No dia 4 de junho, a comunidade paroquial de São Simão de Litém juntou-se para a celebração da Missa de acção de graças pelos 50 anos da entrada do padre Benevenuto Morgado. Presentemente, aquela paróquia é conduzida pelo padre José Frazão, enquanto que o homenageado colabora como capelão no Santuário de Fátima. No entanto, dada a sua importância na história da freguesia, o povo não quis deixar de lhe dedicar “um gesto de estímulo e gratidão”.
Partilhamos o texto que foi lido no momento de ação de graças.
Corria o mês de Maio de 1975 – mês do coração e estávamos nós, em Portugal, em pleno “processo de revolução em curso” e às portas do chamado “Verão quente de 75”, quando, nesta discreta Paróquia de São Simão de Litém, dava entrada um jovem, mas já experiente Padre, recém-chegado da Missão em Moçambique onde fora capelão militar.
Quem seria ele? Que tipo de padre viria, agora, pastorear São Simão? Muitos se interrogavam. Foi ele que no-lo disse, aqui mesmo, nesta igreja, cheia de gente, na sua primeira missa: “Eu não vim para ser servido, mas para servir”. Era dado o mote para a sua nova missão. Disse-o sem se engasgar… e sem se enganar naquilo que nos anunciava.
Chegava de Moçambique, da província de Tete, de que tanto nos falava com carinho e até com alguma saudade, o Capelão Militar Missionário – o que foi, diga-se, um privilégio para nós, ter um pároco que andara nas Missões. Conhecemos muito da Missão. As belas fotos e slides que trazia e nos partilhava, os sorrisos das crianças moçambicanas que tinham nome, o testemunho de fé daquela gente, etc., etc…. Como não recordar, por exemplo, o episódio do menino que caiu numa emboscada militar com o Santíssimo Sacramento colado ao peito para que não fosse profanado? E tantas outras histórias belas e cativantes!
O Padre Morgado mostrava-se um contemplativo das paisagens da Natureza… e das paisagens interiores do Ser Humano. Deliciava-se em nos ver “radiantes” – palavra do seu vocabulário. E cedo nos contagiou.
Pelas mãos deste servo fiel, recebemos de Deus uma riqueza de dons que ainda hoje nos alimentam, tanto de natureza material como de natureza espiritual. Descrevê-los ou, simplesmente elencá-los, é tarefa ingrata, pois muito ficaria por dizer. O Povo diz que o melhor é o que fica por dizer…, mas atrevemo-nos a referi-los, em atitude de acção de graças, que é o que esta Eucaristia pretende ser. Acção de graças a Deus… e à fidelidade de seu servo que, por ter dito “Sim”, ainda hoje nos alimenta.
Temos o profundo e continuado gosto de recordar – e “recordar” significa “trazer de novo ao coração” -, recordar, dizíamos, a sua forma de ser e de estar, que tão afectuosa era. As suas palavras e gestos carregados de afecto são uma das suas imagens de marca. Marca indelével: não se apagará. Era isto, na altura, aquilo a que hoje, mais modernamente, e pela boca dos psicólogos e pedagogos, é chamado a “expressão dos afectos”. Com o Padre Morgado, o Evangelho entrava-nos coração adentro sem pedir licença e não tanto pela cabeça, com raciocínios, por vezes inúteis.
O calor trazido pelo chamado “Verão quente de 75” pode ter revolucionado e transformado um país inteiro, mas o afecto vivido e a ardência do Evangelho experimentados, naqueles tempos, em São Simão, trouxeram um calor muito mais nobre, sublime e transformador que ainda hoje se sente e faz bem.
Por isso nasceu o sonho desta acção de Graças junto d’Aquele que tudo criou e continua a criar e a dar a Vida; acção de graças pelas “maravilhas operadas no seu servo”. A nossa alma rejubila em tê-lo hoje a celebrar connosco. É uma Graça.
