Fundada em plena Revolução Francesa, em 1791, pelo jesuíta Pedro de Clorivière e pela madre Adelaide de Cicé, esta congregação foi uma resposta de serviço da Igreja aos mais pobres, numa época de perseguições e clandestinidade pastoral. Por isso não têm ainda hoje símbolos ou distintivos de identificação.
Ação apostólica autêntica e discreta
Maria Adelaide Champion de Cicé nasceu em 1749, em Rennes, Bretanha, no seio de uma família nobre. Desde cedo, revelou uma íntima união ao Senhor e uma sensibilidade invulgar para com os mais pobres, que assistia pelas ruas. Em 1783 decide consagrar-se a Deus nessa obra apostólica, mas o irmão, bispo de Auxerre, insiste em que fique a cuidar da mãe. Ainda assim, “desenha” em 1785 o projeto de uma Sociedade Piedosa, de vida religiosa sem hábito nem clausura, ao serviço dos pobres.
Também nascido na Bretanha, em Saint-Malo, em 1735, numa família rica e influente de armadores, o padre jesuíta Pedro José Picot de Clorivière, seu orientador espiritual, descobriu naquele projeto a resposta à sua luta pela afirmação da fé e da vida religiosa numa sociedade que vivia as consequências secularizantes da Revolução Francesa. A supressão dos votos religiosos e o encerramento dos conventos pelo Estado é, assim, vencida por esta nova forma de vida comunitária discreta mas de autêntica radicalidade evangélica, fiel ao Papa e à Igreja universal, mas sem confronto direto com as leis civis. Funda então, em 1791, a Sociedade do Coração de Jesus, para homens, e a Sociedade das Filhas do Coração de Maria, para mulheres, entregando a Adelaide de Cicé a responsabilidade de primeira superiora geral.
Os fundadores vivem intensamente o seu ideal na clandestinidade e a obra floresce por toda a França, apesar da perseguição que chegou a levar ambos à prisão. Em 1801 a Sociedade é aprovada verbalmente pelo Papa Pio VII e em 1818 são publicadas as primeiras Constituições, que viriam a receber aprovação definitiva em 1890, pelo Papa Leão XIII. Adelaide morreu em 1818 e o padre Pedro dois anos depois, mas a expansão da Sociedade não mais terminou, estando atualmente constituída em 16 províncias, em 31 países de 4 continentes.
Carisma e espiritualidade
A Sociedade das Filhas do Coração de Maria é um corpo religioso chamado a viver em conformidade com os sentimentos dos Corações de Jesus e de Maria, fonte apostólica que orienta para o serviço aos mais pobres. O seu carisma manifesta-se numa vida religiosa mergulhada nas realidades do mundo, adaptada aos tempos difíceis e inspirada na coragem, no vigor e na frescura da igreja nascente. Ao jeito dos primeiros cristãos, formam um só coração e uma só alma, para a maior glória de Deus e o serviço da Igreja e da humanidade.
Enraizadas em Cristo, tendo Maria como modelo, as Filhas do Coração de Maria são chamadas a uma forma particular de viver o Evangelho, numa atitude de proximidade atenta, disponível e contemplativa na missão. A sua espiritualidade é orientada por quatro versículos evangélicos: “Eis a vossa Mãe” (Jo 19,27), “Fazei o que Ele vos disser” (Jo 2,5), “Não te peço que os retires do mundo, mas os livres do mal” (Jo 17,15) e “Já não vos chamo servos, mas amigos” (Jo 15,15).
Em Portugal
Nos anos que se seguiram à implantação da República, em 1910, apesar da instabilidade sociopolítica que ainda se fazia sentir, as congregações religiosas começam, discretamente, a ocupar o seu lugar na Igreja e em Portugal. Em Lisboa, algumas mulheres, acompanhadas espiritualmente por padres jesuítas, tinham o sonho comum de viverem uma vida religiosa no meio de mundo.
