As pessoas doentes, muito doentes e incuráveis deixam de ser pessoas? O Dia Mundial do Doente é para todas as pessoas doentes e cuidadores. Algumas das pessoas doentes recebem e dão satisfação e felicidade aos competentes profissionais de saúde por serem curadas por eles. E as incuráveis que recebem e que dão?
As tentações de reduzir as dimensões da pessoa humana espreitam em todos os períodos da história e tentam os doentes e os curadores. E as vogas da pluri e multiculturalidade não garantem a abordagem de todas as dimensões de cada pessoa. As culturalidades, por vezes, não são mais que camadas superficiais da pessoa a que falta o caroço essencial da dignidade sem aceção de pessoas. Um modelo de relações e ações de reciprocidade teria de responder a todas as pessoas e a todas as suas dimensões.
Haverá um critério aceitável de avaliação e validação para um modelo destes nas políticas, religiões, ciências humanas, boas práticas de todas as profissões? Teria de ser simétrico no essencial: cada pessoa é igual, recebe e dá, é ajudada e ajuda; cada pessoa vale essencialmente o mesmo que outra; e assimétrico, no não essencial, nas competências operacionais de cuidador-cuidado. As relações progridem, reciprocamente, sem ordem fixa, das suas dimensões superficiais para as dimensões do essencial que pode ser alcançado numa e noutra pessoa quando se superam desejos sucessivos até ao que realiza cada uma delas no essencial. As pessoas que ajudam e são ajudadas nunca explicitam de imediato os seus desejos mais profundos do essencial. O caminho de reciprocidade, às apalpadelas, leva de um desejo para outro, de uma aspiração e satisfação para outra de modo infindo.
O Dia Mundial dos Doentes desafia a procurar o essencial do ser pessoa e a não se contentar com as camadas exteriores. A cultura das aparências pode manipular muitos a ficar-se pelas aparências do momento sem ir ao essencial. A condição: “para todos” não se compadece com abundâncias sem conta para alguns e carências sem conta para outros.
A pesquisa da plena dimensionalidade da pessoa pode ajudar a construir um modelo de pensar, ação e boas práticas de relações humanas, ajuda, cuidados; uma proposta para as famílias, organizações e instituições. Um modelo que aposte em todas a dimensões de cada pessoa, doente ou não, e de todas as pessoas, seria aplicado nas religiões, governos, organizações e parcerias internacionais e globais. Teria, porém, de se sujeitar a uma auditoria de critérios de qualidade “em todas as dimensões a todas as pessoas”; de dignidade e direitos prioritários para todos. Sem esperar que venham calamidades avisar que não se pode confiar em modelos de aceção de pessoas, de tudo para uns, nada para outros.
O papa Francisco afirma na sua mensagem deste dia (11.02.2020, nº1) que Jesus Cristo «oferece-Se a Si mesmo” e dá alívio», «porque (os seus olhos) penetram em profundidade»; «acolhem o homem todo e todo o homem segundo a respetiva condição de saúde, sem descartar ninguém, convidando cada um a fazer experiência de ternura entrando na vida d’Ele». Pessoas com “doenças incuráveis e crónicas, patologias psíquicas”, em “reabilitação ou cuidados paliativos” com deficiências e na velhice, etc., anseiam todas, implicitamente, por “uma cura humana integral”, nas “várias dimensões da sua vida relacional, intelectiva, afetiva, espiritual; e por isso, além das terapias, a (pessoa) espera (dos curadores) amparo, solicitude, atenção, em suma, amor” (nº 2).
E as dimensões essenciais dos curadores-curados permitem que os doentes na “estalagem” “encontrem pessoas (…) curadas pela misericórdia de Deus na sua fragilidade, (…) fazendo, das próprias feridas, frestas através das quais divisar o horizonte para além da doença e receber luz e ar para a vossa vida”. Perante “os limites e possível fracasso da própria ciência médica” (…), diz o papa, os curadores são chamados a abrir-se à dimensão transcendente, que pode oferecer o sentido pleno da profissão e lembrar que a vida é sacra e pertence a Deus, é inviolável e indisponível (cf. Instr. Donum vitae, 5; Enc. Evangelium vitae, 29-53)”. Por todos será “acolhida, tutelada, respeitada e servida desde o seu início até à morte”, como exigem a razão e a fé em Deus seu autor. O modelo de todos e todas as dimensões levará, como nenhum outro, à reciprocidade de ser e fazer mais feliz, quando aproximar o outro e se aproximar mais do essencial de ser pessoa, entrando na vida d’Ele (Cristo) aceitando o seu convite: “vinde a Mim, todos…” e ser uma vida a três dimensões essenciais.