Nos dias 29 de julho a 7 de agosto, participaram na Peregrinação Europeia de Jovens (PEJ), em Santiago de Compostela, 49 jovens das Dioceses de Leiria-Fátima, Coimbra, Portalegre-Castelo Branco, Porto, Santarém e do Movimento Juventude Doroteia, com mais algumas centenas de jovens vindos de Portugal, chegando aos 12.000 de vários pontos da Europa.
Durante os primeiros 5 dias, 46 desses jovens peregrinaram a pé até chegarem à cidade do apóstolo-amigo, Santiago, percorrendo montes, vales e aldeias, pernoitando em pavilhões, tomando banhos gelados com duches improvisados, fazendo caminho com dezenas de outros jovens no caminho Minhoto Ribeiro. Ao chegarem a Santiago, aproveitaram 4 dias de grande festa pelas ruas da cidade, com acesso a workshops, concertos, ateliers vocacionais, momentos intensos de diversão e oração e com a presença dos Símbolos da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) do início ao fim da PEJ e, em particular, num momento de oração preparado para os jovens portugueses.
Descrever o que aconteceu em Santiago de Compostela e no caminho seria pouco para compreender o que lá vivemos nestes dias e as palavras de quem por lá passou pareceram-nos as mais verdadeiras para dar a conhecer a experiência de peregrinar como Igreja jovem:
Fomos Igreja peregrina
A peregrinação começou no momento em que aceitei o desafio que Deus colocou no meu coração, de fazer este Caminho acompanhada e poder participar na Peregrinação Europeia de Jovens (PEJ).
Antes da partida, fizemos uma breve oração e meditamos numa leitura do livro do Êxodo (Saída). Recordo as palavras do Bispo D. José Ornelas: “Para caminharmos com os pés, precisamos de caminhar com o coração”. Estas palavras ganharam sentido no Caminho. Deixar que os meus pés se desprendessem da terra só foi possível porque o meu coração estava disponível para viver e saborear cada momento, assim como estar atenta à presença de Deus nas pequenas coisas e em todos aqueles com quem partilhei o Caminho.
O Caminho Minhoto Ribeiro foi uma verdadeira metáfora da vida. Como tal, umas vezes encontramos setas que nos orientam sobre o sentido a seguir, e temos certezas sobre as decisões a tomar, outras vezes, andamos desorientados, sem saber para onde ir. O caminho nem sempre estava bem sinalizado e foram muitos os obstáculos que encontrámos: subimos montanhas íngremes, percorremos terrenos com mato alto, com fetos e silvas, saltámos muros, andámos quilómetros de estrada sem nenhuma habitação, foram poucas as horas de sono, partilhámos o espaço onde dormimos com dezenas de jovens. Mas esses obstáculos tornaram-se oportunidades; oportunidades de desprendimento, por meio da oração de entreajuda, de incentivo uns com os outros para continuarmos, de apoio mútuo e de superação das nossas capacidades.
No Caminho também senti que passei pelo deserto, como Jesus, quando os pés andaram sobre terrenos arenosos, fazendo poeira, sob o sol escaldante e com poucas sombras. No entanto, senti-me sempre acompanhada; e isso fez toda a diferença.
Nunca me senti sozinha; caminhávamos juntos. Embora uns fossem mais à frente e outros mais atrás, existia uma união entre nós; essa união não era tanto física, porque estávamos um pouco distantes, mas espiritual. Todos buscávamos Deus; ainda que as motivações fossem diferentes, a meta era a mesma. Numa das breves paragens que fizemos, vimos uma placa que dizia “No corras! Que a donde tienes que llegar es a ti mesmo!”. A verdadeira beleza esteve no Caminho, no chegar a mim através dos outros. Na memória ficam as conversas profundas, as partilhas, as missas ao pôr do sol, os convites de reflexão e oração fraterna, os gestos de caridade, os momentos em que percorremos o Caminho e as vezes em que o Caminho nos percorreu, as lágrimas, as dores, as músicas que cantámos juntos, os sorrisos e abraços fortes e a comunhão entre nós. Fomos verdadeiramente Igreja peregrina.