Recordamos, e damos graças a Deus, pela sua profundidade de vida. A ardência, o entusiasmo das suas palavras; do Evangelho assim comunicado; a eloquência dos seus gestos; o seu desinteresse material; as suas cativantes homilias. Tantas histórias maravilhosas – de África e não só -, e que nos comunicavam valores profundos! O tempo parava quando as escutávamos! Da sua profundidade de vida, damos graças pelos valores de coerência e retidão que vivia e que, assim, nos comunicava e induzia a imitar…
Damos graças pelo seu amor à família e às famílias. Conhecemos a sua família: conhecemos o seu pai; conhecemos algumas irmãs; conhecemos a sua mãe através das suas partilhas de memórias da sua infância; conhecemos das suas dificuldades de infância e de como isso lhe aguçou a audácia. Conhecemos histórias suas, de família, sempre sob o mote da Evangelização. Até a Missão no Ultramar nos ficou familiar. Não admira, Senhor, que tenha ajudado muita família em São Simão. Agradecemos-Te a criação das equipas de Nossa Senhora, que muito ajudaram as famílias.
Damos-Te graças pelo seu dinamismo, pela sua fibra, pela sua garra … Graças por um Padre à frente do seu tempo-até mesmo em termos tecnológicos-, a olhar ainda para mais além e que anteviu, antes de alguém, uma comunidade com filhos emigrados que em breve necessitaria de um lar para idosos. Não queria ele que fosse um asilo, mas sim um lar, como fazia questão de anunciar antes da sua construção. Graças, Senhor, pelo exemplo evangélico do amor pelos mais frágeis. A obra está aí; inovadora no distrito.
Damos-Te graças pelo homem de iniciativa, – empreendedor, como hoje se diz -, amante das crianças, desprendido materialmente, que espatifou as suas economias de capelão militar na construção de uma Colónia Balnear lá para os lados da Nazaré. Recordamos o afecto dado a tanta criança carente; os jogos que lhes ensinava na casa e na praia; os jogos que com eles jogava. Trazemos de novo ao coração a sua pedagogia de afecto. Quando visitava a Colónia, conseguia levar consigo, sozinho, todos os meninos a passear – e eram tantos! -, trabalho habitual para 6 monitores que assim podiam descansar um pouco. Cabiam-lhe todos debaixo da asa e nenhum de lá
queria sair. Ensinou-nos que “Padre” quer dizer “Pai”. Inovou: crianças havia que nunca tinham visto um sabonete. Iam agora ao mar e ao duche diário e às piscinas a São Pedro Moei e comiam gelados e visitavam museus e cantavam nas ruas. Tinham quinze dias de paraíso. Hoje… é a Colónia da Cáritas, mas já foi a Colónia do Padre Morgado e, em alguns sítios até, conhecida como a Colónia de São Simão.
Damos-Te graças por muitas outras obras materiais: uma torre na capela do Arnal, som de altifalantes, um lustre majestoso e outros melhoramentos, como um salão de apoio…
Damos-Te graças pelo lançamento do escutismo em São Simão de Litém. Pelo Agrupamento 923; pela formação de chefes; pela confiança depositada. Graças Te damos pelo Grupo de Jovens então criado e pelo empenho na sua formação. Havia reuniões de adolescentes abordando temas da adolescência… havia reuniões de jovens abordando temas de juventude…
Damos graças pelo tratamento que lhes dava e pela consideração que por eles tinha. Ao Padre Morgado não ficava nenhum sector ou movimento para trás.
Recordamos e damos-Te graças, Senhor, pela sua catequese tão bem organizada, o recrutamento de catequistas e a formação que lhes dava nas reuniões, praticamente todas as semanas. Damos-Te graças pelos passeios e pelos convívios verdadeiramente alegres e onde o Padre Morgado brincava connosco. Agradecemos a sua enorme proximidade amiga. Como esquecer aquele “pique-nique” realizado no Poço Moiro? Era passeio com os catequistas; era passeio com os que tinham feito o Crisma; era passeio com os idosos; … Era o cultivar das sãs relações humanas. O Padre Morgado era um de nós, e cada um de nós, que com ele convivia, se sentia único e considerado, perante ele.
Damos-Te graças, recordamos e agradecemos-Te o padre amigo, atento, disponível, simples, bom conselheiro, profundamente humilde, que, mais do que dar, dava-se. Sim, veio para servir.
O amor é, realmente, criativo.
Louvado sejas, Deus-Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo!