Mas, haverá mesmo alguma relação entre a espiritualidade e o cuidado da terra?
Antes de mais, o que é a espiritualidade?
É muito mais que religiosidade. É a dimensão profunda da Pessoa Humana, as suas riquezas e capacidades, seus talentos.
E como se manifesta esta espiritualidade ao cuidar da terra?
Aprendi desde pequenina com o meu pai que era agricultor. Ele falava com as plantas. Admirava-as e agradecia-lhes os seus frutos. Contemplava o nascer e o pôr do sol e escutava o canto dos passarinhos. Quando o trabalho era mais duro e difícil, ensinava-me a oferecê-lo a Deus por alguém que estivesse a sofrer e precisasse de ajuda. As situações conflituosas em casa eram desfeitas no trabalho do campo.
Aos 23 anos fui para o convento. Senti o doloroso corte da relação com a terra. Foi suavizado quando as Irmãs me deram a possibilidade de ir jardinar. Aí me fui reencontrando. As flores e as plantas comunicavam-me mensagens reconfortantes de encorajamento na caminhada de adaptação.
Mais tarde, como formadora , vi como as jovens em formação captavam muito melhor os conteúdos formativos quando os relacionava com a vida das plantas ao cuidar delas no quintal e no jardim.
E foi a partir destas experiências que a Nascentes de Luz nasceu dentro de mim. Uma casa, um espaço aberto a todos . O quintal do meu avô a ser cuidado e transformado num jardim de acolhimento a quem precisa e deseja encontrar-se consigo mesmo, com os outros e com Deus através da natureza.
O projeto de Permacultura chegou-nos em 2012 = CUIDAR DA TERRA, CUIDAR DAS PESSOAS, PARTILHAR SABERES E RECURSOS. Neste projeto estão já as orientações que o Papa Francisco aponta na Laudato Si em 2016:
É lindo, agradável e reconfortante aprender a olhar e escutar a terra, o solo, o clima e descobrir o que gostam de produzir vida. Aprender a colaborar nesse desejo gostoso que a terra tem de oferecer vida nas plantas, nas ervas, nas flores e na vida animal.
É saboroso constatar como ao cuidarmos da terra ela cuida de nós e faz brotar cá de dentro, do mais profundo, o gosto de viver, o desejo de participar e colaborar com ela. Gera comunhão entre as pessoas e vida, porque tudo está interligado , como diz o Papa Francisco.
Quantas pessoas chegam à NL acabrunhadas, desoladas e em sofrimento. Veem fazer voluntariado no quintal. Enquanto cuidamos dos canteiros vamos falando da vida das plantas e da natureza.
Quando paramos para um breve lanche aí brota a partilha de vida espontânea e a pessoa como que renasce. Isto é admirável! Ao cuidar da terra a pessoa cuida-se a si mesma e brotam as suas riquezas e capacidades profundas: generosidade, gratuitidade, bondade, desejo de mudar de vida, gosto de viver como as plantas e as flores. Isto é espiritualidade. Ou seja, o que há de melhor e mais belo na Pessoa Humana.
O Génesis conta como Deus ao olhar a sua obra criadora viu que era tudo muito bom. É isto a espiritualidade a crescer ao cuidar da terra. É este o grito que a terra lança hoje: ser cuidada e ela cuidará de nós!