Ana Lúcia Ferreira – Diocese de Leiria-Fátima
Passo a passo
Diria António Machado (1875-1939), célebre poeta castelhano, que “o caminho faz-se caminhando”. Foi, de facto, assim que o fizemos, quilómetro por quilómetro. Passo por passo, fomos construindo este caminho que nos levou ao encontro do apóstolo-amigo, Santiago! Mas não o teríamos feito senão pela via do Coração. À partida, fomos exortados por D. José Ornelas, a caminhar com o coração, para que os pés pudessem andar. E foi pela via do coração que tentámos sempre seguir por este caminho que desde o início se revelou difícil. Foi pelo coração que procurámos na simplicidade da brisa fresca, no gole de água fresca, na sombra tímida das árvores, a força para seguirmos. Foi pelo coração que fomos seguindo as setas duvidosas e já apagadas do caminho. Foi pelo coração que, ao final de cada dia, esperámos cada um que ia chegando, ao seu ritmo, e com ele celebrámos mais uma conquista. Passo a passo, mais curtos ou mais longos, mais apressados ou mais sofridos, fizemos caminho, ao encontro de Santiago, ao encontro de uns com os outros, ao encontro do mais profundo de cada um de nós. Ao encontro de um Deus que nos fez capazes de o acharmos em cada um que por nós passou e que se revelou a cada momento, nas nossas maiores dificuldades e superações. Os quase 130km percorridos diluem-se agora numa ânsia de continuar a trilhar este rumo certo, esta vida renovada em Cristo e em cada irmão que caminhou ao nosso lado, um eterno peregrinar. Ainda estamos a caminho!
Bruna Remelgado – Juventude Doroteia
Esta é a juventude do Papa
O encontro com o outro tem sempre algo de extraordinário, para mais quando esse outro nos leva a sair da nossa zona de conforto, a ir ao encontro do desconhecido, falar e ouvir outras línguas, ver outras realidades.
A Peregrinação Europeia de Jovens desafiava-nos, a todos, a levantarmo-nos, a ser testemunho deste Cristo vivo no mundo de hoje. A chegada a Santiago por si só já é emocionante, adicionamos a isso os quilómetros percorridos a pé, e sermos recebidos por outras línguas, por outros jovens que, tal como nós, pretendem ser rosto de Cristo. Num mundo que anuncia diariamente o fim da cristandade jovem, a Peregrinação Europeia de Jovens (PEJ) quis provar exatamente o contrário, quis demonstrar (e provar) que os jovens de hoje continuam a acreditar em Deus, e desejam anunciá-Lo a plenos pulmões, através da alegria vivida em cânticos e danças.
Santiago de Compostela foi pequena para os cerca de 12 000 jovens que não desejam ficar adormecidos no sofá, nem viver uma religiosidade amorfa. Santiago de Compostela foi antes a prova de que “esta é a juventude do Papa”, uma juventude viva e pronta para ser feliz em Deus, porque essa é a verdadeira felicidade que vale a pena ser vivida.
Ana Filipa Oliveira – Diocese de Santarém
O Caminho ensina-nos a viver
Peregrinar é viver. Não é por nada que ouvimos a expressão “peregrinação na terra”: de facto, o ser humano caminha sempre em direção a algo que considera um bem maior do que todas as outras coisas.
São Tomás de Aquino descreve Deus como o “summum bonum”, o “bem supremo”. No Caminho, somos confrontados com a realização de que nem sempre temos Deus como o expoente máximo das nossas vidas. Para além disso, percebemos que isso faz-nos sofrer e causa sofrimento naqueles que nos rodeiam – se o meu expoente máximo for o poder, vou olhar para os outros como meios para atingir esse fim, violando a sua dignidade no processo.
Mas Santiago reorienta-nos para Jesus, o único que necessitamos e que deve ser o centro das nossas vidas se as queremos viver em harmonia.
