Relatório FAIS 2016-2018: Liberdade religiosa está cada vez mais ameaçada no mundo

A liberdade religiosa está cada vez mais deteriorada no mundo e há uma ameaça mais significativa contra as comunidades cristãs. Para sensibilizar a opinião pública para este drama, hoje (28 de novembro), pelas 20h00, vários edifícios icónicos por todo o mundo serão iluminados a vermelho, incluindo quatro em Portugal.

Luís Miguel Ferraz, com Fundação AIS

 

O Relatório sobre a Liberdade Religiosa no Mundo, divulgado no passado dia 22 de novembro, em Lisboa – perante mais de sete dezenas de pessoas – e em simultâneo nas principais capitais europeias, é taxativo: 61% da população mundial vive em países onde a liberdade religiosa não é respeitada, o que significa que 6 em cada 10 pessoas podem não conseguir expressar a sua fé com total liberdade.

2018-11-28 fais2E os sinais dos tempos apontam para um agravamento desta situação. “De um modo geral, a tendência é para isto piorar”, afirmou o professor Jaime Nogueira Pinto durante a apresentação do Relatório da Fundação Ajuda à Igreja que Sofre (AIS) – que incide sobre o período entre Junho de 2016 e Junho deste ano –, e que teve, pela sua importância, o Alto Patrocínio do Presidente da República Portuguesa.

O estudo elaborado pela Fundação AIS – o único que é produzido por uma entidade pertencente à Igreja Católica – analisa o grau de cumprimento em todos os 196 países do mundo em relação à liberdade religiosa, tal como está expresso no artigo 18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Dessa análise, compreende-se que em 38 países há violações significativas da liberdade religiosa; em 17 há discriminação por crenças religiosas; e em 21 há casos documentados de pessoas perseguidas por causa da fé, agredidas e até mortas.

Outra das constatações deste exaustivo trabalho é o avolumar de uma onda nacionalista agressiva que está a alimentar o ódio religioso e que os países ocidentais estão a falhar na contenção deste problema. O “ultra-nacionalismo”, que é da responsabilidade tanto de atores governamentais como de grupos não-estatais, tem vindo a provocar um aumento do ódio contra as minorias religiosas em vários países, nomeadamente potências regionais como a Índia, China ou Myanmar. Nesses países com Estados autoritários e nacionalismo extremo vivem mais de 3 mil milhões de pessoas.

O analfabetismo religioso no Ocidente – destacado por Jaime Nogueira Pinto, que falou também na “descristianização da Europa” – coincide com o facto de “não existir uma agenda política de defesa da liberdade religiosa no mundo”, e está a contribuir para o avolumar deste problema. Essa “cortina de indiferença”, que resulta da conjugação destes fatores, acaba por penalizar fortemente as comunidades religiosas minoritárias que são vítimas de ataque e perseguição.

“A maioria dos governos ocidentais falhou em dar a assistência urgente necessária aos grupos religiosos minoritários, em especial às comunidades deslocadas que desejam regressar a suas casas”, pode ler-se no Relatório. É o caso, por exemplo, do regresso das comunidades cristãs às suas aldeias e vilas no norte do Iraque após a derrota militar do Daesh, os jihadistas do autoproclamado Estado Islâmico.

No Relatório da Fundação AIS é observado ainda que o Ocidente tem ignorado em grande parte a enorme expansão de movimentos extremistas islâmicos em certas regiões de África, Médio Oriente e Ásia. De acordo com o documento, o choque entre sunitas e xiitas, os principais ramos do Islão, é um dos principais responsáveis pelo crescimento desta onda extremista. O avanço do jihadismo militante está a ameaçar cada vez mais a liberdade religiosa na faixa central da África, assim como são preocupantes os sinais da expansão do “ultra-nacionalismo” em países como a Índia, onde se registou um número crescente de casos de perseguição e de abuso das minorias religiosas no período em análise.

No Relatório afirma-se ainda que o agravamento da intolerância em relação às minorias religiosas significou, pela primeira vez, desde que a Fundação AIS produz este trabalho de investigação – há 19 anos – que dois novos países, a Rússia e o Quirguistão – foram colocados na categoria “discriminação”.

