São Francisco de Assis, irmão universal
Caros irmãos e irmãs da família franciscana e demais fiéis presentes: Paz e bem!
É com grande alegria – direi mesmo alegria franciscana – que estou aqui convosco a celebrar a festa litúrgica do nosso Pai e Irmão S. Francisco. Ele é um dos pequeninos, de que fala o Evangelho, que se deixou conduzir pela mão de Deus que o introduziu nos mistérios do Reino.
Hoje é a data do primeiro aniversário da publicação da encíclica Fratelli tutti, sobre a fraternidade e o amor social, que deve a sua inspiração a “este Santo do amor fraterno, da simplicidade e da alegria”. Também nós vamos meditar esta caraterística que me parece ser o sinal que melhor identifica Francisco e a família franciscana: a fraternidade evangélica.
No seguimento de Jesus e da simplicidade do Evangelho, a iniciação da humanidade a uma vida verdadeiramente fraterna foi o sonho louco, o projeto audaz, o programa obstinado de S. Francisco e dos seus primeiros companheiros. A suas vidas estão cheias de exemplos que testemunham que a fraternidade evangélica não é uma utopia, mas pode ser vivida no quotidiano. Para Francisco não é uma ideia abstrata, mas um facto concreto, uma experiência que muda a vida.
No início do seu testamento, depois de ter narrado o encontro com os leprosos – aos quais Cristo o conduziu, porque ele sentia horror e repugnância – afirma: “E depois que o Senhor me deu frades (irmãos), nenhum me mostrava o que devia fazer, mas o Altíssimo revelou-me que devia viver segundo a forma do santo Evangelho (sine glosa)”. A forma do Evangelho é reconhecer os irmãos como dom de Deus e acolhê-los como eles são com as suas fragilidades e a sua diversidade. E que se amem e sirvam uns aos outros em comunidade e amem a santa pobreza. O escolher chamarem-se frades e menores é um verdadeiro programa de fraternidade. Ele próprio quis ser o “menor dos irmãos” “o irmão Francisco, pequenino servo vosso”. Os amigos podem escolher-se; os irmãos são-nos dados. Neste sentido, somos irmãos todos enquanto todos filhos do mesmo Pai celeste. Nenhum é estranho ou estrangeiro ao outro. O primeiro parágrafo da encíclica F. T. é um comentário belo e iluminador desta conceção de fraternidade:
“«FRATELLI TUTTI»: escrevia São Francisco de Assis, dirigindo-se a seus irmãos e irmãs para lhes propor uma forma de vida com sabor a Evangelho. Destes conselhos, quero destacar o convite a um amor que ultrapassa as barreiras da geografia e do espaço; nele declara feliz quem ama o outro, «o seu irmão, tanto quando está longe, como quando está junto de si». Com poucas e simples palavras, explicou o essencial duma fraternidade aberta, que permite reconhecer, valorizar e amar todas as pessoas, independentemente da sua proximidade física, do ponto da terra onde cada uma nasceu ou habita”.
Neste sentido, Francisco de Assis quis fazer-se “irmão de todos os homens”. Dois episódios mostram o seu coração universal, sem fronteiras, capaz de superar as distâncias de proveniência, de nacionalidade, cor, religião ou classe social. O primeiro é o seu encontro com os leprosos que tanto o marcou, a quem chamava “irmãos cristãos”, símbolo real dos pobres, abandonados, doentes, descartados, dos últimos. O segundo episodio é a sua visita ao sultão Malik-al-Kamil, no Egito. “Aquela viagem, num momento histórico marcado pelas Cruzadas, demonstrava ainda mais a grandeza do amor que queria viver, desejoso de abraçar a todos… É impressionante que, há oitocentos anos, Francisco recomende evitar toda a forma de agressão ou contenda e também viver uma «submissão» humilde e fraterna, mesmo com quem não partilhasse a sua fé” (F.T. 3).
Podemos mesmo dizer que São Francisco foi irmão de todo o mundo. Nada nos dá tanto a medida do seu horizonte fraterno como o Cântico das Criaturas que alarga a fraternidade humana a uma fraternidade cósmica, revelando não só um sentimento ecológico, mas também uma real união amorosa com toda a Criação. Verdadeiramente, Ele sentia-se irmão da terra e do mar, do sol e da lua, do vento e do fogo até da nossa irmã morte!
Caros irmãos e irmãs, o contacto imediato com o Evangelho, aplicado “à letra e sine glosa (sem acrescentos)” provocou à volta de S. Francisco uma explosão de fraternidade contagiosa e de alegria vibrante. A fraternidade franciscana apareceu como a imagem profética de uma humanidade em que todos se reconhecem plenamente irmãos. Com ela, o Evangelho reencontrou um sopro messiânico, tornou-se esperança do mundo. E hoje, nos inícios do novo milénio, a aventura franciscana tem ainda um sentido? Tem ainda alguma possibilidade de sucesso?
Nunca o carisma franciscano foi tão atual para um mundo global marcado por uma indiferença globalizada. O nosso mundo é imenso campo de luta pelo poder e pela riqueza, causa de aumento de desigualdades, pobreza e descarte. Os demasiados sofrimentos e atrocidades escondem o rosto de Deus. E, precisamente nesta situação, o Papa Francisco faz-se voz e intérprete do grito por uma fraternidade universal como caminho a percorrer para curar as relações entre os homens e os povos do egoísmo, da indiferença, do fanatismo e para salvar a humanidade do abismo do ódio, da violência e da guerra.
A fraternidade será mais credível se nós na Igreja, nas nossas comunidades, começarmos a sentirmo-nos todos irmãos/ãs, dando testemunho das nossas relações fundadas no amor recíproco, no acolhimento, na solidariedade, no cuidado dos frágeis e pobres.
A conversão à fraternidade, ao jeito de S. Francisco, começa em cada um e na própria casa: “É necessário reconhecer na própria vida que aquele juízo duro que tenho no coração contra o meu irmão, a ferida não curada, aquele mal não perdoado, o rancor que só me faz mal, é uma parte de guerra que tenho dentro, é um fogo no coração que deve ser apagado a fim de não irromper num incêndio” (F. T. 243).
As nossas comunidades cristãs estão chamadas a viver relações fraternas dentro de si e a serem boas escolas e sacramento da fraternidade que o mundo procura e de que tanto necessita. Cada um interrogue-se: quanto amor tenho colocado na construção de laços de fraternidade? Procuro construir pontes de encontro com os afastados? Procuro aproximar-me também, como Francisco, dos que não me são tão simpáticos?
Termino com a última despedida de S. Francisco também para nós hoje: “Eu fiz a minha parte; Cristo vos ensine a fazer a vossa”! Por intercessão de S. Francisco peçamos a Deus que nos ensine e ajude a fazer a nossa parte. Caminhemos todos juntos como irmãos!
Leiria, 4 de outubro de 2021.
† Cardeal António Marto, Bispo de Leiria-Fátima
Refª: CE2021B-008