Nos passados dias 4 a 30 de julho, estive como missionário no Gungo, Angola. O grupo Ondjoyetu, da Diocese de Leiria-Fátima, desenvolve uma assistência ao vastíssimo território de São José do Gungo, em locais de montanha, de difíceis acessos, com um povo que vive em condições de dificuldade extrema, faltando um pouco de tudo, em quase tudo…
Neste ano de 2016, em que se assinalam os 10 anos de geminação das dioceses de Leiria-Fátima e do Sumbe, impõe-se afirmar que, embora ainda exista tanto por fazer naquelas paragens, o que os missionários já fizeram é muitíssimo para aquela gente afastada completamente dos meios urbanos, com uma vida que consiste basicamente em existir com o que a floresta lhes dá no seu dia-a-dia. A lista de carências é interminável, mas, para além da evangelização, os missionários vão minimizando os efeitos às comunidades que vão sentindo que só eles é que chegam às suas aldeias, trazendo consigo alguns medicamentos e mantimentos essenciais que fazem a diferença nas suas vidas.
Nos limites da sobrevivência
No tempo em que estive nos 11 centros afectos à missão Ondjoyetu, vi rostos de tristeza e de alegria, lágrimas e sorrisos, impotência e força, seres a quedarem-se e outros a levantarem-se. Mas o que mais me tocou, o que mais fez o meu coração rejubilar de felicidade, foi aprender que com tão pouco se pode ter tanto nesta vida. Andamos presos à concorrência da economia, dos preceitos, dos estatutos, do protagonismo, dos prazeres inesgotáveis que temos no velho continente Europeu. Mesmo assim, ainda reclamamos. Dizemos por cá que somos apenas números, mas, nestas comunidades onde os missionários de Leiria-Fátima prestam assistência, muitas destas pessoas nem números conseguem ser, porque não estão registadas, vivem para quando morrerem serem enterradas nas florestas do Gungo. Nenhuma autoridade ou entidade governamental chega a saber que essas pessoas são seres humanos e que mereciam ser e ter um tratamento com direitos, também com formas de viver mais justas e confortáveis.
Só vindo a África se pode compreender o que é viver no limite dos limites da sobrevivência humana. No entanto, não reclamam do quase nada que lhes sobra. Apenas pedem humildemente, com humanidade, que os ajudem, mostrando sempre ternura e sorrisos. Nós, com o imenso que temos, mostramos indignação porque queremos mais, frustração porque não somamos mais alguns quinhões de dinheiro, tristeza porque não vamos de férias para as Caraíbas e apenas conseguimos ir para o Algarve…
Mais perto de Deus
Poderia contar imensas histórias que vivi no mês em que estive em Angola, mas o mais importante desta minha experiência foi saber que, com estes meus irmãos nascidos no meio do nada e do vazio, estive mais perto de Deus. Voltei para Portugal com a certeza absoluta de que não vale a pena pedir mais, quando alguns nada têm; não justifica esperar, quando outros não existem na contabilidade dos seus países. Em cada rosto, vi Deus, senti também como exemplo de vida a forma como conseguiam combater tantas adversidades.
Os habitantes do Gungo vivem em casas básicas, feitas de capim na sua cobertura, com barro e paus na sua estrutura, ou feitas em adobes (tijolo de barro e palha). Não têm hospitais, as escolas são manifestamente insuficientes e limitadas no número de anos de escolaridade, há uma ausência de transportes públicos, não têm estradas, só sendo possível andar em picada, não existe energia eléctrica, comunicações, água pública… Poderia enumerar tanta coisa que falta no Gungo, terra de missão. Mas, o carinho e a arte de acolher, a altivez de um povo que resiste às maiores das agruras humanas, sempre com o sorriso e a entrega total ao outro, é a história mais valiosa que posso partilhar.
Como missionário Ondjoyetu, agora com a experiência da linha da frente, consegui compreender melhor o alcance de todo este trabalho missionário que deve orgulhar a Diocese de Leiria-Fátima, iniciado em plena guerra civil dos anos 90 do século XX pelo sacerdote Vítor Mira. Não deveria ser assim. O desequilíbrio traz mais quedas, a indiferença traz mais fome, a ganância de uns traz mais pobreza aos outros.
Um céu estrelado
A minha impotência foi tão grande, senti-me pequeno na grandeza desta gente, muitos a conviverem com a extrema pobreza de quase tudo. No entanto, a lição maior, aprendida e apreendida, remete-me para o silêncio da introspeção. Com este meu regresso, num diálogo com Deus, pretendo agradecer-Lhe todos os dons e a vida que me deu. Pedirei também para que o mundo desta gente do Gungo, aliviada na dor pelos missionários de Leiria-Fátima, consiga desfrutar do mesmo sol, lua e estrelas. Por falar nisso, neste aspecto, os habitantes do Gungo saem a ganhar. Não deve existir lugar algum no mundo onde o céu estrelado seja tão lindo, quase como que uma mensagem em forma de luz para todos os camungungos (habitantes do Gungo).
Quem vem a estas terras de Angola fica com a certeza de que o amor entre todos os seres humanos pode não ser apenas uma palavra em forma de desejo. Ela poderá transformar-se em verdade nas nossas vidas. Só por isso, valeu a pena ser missionário.
Joaquim Santos
Mudanças na “linha da frente”
Com o Joaquim Santos, regressou do Sumbe, também, o fotógrafo Filipe Silva, que realizou, durante cerca de duas semanas, uma incursão fotográfica pela missão.
No mesmo dia em que chegaram a Portugal, partiram para Angola a Inês Pereira, a Elsa Pedro e o padre André Batista, que regressam ao Gungo para visitarem um povo com o qual já partilharam de forma despojada e apaixonada alguns períodos da sua vida. Consigo foram dois casais amigos da Inês, que, incluídos na equipa, integrarão a vida comunitária do Gungo, participando em atividades como a formação de promotores de saúde e de líderes da pastoral da criança. A presença destes missionários tornará ainda mais festiva, mais especial, a celebração dos 10 anos de presença da Equipa Missionária de Leiria-Fátima na diocese do Sumbe.