Tranquilizem-se os militantes dos movimentos cívicos, qualquer que seja a sua ideologia ou objectivo, porque não é minha intenção falar, pelo menos directamente, de programas de acção política, social ou económica.
Nesta manhã de finais de Abril, fria como nos prometeram os meteorologistas, que geralmente não se enganam nas promessas desagradáveis, nesta manhã tão fria, aquece-me o coração e a alma, o quadro das figuras da Igreja que, desde Jesus Cristo, em todos os tempos e espaços, ao darem-se por completo a Deus, acabaram servindo de modo admirável a comunidade humana, crente ou não.
Também peço que se tranquilizem tantas pessoas, carregadas de boa vontade e melhores sentimentos, sacerdotes e leigos, que, embora enganando-se muitas vezes, sobretudo quando deixam que o mimetismo afogue a criatividade da fé, tranquilizem-se porque, além de não me considerar competente para julgar seja quem for, ao falar da extraordinária figura de Santa Catarina de Sena, precisamente a primeira mulher a ser proclamada Doutora da Igreja – ela que aprendera ler em adulta e mal sabia escrever, de modo a ter de ditar as suas reflexões -, ao falar dela também não é minha intenção propor um modelo para ser copiado, mas recordar um caminho divino, único capaz de nos tornar capazes de incendiar e servir este mundo que, como um cântico, mais emotivo do que artístico, “morre de frio”.
Caminho divino, porque apontado pelo próprio Cristo a quem queira ser verdadeiramente discípulo, e seguindo o qual essa mulher, sem deixar de ser inteiramente mulher, como tantas outras antes e depois dela, serviu de modo extraordinário a Igreja, tornando-se credora de enormes benefícios também para a sociedade civil.
Repito: Catarina de Sena, como figura da Igreja e da História, com todo o esplendor de que se foi enriquecendo, na devoção, na literatura e na arte, a cada um de nós não diz mais do que isto: a santidade, como vocação divina de ada um para o seu mundo concreto, com todas as variáveis que possamos imaginar, está ao alcance de todos os que queiram decididamente ser fiéis.
Que se trata de um caminho divino, mas acessível, di-lo Jesus em vários passos do Evangelho, de que a liturgia deste dia nos apresenta dois:
«Eu Te bendigo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas verdades aos sábios e inteligentes e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, Eu Te bendigo, porque assim foi do teu agrado.
Tudo Me foi dado por meu Pai. Ninguém conhece o Filho senão o Pai e ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar.
Vinde a Mim, todos os que andais cansados e oprimidos, e Eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de Mim, que sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para as vossas almas.
Porque o meu jugo é suave e a minha carga é leve» (Mt 11 25-30).
Comentário de São Josemaria; «Se tens desejos de ser grande, faz-te pequeno. Para ser pequeno, é preciso crer como crêem as crianças, amar como amam as crianças, abandonar-se como se abandonam as crianças…, rezar como rezam as crianças» (Santo Rosário. Prologo).
Em Jo 14 21-26, temos a belíssima parábola da videira, com a imagem do Pai cortando os ramos que não dão fruto e torcendo os que dão, para que dêem mais.
Termina assim: «Se permanecerdes em Mim e as minhas palavras permanecerem em vós, pedireis o que quiserdes e ser-vos-á concedido. A glória de meu Pai é que deis muito fruto. Então vos tornareis meus discípulos».
Lidos em paralelo, estes dois textos dão-nos a prova clara de que os “pequeninos”, no Evangelho, não são as crianças, no sentido físico, mas os que se fazem como elas, para não oporem resistência à graça, ao amor criador de Deus, que não nos quer como adorno de luxo, mas como discípulos dóceis, activos e corajosos.
Daí a profunda intuição de São Paulo VI, ao proclamar Catarina de Sena doutora da Igreja e padroeira da Europa:
Não vamos distrair-nos com a recordação dos fenómenos místicos, que, apesar de importantes, em caso nenhum são elemento da vocação à santidade, que é universal; como também não foi por causa deles que Catarina de Sena foi primeiro canonizada, depois proclamada doutora da Igreja e protectora da Europa. Esta Europa que se afunda cada vez mais no orgulho das cabeças que a dirigem.
Foi pelo heroísmo com que procurou ser fiel ao chamamento divino, que, na sua vida concreta, de mulher perfeitamente inserida numa época de profunda crise, na Igreja e na sociedade, se manifestou na coerência da vida com a doutrina e na coragem com que interveio, com a palavra e a acção, carregada de espinhos de toda a ordem, para que os detentores do poder político e religioso abandonassem a tirania dos interesse pessoais, ideológicos e familiares, pelo bem comum, que deviam promover e respeitar.
Como diz Jesus, na última conversa com os apóstolos, segundo o autor do quarto evangelho, só quem dá fruto se torna seu discípulo.