ao sacrifício total de muitos fundadores de institutos ao serviço dos enfermos; a criatividade, sugerida pela caridade, de muitas iniciativas empreendidas ao longo dos séculos; o empenho na pesquisa científica, para oferecer aos doentes cuidados inovadores e fiáveis”. É essa “herança” que deve pautar o presente o futuro, em que as instituições da Igreja e os profissionais cristãos não devem ceder à “mentalidade empresarial” que descarta os pobres.
Mas o Santo Padre lembra, também, que esta Igreja como «hospital de campanha» deve ser a realidade de uma pastoral da saúde que atinge as “comunidades paroquiais”, as “famílias que acompanham os seus filhos, pais e parentes, doentes crónicos ou gravemente incapacitados”, os “médicos e enfermeiros, sacerdotes, consagrados e voluntários, familiares” e todos aqueles “que se empenham no cuidado dos doentes”.
Projeto pioneiro de “assistência espiritual”
“A espiritualidade, entendida como a força vital unificadora que confere significado às experiências humanas, é cada vez mais reconhecida como um pilar fundamental na assistência à pessoa que sofre, ganhando especial significado no acompanhamento de doentes em final de vida”. A constatação é feita por Carlos Monteiro, provedor da Santa Casa da Misericórdia da Batalha, mentor de uma iniciativa pioneira a nível nacional que visa incluir a “assistência espiritual” no conjunto dos cuidados prestados pela rede de instituições particulares de solidariedade social da Diocese de Leiria-Fátima.
Em parceria com outras Misericórdias e o Serviço Diocesano de Pastoral da Saúde, a Misericórdia da Batalha promoveu, desde março do ano passado, a reflexão sobre o modo de concretizar este projeto, que já mereceu o reconhecimento da Organização Mundial da Saúde. A perspetiva é que, já em 2018, comece a ser oferecida a espiritualidade, tal como é a enfermagem, a higiene ou a alimentação, no conjunto de serviços prestados na sua unidade de cuidados continuados, no centro de dia, no apoio domiciliário e noutro tipo de assistência prestada aos doentes.
“Nas diversas respostas sociais e de saúde que temos, sentimos que as necessidades espirituais são uma das vertentes essenciais na condição do ser humano, nem sempre correspondidas por falta de formação e sensibilização dos profissionais”, refere Carlos Monteiro, defendendo que a oferta de assistência espiritual deve “respeitar a individualidade e vontade de cada doente e família, inclusive a sua crença e os seus valores”.
A “mão poderosa” da fé na doença
Francelina Fragoso viveu uma vida normal, bastante ativa e envolvida socialmente, até ao dia 17 de abril de 2013. Foi nesse dia que esta residente nas Meirinhas, bem perto da igreja que frequenta regularmente, recebeu a notícia de que tinha um cancro nos intestinos. A sua fé fê-la encarar este problema como um desafio a superar e, como gosta de cantar, foi a entoar “A luz de Cristo” que entrou para a operação, a 8 de maio, animando os próprios familiares. A operação não correu muito bem, tendo ganho uma infeção que fazia temer o pior dos cenários, e mais uma vez foi ela a pedir aos maridos e filhos para não chorar.
Dá importância às datas, e o dia 19 de maio é o que “mudou tudo”, passando da confiança à certeza. “Senti algo muito forte no meu corpo e uma voz que me dizia «não temas, eu estou contigo»”, conta, assegurando que “a partir daí nunca mais tive medo e fiquei com a certeza de que uma mão poderosa me acompanha”.
O cancro acabou por ficar controlado, mas novo teste viria, “este, sim, muito mais doloroso”. Penfigo crónico bolhoso é o nome da doença rara que a acomete desde 2017 e que lhe deixa o corpo “numa chaga”. Revoltada? “Não, antes pelo contrário, graças a Deus que tive esta doença, que me mostra um pouco do que foram a dores de Cristo”. Quando passa junto à mesa onde junta o crucifixo, as imagens da sua devoção e as fotos da comunhão solene e do casamento, é essa a oração que faz.
“Não consigo dizer porquê, sinto-me feliz”, é a explicação que dá para andar a cantar em casa e pelos corredores do hospital, a animar outros doentes, nas frequentes visitas que é obrigada a fazer para os tratamentos, sem fim à vista.
O que sabe explicar é que “a doença trouxe-me uma fé mas forte” e que os retiros de doentes, as celebrações da fé, a assistência espiritual que recebe no hospital e o apoio da comunidade cristã local “são fundamentais para alimentar essa fé”. Até o jornal PRESENTE, em que pega várias vezes durante a nossa conversa e que considera “muito importante para saber mais sobre o Evangelho e a vida da Igreja”.
As duas horas de conversa, resume-as assim: “Com Deus tudo, sem Deus nada”.