Como habitual todos os anos, estamos a viver entre 18 e 25 de Janeiro a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos. No jornal Presente desta semana, além do destaque ao tema ecuménico proposto, aproveita-se a oportunidade para conhecer melhor a comunidade da Igreja Ortodoxa que está a celebrar um ano de fundação na Diocese de Leiria-Fátima.
O objetivo desta Semana é promover o ecumenismo e a aproximação dos fiéis das várias Igrejas cristãs, “separados” desde o século XI (Católica e Ortodoxa) e na época da Reforma do século XVI (Luterana Alemã, Presbiteriana e Anglicana). A iniciativa é organizada pela Comissão “Fé e Constituição” do Conselho Mundial das Igrejas, que junta mais de 340 Igrejas Protestantes e Ortodoxas, bem como algumas Pentecostais e Independentes, e pelo Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, da Igreja Católica. Em Portugal, é dinamizada pelo COPIC – Conselho Português de Igrejas Cristãs, que agrega a Igreja Presbiteriana de Portugal, a Igreja Evangélica Metodista Portuguesa e a Igreja Lusitana Católica Apostólica Evangélica, e pela Comissão Episcopal Missão e Nova Evangelização, da Igreja Católica.
Este ano, o tema é uma citação da Primeira Carta de São Pedro (1 Pedro 2, 9): “Chamados a proclamar as obras maravilhosas do Senhor”. Os textos de reflexão para esta Semana foram preparados por um grupo de representantes de diversas regiões da Letónia, por iniciativa do arcebispo católico de Riga, monsenhor Zbignevs Stankevics.
O cristianismo entrou neste país europeu no século X, por missionários bizantinos, tendo sido São Meinhard o grande evangelizador da região, dois séculos mais tarde. Já no século XVI, a capital Riga foi das primeiras cidades a adotar as ideias da Reforma de Lutero. É uma das três repúblicas bálticas, limitada a norte pela Estónia, a leste pela Rússia, a sudeste pela Bielorrússia e a sul pela Lituânia, sendo frequente “os cristãos de diferentes tradições encontrarem-se para rezar juntos e para dar um testemunho comum”. Assim, a Letónia faz uma verdadeira “ponte” entre as tradições católicas, protestantes e ortodoxas. Segundo as estatísticas oficiais de 2011, 34,3% dos letãos são luteranos, 25,1% católicos e 19,4% são ortodoxos ou velhos-crentes. Há ainda 1,2% da população pertencente a Igrejas batistas, adventistas, pentecostais ou outras, enquanto 20% dos habitantes afirmam pertencer a outras religiões ou sem pertença religiosa.
O contributo para a reflexão deste ano, editado em diversas línguas por todo o mundo, apresenta essa história como ponto de partida para sublinhar o chamamento comum a ser Povo de Deus, a “escutar os altos feitos de Deus” pela humanidade e a procurar caminhos comuns para proclamar essa Boa Nova a todos os povos. A celebração ecuménica aí proposta inclui orações para pedir o Espírito Santo, orações de reconciliação e de esperança, um gesto de compromisso a ser luz no mundo e a partilha da paz. O caderno apresenta ainda diversos comentários bíblicos e orações para os oito dias da semana.
Em Leiria-Fátima
Em 2014, o jornal PRESENTE deu largo destaque a este assunto, abordando as relações existentes entre as diversas Igrejas presentes na área da Diocese de Leiria-Fátima, nomeadamente: Católica, Evangélica Baptista, Evangélica Assembleia de Deus, Adventista do 7.º Dia, Evangélica Reviver e “Corpo do Messias”. Não há uma relação regular entre elas, sendo necessário recuar até à última década do século XX para encontrar celebrações ecuménicas e encontros de oração em comum. Outros encontros temáticos foram sendo promovidos até 2007, os últimos dos quais promovidos pela Comissão Diocesana Justiça e Paz, da Igreja Católica.
