Renovação da Igreja tem de continuar 60 anos após o Vaticano II

Entre os aspetos que vieram em relevo na visão da Igreja sobre si própria, está a consciência de conter pecadores entre os seus membros e ela mesma ser pecadora, o que não foi bem aceite por alguns.

No passado dia 11 de outubro, celebraram-se os 60 anos da abertura do Concílio Vaticano II. Um acontecimento que visou “fomentar a vida cristã entre os fiéis” (SC 1), promover a renovação da Igreja e a sua abertura ao mundo, onde está presente e procura servir segundo o espírito de Cristo e o Evangelho. A renovação deveria acontecer pela maior fidelidade e a atenção aos sinais dos tempos, como veículos da inspiração e impulso do Espírito Santo. Daí se iniciou um longo e largo caminho de retorno às fontes da fé cristã e de diálogo dentro e fora da Igreja, procurado entrar em relação e cooperação com todos. O grande objetivo seria testemunhar vivamente Cristo, anunciar que Deus não recusa ninguém e quer que todos possam reconhecer e viver como seus filhos e caminhar para Ele, por variados caminhos. Neste horizonte, a Igreja reconhece-se e age como “sinal e instrumento de unidade com Deus e entre todos os homens”, procurando reconhecer e valorizar a diversidade de crenças, visões e meios que existe na humanidade e empenhar-se na construção da fraternidade entre todos os homens e os povos.

Entre os aspetos que vieram em relevo na visão da Igreja sobre si própria, está a consciência de conter pecadores entre os seus membros e ela mesma ser pecadora, o que não foi bem aceite por alguns. Afirma o Concílio: “Enquanto Cristo «santo, inocente, imaculado», não conheceu o pecado, mas veio apenas expiar os pecados do povo, a Igreja, contendo pecadores no seu próprio seio, simultaneamente santa e sempre necessitada de purificação, exercita continuamente a penitência e a renovação” (LG 8). E ainda: “Porque todos cometemos faltas em muitas ocasiões, precisamos constantemente da misericórdia de Deus e todos os dias devemos orar: «perdoai-nos as nossas ofensas»” (LG 40). Se é verdade que a Igreja é santa, pela presença e atuação da graça de Deus nela, não o é menos que continua a cometer e a ser afetada pelo pecado, pelo que precisa de o reconhecer e se converter ao genuíno espírito cristão.

Quando aquelas declarações foram aprovadas, estava-se muito longe do que presentemente se veio a conhecer com a denúncia da prática de muitos milhares de abusos sexuais, de poder e de consciência sobre menores e adultos vulneráveis, por parte de ministros da Igreja, e o seu encobrimento pelas autoridades da mesma, em variadas partes do mundo. Ela, que se propusera estar presente no mundo e ao seu serviço, foi acusada, julgada e condenada na praça pública e em muitos tribunais. O escândalo foi e continua a ser grande e a credibilidade da Igreja está muito abalada. Foi talvez a coisa mais abominável que lhe poderia ter acontecido: ferir gravemente a quem deveria proteger, cuidar e educar, e não atender às queixas das vítimas, mas proteger os encobridores e a si própria. Deste modo não combateu o mal e tornou-se cúmplice do mesmo.

A Igreja está por isso exposta presentemente à vergonha e humilhação públicas. É o mundo que a julga pelas más obras de muitos dos seus membros. Ora, tão graves, extensos e inadmissíveis crimes e pecados, embora sejam só de uma parte dos membros, envolvem e mancham todo o Corpo de Cristo, pelo que a reação só pode ser de sincero arrependimento, pedido de perdão às vítimas e tomada de medidas para cuidar delas e possibilitar-lhes a cura. Ao mesmo tempo, é preciso empreender um novo caminho de prevenção, respeito e amor efetivo para com todas as pessoas a quem a Igreja quer e deve servir, conforme é sua missão.

Assim, a renovação conciliar da Igreja tem que continuar de modo a abranger as quatro dimensões da conversão: religiosa, intelectual, moral e espiritual (C.M. Martini). Envolve cultura, teologia, liturgia, direito canónico, formas e métodos de anúncio da mensagem, visão e ação pastoral, em ordem a assumir um estilo mais autenticamente evangélico e fraterno que lhe permita uma presença e ação mais frutuosa no mundo. Isso implica a reorganização de comunidades, a diversificação e coordenação de ministérios e nova conceção do exercício da autoridade como verdadeiro serviço em comunhão e colaboração com os demais fiéis. Tal não é possível sem uma profunda e intensa vivência da espiritualidade cristã, numa atenção e obediência ao Espírito Santo, como o autêntico sujeito inspirador, guia e sustento da vida de cada cristão e da ação pastoral. Esta há de estar movida e imbuída de um amor verdadeiro e respeitador em relação a todos. 

A Igreja existe para acolher, viver e testemunhar o Evangelho a todos. Como o Concílio, também ela, “ouvindo religiosamente a Palavra de Deus e proclamando-a com confiança, faz suas as palavras de S. João: «anunciamo-vos a vida eterna, que estava junto do Pai e nos apareceu: anunciamo-vos o que vimos e ouvimos, para que também vós vivais em comunhão connosco, e a nossa comunhão seja com o Pai e com o seu Filho Jesus Cristo» (1 Jo 1, 2-3)”. Nesse sentido, propõe-se dar a conhecer a todos quanto Deus nos revelou e foi transmitido ao longo do tempo, “para que o mundo inteiro, ouvindo, acredite na mensagem da salvação, acreditando espere, e esperando ame” (DV1). Para cumprir a sua missão e ser aceite pelo mundo, tem que aprender também com ele, como está a acontecer com a questão dos abusos, escutando e fazendo justiça às vítimas, punindo os abusadores e tomando precauções para que não continuem a cometer o mal.

O Papa Francisco propõe, lidera e anima este processo de renovação com o caminho sinodal. Quer de facto envolver todo o povo de Deus na escuta juntos da Palavra de Deus, uns dos outros e do Espírito Santo, fazendo o discernimento comunitário. É um processo espiritual e pastoral, ao mesmo tempo. Aos diversos níveis da Igreja, há de levar à identificação de passos a dar, novos modos de proceder nas comunidades cristãs e formas e oportunidades para partilhar com outros o dom do Evangelho, promover a justiça social e proporcionar a fraternidade que nasce da comunhão na vivência do Evangelho e do amor de Cristo. A renovação não vem de fora, embora possa ser também provocada de fora. Vem sobretudo de dentro, onde Deus inspira, converte e move a um novo estilo cristão de vida pessoal e comunitário. Mas depois traduz-se também em linguagens e formas visíveis na comunidade e na sociedade.

Oxalá não percamos esta esperança e possamos ver os primeiros sinais de renovação.

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