Cá nesta Babilónia, donde mana
Matéria a quanto mal o mundo cria;
Cá, onde o puro Amor não tem valia,
Que a Mãe, que manda mais, tudo profana;
Cá, onde o mal se afina, o bem se dana,
E pode mais que a honra a tirania;
Cá, onde a errada e cega Monarquia
Cuida que um nome vão a Deus engana;
Cá, neste labirinto, onde a Nobreza,
O Valor e o Saber pedindo vão
Às portas da Cobiça e da Vileza;
Cá, neste escuro caos de confusão,
Cumprindo o curso estou da natureza.
Vê se me esquecerei de ti, Sião!
Peço perdão aos meus leitores, mas de algumas áreas do meu trabalho profissional, que, graças a Deus, segundo as normas do Concilio, nunca deixou de ser ministerial, porque sempre esteve de acordo com a autoridade competente, de algumas áreas desse ministério, ficou-me este vezo: tentar o que posso encontrar de expressão teologicamente profundo na sublimidade da expressão estética.
Ou, então, se acharem demasiado o epíteto de teológico, chamem-lhe filosófico ou antropológico, que, embora não se saiba bem como separá-los daquele, nos nossos hábitos culturais, têm uma função bastante mais modesta.
Acontece que este texto do que também foi apelidado de Príncipe dos Poetas Portugueses, além de caber num conjunto de poemas de Camões e outros vates, que mereciam um melhor tratamento por parte dos nossos estudiosos, tanto do ponto de vista estético como ético, faz um retrato do seu mundo que, mudando alguns nomes, parece desrever precisamente a sociedade decadente em que vivemos.
E não seria difícil uni-lo a outros poemas e a alguns desabafos de “Os Lusíadas”, para vermos que ele preveniu de forma muito clara como se destrói uma pátria.
Destruir uma pátria, não será muito diferente de sabotar um projecto, corromper uma doutrina, minar uma empresa, fazer abortar um sonho, ou negar a identidade de uma igreja.
Vem-me isto à ideia, quando leio o texto do livro dos Actos que nos foi proposto pela liturgia desta manhã, e me passa pela mente a energia com que São Paulo, depois da sua “conversão”, lutou contra os chamados judaizantes: fico a pensar no que diz Jesus, com a alegoria da videira e dos ramos, que é também um sério aviso para todos aqueles que se esforçam por criar um cristianismo à mediada das suas ideias, para não dizer ideologias. Conservador ou progressista, esse cristianismo, construído à margem de ou contra quem recebeu a missão de confirmar os irmãos na fé, pode fazer muito barulho, como sabemos que tem feito ao longo da história, mas, como também sabemos pela lição dos factos, não dará fruto e, mais tarde ou mais cedo, será cortado e lançado no fogo.
“Como o ramo não pode dar fruto por si mesmo, se não permanecer na videira, assim também vós, se não permanecerdes em Mim. Eu sou a videira, vós sois os ramos. Se alguém permanece em Mim e Eu nele, esse dá muito fruto, porque sem Mim nada podeis fazer. Se alguém não permanece em Mim, será lançado fora, como o ramo, e secará. Esses ramos, apanham-nos, lançam-nos ao fogo e eles ardem”.
E donde nos virá a certeza de que permanecemos unidos à videira que é Cristo, quando se multiplicam as teorias e as tentativas de outros caminhos, que tanto podem ser novos como mascarados de novidade?
Aparentemente, os judaizantes queriam uma grande novidade, que consistia em enxertar o cristianismo no judaísmo, mas de modo a esvaziar por completo a novidade de Cristo, único Salvador, digamos mesmo, única via de realização plena do verdadeiro judaísmo.
A Igreja reuniu-se para dirimir a questão:
“Ao chegarem a Jerusalém, foram recebidos pela Igreja, pelos Apóstolos e pelos anciãos, e contaram tudo o que Deus tinha feito por seu intermédio. Ergueram-se alguns homens do partido dos fariseus que tinham abraçado a fé, para dizerem que era preciso circuncidar os gentios e impor-lhes a observância da Lei de Moisés. Então os Apóstolos e os anciãos reuniram-se para examinar o assunto”.
Sabemos o que aconteceu: decidiu-se que se podia ser bom cristão sem as práticas do judaísmo, no que a Igreja teve bem consciência de ser guiada pelo Espírito Santo. Infelizmente, como havia de acontecer muitas vezes ao longo dos séculos, até aos nossos dias, houve quem não aceitasse e, de um modo ou de outro, provocasse muitos sofrimentos aos paladinos da verdade.
Como hoje, claro.
Não há que fazer classificações apressadas: judaizante, no sentido negativo que tem a palavra, tanto pode ser aquele que defende certas práticas como essenciais à fé em Cristo, que é a única via de salvação, como aquele que as rejeita porque as achas contrárias. Tudo a seu critério pessoal, sem ter em conta o juízo da Igreja.