No referido trabalho, há dois anos, o PRESENTE promoveu um encontro entre o padre Jorge Guarda, vigário geral da Diocese, e o pastor António Gonçalves, da Igreja Baptista de Leiria, que vão mantendo o contacto esporádico a nível particular. Esta Igreja é, aliás, a que vai mantendo alguma relação com a comunidade católica, sobretudo na área da assistência social, na paróquia da Cruz da Areia. Na conversa de café que acompanhámos, estes dois responsáveis reconheceram que algo mais poderia ser feito para uma maior união, sobretudo, na oração e no debate sobre temas bíblicos e religiosos. Manifestaram a intenção de promover algumas iniciativas nesse sentido, mas “essa ideia não chegou a concretizar-se, por não ter havido disponibilidade e não ser uma prioridade pastoral”, confessa o padre Jorge Guarda.
Este ano apontamos noutro sentido e fomos conhecer mais em pormenor uma comunidade da Igreja Ortodoxa Ucraniana que, há um ano, se organizou na Batalha. Curiosamente, com apoio da Igreja Católica, que acolhe em edifícios seus as celebrações e principais atividades pastorais ortodoxas.
Comunidade nascida da emigração de Leste
Fomos à Missa da Igreja Ortodoxa
O Patriarcado Ecuménico de Constantinopla, nome oficial desta Igreja cristã, está organizado por regiões. Na Península Ibérica, existe como Arcebispado Ortodoxo de Espanha e Portugal e as comunidades do nosso país estão incluídas no Vicariato para Portugal e Galiza.
A Igreja Ortodoxa em Portugal integra cristãos de diferentes nacionalidades aqui residentes, como gregos, romenos, moldavos e, sobretudo, ucranianos. Foi o surto de emigração destes países, neste início de século XXI, que suscitou a necessidade de organizar uma estrutura de apoio às suas necessidades espirituais. Assim, em 2003, “pela graça de Deus e com a bênção do Patriarca Ecuménico Bartolomeu”, foi fundada a primeira paróquia ortodoxa ucraniana, no Porto. Outras foram surgindo nos anos seguintes, em locais onde é mais numerosa a comunidade emigrante dos países de Leste que aqui vive e trabalha, estando já 15 padres residentes ao seu serviço. Um crescimento facilitado pelo acolhimento que a Igreja Católica lhes dá, permitindo que celebrem o seu culto nas igrejas locais.
Na Diocese de Leiria-Fátima, esta é a única comunidade. As mais próximas situam-se em Coimbra, Mafra e Castelo Branco, esta a mais recente de todas, com alguns meses de fundação.
Uma celebração (muito) diferente
Entramos na igreja matriz da Batalha às 10h00 do domingo 17 de janeiro. Cerca de meia centenas de fiéis estão a começar uma celebração que logo se percebe ser diferente do rito católico. A língua usada é o ucraniano, pelo que pouco percebemos do que se diz, canta e faz. No final, ouviremos a explicação em português corrente, sobretudo dos mais jovens.
Em jeito de preparação espiritual, a Missa começa com vários salmos cantados a várias vozes pelo pequeno coro, a duas e três vozes, acompanhados por todos os fiéis presentes. Seguem-se as confissões individuais, um acto obrigatório a cada domingo para quem quer comungar nessa celebração. Continuam orações, “para agradecer a Deus os dons recebidos durante a semana, pedir a salvação e a paz para o mundo, para a Ucrânia, para Portugal, para as terras onde vivem e trabalham”.
Há só uma leitura, do Evangelho, que neste domingo é o da pesca milagrosa. O ritmo litúrgico não é igual, pois celebram o Natal no dia 6 de janeiro e o ano novo no dia 14. Não há homilia, passando-se ao canto do Credo e do Pai-Nosso. E mais cânticos e orações, entre as quais, sempre, a recitação do salmo 34. A comunhão é, então, distribuída sob as duas espécies do pão e do vinho a todos os que se confessaram.