Em relação aos países da Europa, o Relatório destaca o surto de ataques extremistas, ameaça que pode ser qualificada de “terrorismo de vizinhança”. Ou seja, é um perigo “universal, iminente e sempre presente”. No Relatório sublinha-se ainda o crescimento tanto da islamofobia como do anti-semitismo no Ocidente.

Como resultado dos dados deste relatório, estima-se que 327 milhões de cristãos vivam em países onde há perseguição religiosa e 178 milhões em países onde são discriminados por seguirem uma religião. Isso significa que 1 em cada 5 vive em países onde há perseguição ou discriminação.

 

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A liberdade religiosa em Portugal

Em Portugal, a Constituição garante o direito à liberdade religiosa, assegurando que ninguém pode ser “perseguido, privado de direitos”, mas também não pode ser “isento de obrigações ou deveres cívicos por causa das suas convicções ou prática religiosa”, embora a objeção de consciência seja garantida.

Na lei portuguesa, “as Igrejas e outras comunidades religiosas estão separadas do Estado e são livres na sua organização e no exercício das suas funções e do culto”. É garantida “a liberdade de ensino de qualquer religião praticado no âmbito da respetiva confissão”, “bem como a utilização de meios de comunicação social próprios para o prosseguimento das suas atividades”.

As relações entre o Estado Português e a Igreja Católica são reguladas pela Concordata de 18 de maio de 2004. Com as restantes confissões religiosas, essa relação pauta-se pela Lei da Liberdade Religiosa, de 22 de junho de 2001, segundo a qual as confissões minoritárias podem também celebrar casamentos religiosos com efeitos civis, bem como prestar assistência espiritual e religiosa nas Forças Armadas e de Segurança, nos estabelecimentos prisionais e nos hospitais dependentes do Serviço Nacional de Saúde.

Nenhuma Igreja ou religião é financiada pelo Estado, embora este possa apoiar a construção de igrejas e obras de cariz social e assistencial, em como determinar alguns benefícios fiscais.

Para acompanhar a aplicação desta Lei, foi criada em 2003 uma Comissão de Liberdade Religiosa, órgão independente de consulta da Assembleia da República e do Governo, atualmente presidida por um dos seus autores, Vera Jardim, ex-ministro da Justiça.

 

Pequenos incidentes

No período em análise, o Relatório aponta que “não houve em Portugal incidentes significativos envolvendo lugares de culto, sendo a quase totalidade dos casos registados furtos e atos de vandalismo”, com especial incidência na Diocese de Beja.

A questão da isenção de IMI relativo a edifícios pertencentes à Igreja Católica ganhou alguma expressão neste período, como aconteceu na Diocese de Leiria-Fátima. Várias paróquias receberam notas de cobrança do imposto sobre igrejas e casas destinadas a fins sociais, o que levou a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) a acusar a falta de cumprimento da Concordata pelo Estado. O Ministério das Finanças veio esclarecer que as disposições sobre este assunto “não sofreram recentemente qualquer alteração”, mas ainda há casos por resolver.

Entre os episódios que ganharam algum mediatismo conta-se, também, a perda de financiamento do Estado por cerca de metade dos colégios católicos com contratos de associação, o que motivou um comunicado da CEP em defesa da liberdade dos pais em escolherem a escola e os projetos educativos que desejam oferecer aos filhos.

Também a Associação de Imprensa de Inspiração Cristã apresentou ao Presidente da República a sua “preocupação e indignação” pela discriminação que as publicações associadas, bem como da imprensa regional em geral, têm vindo a ser alvo por parte da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, sobretudo nas exigências legais para acesso aos apoios do Estado e na imposição da sua classificação como “doutrinárias”.

Ainda em debate estiveram os temas da eutanásia e do aborto, com algumas intervenções a relacionarem-se com o respeito pela liberdade religiosa dos cidadãos e dos profissionais de saúde. A CEP manifestou publicamente que a rejeição dos projetos de lei sobre a legalização da eutanásia foi “uma vitória da vida em todo o seu sentido, da vida que nunca deveria ser posta à votação tendo em vista a sua eliminação” e valorizou o empenho de “inúmeras instituições” na defesa da vida, entre as quais muitas “comunidades cristãs e os seus pastores”.