É assim que o padre Abranches lhes dá a conhecer a existência da Sociedade das Filhas do Coração de Maria, nascida no mesmo contexto. Podia, então, corresponder ao desejo que alimentavam de viver no anonimato uma vida religiosa autêntica, sem sinais exteriores, compatível com os votos religiosos. Depois de alguns anos de formação em França, constituem em 1932 a primeira comunidade no nosso País.
Também aqui vão expandir-se, chegando à Diocese de Leiria-Fátima em 1995, ocupando a restaurada Casa de Nossa Senhora da Paz, cuja capela será inaugurada dos anos depois. A casa propicia acolhimento a pessoas e grupos que desejam o recolhimento e o revigoramento espiritual, especialmente em retiros e encontros dinamizados pelas irmãs ali residentes.
Testemunho vocacional
“Este é o meu Filho muito amado, escutai-O”
Nasci e cresci no Porto, no seio de uma família numerosa, empenhada na Igreja e que me foi transmitindo os valores da fé em Cristo, pela fidelidade à prática dominical, à reza frequente do terço e ao serviço concreto e desinteressado aos mais próximos e aos pobres. Não frequentei a catequese paroquial, porque a igreja ficava distante, tendo sido preparada para a primeira comunhão pela minha mãe, a quem devo a graça de ser iniciada na reverência à presença real de Jesus na Eucaristia e no valor libertador do sacramento da Reconciliação.
Vivia, como assistente social, realizada na profissão, bem integrada na família e na sociedade civil, sem preocupações sobre o rumo a tomar. Casamento ou vida celibatária ao serviço dos outros eram duas hipóteses válidas e possíveis. Até que um dia, na festa da Transfiguração, ressoou jubilosamente dentro de mim a voz do Pai: “Este é o meu Filho muito amado, escutai-O”. Senti que Deus se aproximou, fixou sobre mim o seu olhar compassivo e chamou-me por “pura misericórdia” a colaborar com Ele na extensão do Reino de Deus.
Decidi ingressar na Sociedade das Filhas do Coração de Maria, pois me atraía a bondade do Coração maternal de Maria expressa no testemunho das irmãs com quem trabalhava. Frequentei o noviciado em França, onde aprendi a estimar companheiras de quatro continentes, o que me abriu perspectivas e me preparou para várias missões que fui chamada a realizar.
Uma delas foi a proposta de partir para Benim, em África, para uma pequena comunidade sem animadora há dois anos. Fiquei perplexa! Há 20 anos, tinha manifestado desejo de missão “ad gentes”, mas não tive resposta e esse desejo ficou adormecido. Pouco a pouco, uma onda de alegria e luz interior fez-me sair da dúvida e levou-me a dizer “sim” ao convite. Em princípio, ia só por três anos… mas prolongaram-se por 20! A África acolheu-me bem e eu deixei-me cativar. Fiz uma boa experiência de fraternidade eclesial nas três igrejas locais jovens e dinâmicas onde me integrei. O trabalho de construção da comunidade e da formação inicial de jovens foi muito intenso.
Quando o serviço de animação da vida religiosa pôde ser assumido por irmãs locais, regressei a Portugal. Tive o privilégio de integrar a comunidade de Fátima, o que me permite viver a peregrinação constante de multidões de crentes que confiam na proteção da Virgem Mãe. Sou convidada, por isso, a aprofundar a espiritualidade que anima esta Sociedade. Sob o olhar terno de Nossa Senhora, aprendo sempre mais a entrar no Amor Misericordioso de Deus Uno e Trino, que me exorta a estar à escuta da sua Palavra para me deixar transformar n’Ele até ao fim.
Ir. Maria Margarida Rosas da Silva
Números
No mundo
Casas: 145
Membros: 1300
Em Portugal
Comunidades: 4
Membros: 39
Na Diocese
Casas: 1
Membros: 10
Mais nova: 34
Mais velha: 79
Média etária: 64 anos