São já 11h30 quando vem a homilia, actualizando a mensagem do Evangelho à prática da vida. “Temos de ser perseverantes, confiar em Deus e acreditar que Ele nos ajudar a alcançar o bem que desejamos”, resume uma das jovens que mostrou ter estado atenta, adiantando que “não podemos esperar que Ele faça tudo, mas temos de ser nós a trabalhar para o bem, como os apóstolos tiveram de lançar as redes”. Estão a celebrar um ano da primeira celebração desta recente comunidade e isso é também motivo de reflexão, ação de graças a Deus e agradecimento ao trabalho de alguns leigos presentes, que o padre Juvenaliy vai nomeando durante a pregação em tom coloquial.
No final, um a um, vêm beijar um ícone mariano e um pano com motivos cristológicos, pousados sobre uma mesa. O sacerdote mergulha um pincel em óleo sagrado e faz-lhes uma cruz na testa, após o que beijam a cruz que ele segura nas mãos durante quase toda a celebração. Então, retiram de um cesto um pequeno pedaço de pão que o próprio padre confeccionou. “É sinal de partilha de bens e de vida entre todos, de alimento e solidariedade que se leva para a vida”. Só então, o cântico final, já perto das 12h30.
O fotógrafo já tinha sido notado e é apresentado como jornalista católico. Abrem-se os sorrisos de acolhimento, pedem uma foto de grupo e demoram-se nas explicações de tudo o que se passou. Falam em Fátima, onde fazem encontros nacionais, pois são muito devotos de Nossa Senhora e acreditam nas Aparições ali ocorridas. Enquanto isso, arrumam os muitos objectos que trazem para decoração do espaço celebrativo, deixando tudo como estava.
O convívio continua
Há também o convite para um café onde continuam em convívio, um hábito que a maioria cumpre religiosamente. Falamos então com Tânia Melnykova, que veio para a Batalha há 15 anos. Sente-se bem acolhida e trata a comunidade católica como sua, até pelo trabalho desempenha há nove anos ao serviço da casa paroquial. “Estamos aqui bem, mas nunca esquecemos a nossa terra e rezamos para que tenha paz”. Mas não pensa voltar, sobretudo agora que tem cá a filha de 23 anos.
Também Roman Panchuk, que veio há 14 anos para a Maceirinha trabalhar em montagens hidropónicas, não pensa em voltar. Pelo contrário, está a preparar a vinda da família, pois sente que já é em Portugal que tem amigos e estabilidade profissional. Foi o que fez Dmytro Shtogryn, empregado numa serralharia da Batalha há 14 anos. Trouxe a mulher e é aqui que se sente em casa.
Todos fazem a mesma apreciação à região “bonita” em que vivem, ao excelente acolhimento e integração, à simpatia dos portugueses. Mais contentes estão agora que têm cá um padre da sua Igreja, que os acompanha e ajuda também a nível espiritual, “o que é muito importante para andarmos bem na vida”. E têm um sonho, que esperam concretizar: “fazer uma igreja nossa, para termos um espaço próprio”.
Entrevista ao padre Juvenaliy, responsável da comunidade ortodoxa da Batalha
“A Igreja Católica e a Igreja Ortodoxa
são duas asas do mesmo pássaro”
Chama-se Hieromonk Juvenaliy Muliarchuk e é tratado por padre Juvenal pelos muitos amigos portugueses que já o conhecem, pelo que adoptamos também esse tratamento “aportuguesado”. Nasceu na Ucrânia há 36 anos e foi ordenado padre do Patriarcado Ecuménico de Constantinopla em 2004. A 12 de agosto de 2014 chegou a Portugal, para assumir o acompanhamento de uma nova comunidade ortodoxa.
O Bispo de Leiria-Fátima concedeu à comunidade ortodoxa poder celebrar o culto na igreja matriz da Batalha e a paróquia acolheu-a de braços abertos, com a primeira celebração a ocorrer a 8 de Janeiro de 2015. O padre Juvenal, que a dirige, passou a residir na casa do capelão do Mosteiro da Visitação, na Faniqueira. A conversa com as irmãs não é muita, pois nenhuma fala ucraniano e o português dele ainda dá os primeiros passos, mas “é muito simpático e parece um bom padre”, confessa a irmã Maria Clara, enquanto me conduz à casa, num anexo separado do convento.