A vida não é fácil. É através do mergulho em direção ao desconhecido que abrimos um ponto de entrada para a graça de Deus nas nossas vidas: aquele que aceita a aventura proposta por Deus rapidamente percebe que não a faz sem fé, isto é, sem confiança Nele, nas Suas promessas e na Sua providência divina. É isto que o caminho nos ensina: através dos obstáculos que encontramos e das dúvidas que nos assombram, vemo-nos obrigados a redirecionar o nosso foco para o “unum necessarium” (palavras de Jesus a Marta, que se deixava apoquentar e, por isso, se esquecia daquele que é o mais importante, Deus). Vemo-nos obrigados a sair do drama aborrecido em que o “eu” é a personagem principal e a entrar no grandioso e mais interessante plano de Deus para nós onde Ele é o centro das coisas.
Ao nos apresentarmos ao Pai desta maneira, rapidamente percebemos que o propósito da vida está em sairmos de nós próprios de modo a irmos ao encontro do outro – ao olharmos para a Cruz, vemos que a melhor maneira de viver é dando a vida, amar como Jesus amou. Viver a vida é também ter a humildade para dar ao outro a oportunidade de nos amar – e isso não tem mal nenhum. Pelo contrário, todos sabemos que o coração anseia por amor: quer amar e ser amado.
A palavra aqui é “viver”. O Caminho ensina-nos como viver à maneira de Cristo, viver intencionalmente, olhando para o Pai e caminhando “à luz da fé e não do que se vê”, abraçando a esperança que permite que um trabalhe para obter o “bem futuro” que é o seu objeto (da esperança): a comunhão com o Pai.
Cristo vive e quer-nos vivos
Dizem que os peregrinos de Santiago quando regressam a casa levam um canto nos lábios e uma estrela na frente e nesta peregrinação não podia ser diferente.
Durante cinco dias juntámo-nos, jovens de países e culturas diferentes, apenas com um propósito: levantarmo-nos e sermos testemunhas, que o apóstolo Santiago nos esperava. Pudemos visitar a cidade, ter catequeses em que a partilha de grupo nos fez ver mais além, disfrutar de uma vigília emocionante e, acima de tudo, crescer na fé.
Num ponto de vista mais pessoal, vi sorrisos, lágrimas e felicidade com aqueles com quem me cruzei e, tal como eles, também o meu grupo foi o espelho de união, alegria e, sobretudo, espelho de Deus. Ter a oportunidade de, a cada dia, saber que aquele ia ser mais um passo firme na minha fé e saber que ao meu lado estavam outros tantos jovens a caminhar fez-me perceber que estamos na direção certa e de que a viagem quando acompanhada é sempre melhor.
Agora, já em casa, olho todos os dias para esta estrela que me guia e agradeço a oportunidade de poder viver em Cristo, porque “Ele vive e quer-te vivo”.
Carolina Proença – Diocese de Coimbra
Aquele que vai acompanhado, chega mais longe
É difícil expressar por palavras aquilo que foi um acontecimento tão emotivo, especial e único na minha vida e daqueles que o puderam vivenciar.
É difícil falar daqueles que ao longo de todos estes dias foram a nossa família, essas mesmas pessoas que em determinados momentos nos davam força para acordar, nos apoiavam nos momentos difíceis, nos chamavam para comer, nós diziam quando estavam disponíveis as casas de banho e que até nos guardavam uma simples tomada elétrica para podermos carregar o nosso telemóvel, pelo menos, sem nos emocionarmos.
Chegamos como meros estranhos, a olhar uns para os outros sem saber muito bem o que iria sair dali. Sabíamos apenas que estava ali pessoas de várias dioceses e grupos. Mas assim que chegamos à nossa primeira paragem, uma bola perdida e um simples jogo de futebol foi o melhor que aconteceu para nos irmos conhecendo. Logo ali foram-se criando laços e conexões que, à medida que o tempo passava, se iam fortalecendo.