 

Futuro tranquilo

Segundo o Relatório, não se registaram, no período em análise, casos significativos de discriminação por razões religiosas ou abusos de liberdade religiosa que possam ser imputáveis ao Estado ou a outras entidades, nem se perspetivam num horizonte temporal próximo tensões sociais, económicas ou políticas que façam prever uma alteração desta situação. Aliás, alguns acontecimentos ocorridos neste período permitem antever que a questão da liberdade religiosa ou da perseguição às comunidades cristãs poderão vir a ganhar um protagonismo assinalável. O facto de, nos dois anos em análise, se ter registado a audição da Fundação AIS por três vezes em Comissões da Assembleia da República indicia a crescente importância que é atribuída pela instituição parlamentar a estas questões.

Exemplo também da importância que a questão da liberdade religiosa já granjeou junto do poder político em Portugal é o facto de, em Outubro de 2016, na véspera de uma audição da Fundação AIS na Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas da Assembleia da República, precisamente sobre a questão da perseguição aos Cristãos no mundo, mais de seis dezenas de deputados, de todos os espectros partidários, terem entregado uma carta na embaixada do Paquistão em Lisboa em que se pediu a libertação de Asia Bibi. Nessa carta, os deputados invocaram a necessidade de “salvaguarda da liberdade religiosa” que é “inerente a qualquer pessoa”, assim como a defesa de todos os outros direitos humanos fundamentais.

 

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Jerónimos, Clérigos, Cristo-Rei e Basílica dos Congregados iluminados de vermelho

Para combater a indiferença da sociedade perante a perseguição aos cristãos, está prevista para hoje, dia 28 de novembro, às 20h00, a iniciativa promovida pela Fundação AIS de iluminar de vermelho – a cor do sangue – alguns dos monumentos mais icónicos de algumas das principais cidades do mundo. Acontecerá também em Portugal, com o Mosteiro dos Jerónimos (Lisboa), a Torre dos Clérigos (Porto), o Santuário do Cristo-Rei (Almada) e a Basílica dos Congregados (Braga).

Já em fevereiro passado o mesmo aconteceu nestes dois últimos monumentos, no contexto da grande jornada de oração e de sensibilização da opinião pública para este drama, que juntou então também o Coliseu de Roma, a Catedral maronita de Santo Elias, em Alepo, na Síria, e a Igreja de São Paulo, em Mossul, no Iraque.

Também desta vez, a iniciativa, que mereceu o aplauso do Santo Padre, classificando-a como “providencial” para recordar ao mundo o drama da perseguição religiosa, será acompanhada por celebrações e orações anunciadas em inúmeras paróquias e movimentos.

 

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Asia Bibi libertada depois de oito anos na prisão

Um dos casos mais mediáticos dos últimos anos foi o da prisão da cristã paquistanesa Asia Bibi, mãe de cinco filhos, acusada de blasfémia em 2009, após ter alegadamente insultado o profeta Maomé durante uma discussão com um grupo de mulheres com quem trabalhava. Julgada em novembro de 2010, foi-lhe decretada a pena de morte, sentença confirmada quatro anos depois pelo Supremo Tribunal de Lahore, capital da província de Punjab, onde ocorreu o incidente.

A blasfémia é uma questão extremamente sensível no conservador Paquistão e mesmo acusações não provadas resultam muitas vezes em violência popular. O caso de Asia Bibi teve impacto internacional e chegou a atrair a atenção dos Papas Bento XVI e Francisco.

Só após passar 8 anos no corredor da morte, no passado dia 31 de Outubro, Asia Bibi viu o Supremo Tribunal paquistanês absolvê-la de todas as acusações e ordenar a sua libertação. Para isso terá contribuído a grande pressão internacional, mas vários grupos extremistas islâmicos continuam a manifestar a sua fúria e a insistir na sua execução.

 

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Fundação Ajuda à Igreja que Sofre

Fundada em 1947 como uma organização católica de ajuda para refugiados de guerra e reconhecida desde 2011 como fundação pontifícia, a AIS – Ajuda à Igreja que Sofre (ACN – “Aid to the Church in Need”, na versão internacional) dedica-se ao serviço dos cristãos no mundo inteiro – através da informação, oração e ação – especialmente onde estes são perseguidos ou sofrem por necessidades materiais. A Fundação financia todos os anos uma média de 6.000 projetos em aproximadamente 150 países, graças às doações de particulares, dado que a fundação não recebe financiamento público.

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