Já nos conhecemos, pois integrámos ambos uma das equipas da visita pascal na paróquia da Batalha, no ano passado, logo esse um sinal da boa integração que teve. O acolhimento à porta é caloroso e entramos numa sala com o chão cheio de sementes de trigo. O sacerdote explica que o dia anterior, 14 de janeiro, foi o primeiro do ano segundo o calendário Juliano, tendo-se cumprido uma tradição secular: “uma criança entra em casa a cantar e a espalhar sementes sobre os presentes, sinal da prosperidade e abundância de dons que se desejam para o novo ano”. Senta-se ao piano e canta com voz segura e poderosa os versos que acompanham esse ritual.
A conversa continua espontaneamente em inglês.
Como surgiu a oportunidade de organizar esta comunidade?
Os ucranianos que vivem na área de Leiria-Fátima pediram ao vigário da Igreja Ortodoxa em Portugal, o arquimandrita Philip, que lhes desse um padre para acompanhar a sua vida religiosa. Assim, fui enviado em trabalho missionário para a Batalha, para presidir ao culto e organizar a vida eclesial desta nova comunidade da Igreja Ortodoxa Ucraniana.
Porquê a Batalha?
Queríamos um lugar central e temos de agradecer ao Bispo D. António Marto, que nos permitiu a celebração do culto nesta igreja. Agradeço também ao padre José Gonçalves, pároco da Batalha, que sempre tem apoiado a nossa comunidade na sua implementação e desenvolvimento das suas actividades. Em concreto, além do serviço religioso na Igreja da Santa Cruz, temos usado o salão paroquial para os ensaios do nosso coro litúrgico e para encontros de formação.
Quantas pessoas a compõem actualmente?
É difícil de quantificar. Por norma, temos umas 40 a 60 pessoas regulares na Missa dominical, mas é frequente aparecerem novos fiéis a cada semana. No Natal, por exemplo, estiveram cerca de 70 pessoas e na Páscoa foram mais de 200.
São todas desta paróquia ou vêm de mais locais da região?
A maioria dos ucranianos que participam no serviço religioso vem da Marinha Grande. Mas há quem se desloque de Leiria, Maceira, Cartaxo, Alcanena e outros locais, além, claro, da Batalha. Mas há muitas pessoas que não podem vir à Missa ao domingo, pois estão a trabalhar nesse dia nos seus empregos.
Como é a prática religiosa regular?
Além do culto aos domingos, presido a outras celebrações religiosas durante a semana, em que os nossos fiéis também marcam presença. Durante o ano, já presidi na nossa igreja a três casamentos, baptizei nove crianças e fiz um funeral.
Além das celebrações, tem mais alguma acção pastoral, formativa ou social?
Edito semanalmente um boletim espiritual paroquial, com temas de formação espiritual e a agenda pastoral. Todos os sábados, na Marinha Grande, dou catequese a crianças ucranianas, dos 6 aos 11 anos de idade. Como sou padre e também monge, a minha primeira responsabilidade pastoral é rezar todos os dias. E ensino aos nossos paroquianos que devem arranjar tempo para a oração, todos os dias, de manhã e ao final do dia.
Acha que deveria existir maior envolvimento entre as Igrejas Cristã e Ortodoxa?
Bem, a Igreja Católica e a Igreja Ortodoxa são duas asas do mesmo pássaro, que tem um único corpo e um mesmo objectivo. Por outras palavras, posso dizer que estas duas Igrejas são como duas irmãs que um dia se separaram, por razões diversas, e há muito tempo procuram reconciliação e unidade, pois o Evangelho de Cristo é só um e o Corpo de Cristo é só um.
Para terminar, como vê esta iniciativa da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos?
Este é um tempo em que todo o cristão deveria pensar sobre a sua identidade, sobre quais são os seus objectivos espirituais e qual é o sentido da sua vida. Todos temos de ponderar o que fazemos para evitar o mal e os desentendimentos no mundo. Por outro lado, todos devemos contribuir para que haja mais bondade, amizade, sinceridade e amor entre as pessoas.