Como eramos oriundos de diversas zonas de Portugal, foi engraçado ao longo do caminho irmos conversando e percebendo as variações linguísticas de cada região, as “discussões” que se geravam por causa simplesmente da forma como se pronunciavam certas palavras, mas que no final acabavam sempre com risos e momentos de bastante alegria.
Esta peregrinação serviu também podermos perceber como é a realidade da vida de outras pessoas, as suas dificuldades e fragilidades, mas também as suas alegrias e sonhos. Os momentos de partilha e convívio que fomos tendo ao longo de todos estes dias foram bastante importantes para começarmos a olhar para os outros de forma diferente, a “Levantarmo-nos e sermos testemunha” uns para os outros.
Posso dizer com toda a convicção e orgulho que aqui ganhei uma nova família e, tal como dizia muitas vezes ao longo do caminho, e especialmente nos momentos mais difíceis desta peregrinação: aqui não temos grupos ou dioceses, aqui somos uma família. E a família nunca fica para trás.
Termino apenas transcrevendo a frase com maior significado de toda a nossa caminhada:
“Quem caminha sozinho pode até chegar mais rápido, mas aquele que vai acompanhado, com certeza vai mais longe.” Clarice Lispector
Francisco Rosa – Diocese de Portalegre-Castelo Branco
A missão de acompanhar
Como responsável do Serviço Diocesano da Pastoral Juvenil tenho bem presente qual a minha missão: levar os jovens a encontrarem-se com Jesus Cristo. Este é o horizonte de fundo mais essencial neste trabalho. Há muitas vias para levar a cabo esta missão, desta vez escolhemos a experiência da peregrinação a Santiago de Compostela.
Para mim, é sempre uma alegria enorme sentir-me a viver numa Igreja aberta, descomplexada, sem ocultamentos egoístas e foi isso que encontrei nesta peregrinação. Antes de mais, porque foi sonhada conjuntamente por Leiria-Fátima e Coimbra, mas logo se juntaram as outras dioceses do centro do país e, mais tarde, a diocese do Porto e a Juventude Doroteia, que nos confiaram os seus jovens numa diversidade riquíssima. Pelo caminho, as dioceses de Lisboa e o Movimento dos Focolares foram sendo parceiros de caminho. A Igreja de Jesus Cristo não pode ser outra, e esta forma de estar em fraternidade eclesial é percebida e apreciada pelos jovens.
Ao longo desta semana, simplesmente aceitei o desafio de organizar uma proposta audaciosa como esta e criar as condições materiais, humanas e espirituais para que o Espírito Santo agisse em tudo o que uma experiência de peregrinação pode proporcionar, mas, sobretudo, para que os próprios jovens fossem a presença de Deus uns para os outros. É fundamental deixar que os jovens evangelizem os jovens, dar espaço para que a experiência de fé de cada um leve a presença de Cristo aos outros. Uma lição que fica destes dias: deixemos que os jovens sejam protagonistas na evangelização de outros jovens.
No entanto, como dizia um deles num momento de partilha final, “a dimensão sacramental proporcionada pela presença do sacerdote foi indispensável”, precisamente por ser uma presença sacramental, não apenas pela oportunidade da celebração da Eucaristia diária ou da Confissão, mas pela densidade da presença sacramental de Cristo que o padre proporciona na simples presença, na atenção ao outro, na conversa informal, nas graças, nos abraços, nos desabafos…
A partilha destes dias com os jovens que fizeram o caminho e depois com os 12.000 que estiveram na Peregrinação Europeia de Jovens, fez-me identificar novas linguagens na expressão da fé dos jovens de hoje. Senti que os jovens esperam da Igreja mais do que poemas bonitos cuja compreensão exige uma reflexão que dispersa. Acompanhei palestras, exposições, concertos e estilos musicais verdadeiramente alternativos, alinhados com a linguagem estética e a cultura musical dos jovens de hoje, que envolve os jovens numa dimensão espiritual que implica a vida para além daquele momento.
P. André Batista – diretor do Serviço Diocesano de Pastoral Juvenil de Leiria-Fátima