Fui à janela ver sair o féretro, porque nas presentes circunstâncias, não nos permitiram mais.
Os olhos arrasaram-se-me, e senti uma certa vergonha, quando olhei as árvores, com a sua profusão de rebentos a anunciar uma Primavera que, apesar da chuva, irrompe por todo o lado..
Fiquei por momentos neste impasse, até que me veio à mente a cena do Evangelho:
“Ao ver Maria a chorar e os judeus que a acompanhavam, Jesus emocionou-Se e ficou perturbado. «Onde o colocaram?», perguntou Ele.
«Vem e vê, Senhor», responderam eles.
E Jesus chorou!
Então os judeus disseram: «Vejam como era seu amigo!»
Mas alguns deles disseram: «Ele, que abriu os olhos ao cego, não poderia ter impedido que este homem morresse?»” (Jo 11, 33-37).
Vejam como era seu amigo! Dizem os judeus, a pensar na amizade de Jesus por aquele homem e sua família. Mas certamente as lágrimas de Jesus nasciam também da lembrança da amizade de Lázaro por Ele.
O teu amigo está doente! Fora o recado que Lhe haviam enviado.
Lázaro era amigo de Jesus; por isso Ele chora perante a sua morte.
E eu percebi que aquelas lágrimas de Jesus eram também as de milhões de homens e mulheres que choram a morte dos amigos: eram também as minhas lágrimas.
Para mim, o padre Gaspar foi muito mais do que um amigo que agora parte. Só não digo para sempre, porque a fé que ele me ajudou a cultivar e a viver, me garante que a eternidade, com a morte, se vai tornando mais próxima, à medida que se quebram as barreiras do tempo e do espaço.
Foi muito mais que um amigo:
Professor com uma capacidade didáctica que compensava largamente a sua falta de preparação científica, foi com ele que eu aprendi a ler “Os Lusíadas” como o inesgotável tesouro de arte e ciência – mais tarde encontraria em Jorge de Sena a sábia referência a 15 séculos de cultura – que encerram os seus dez cantos. Foi ele que me criou o gosto pelo latim, ensinando-me a apreciar a actualidade de autores como Cícero, César, Horácio, Virgílio e Ovídio. E também, de forma muito prática, a ter gosto pela escrita bem cuidada, esmerando-me na propriedade da linguagem e evitando estrangeirismos, arcaísmos e neologismos desnecessários
Também aprendi com ele o que significa para um sacerdote ser leal com a Igreja através da obediência esclarecida e responsável ao bispo, procurando fazer o possível pela unidade do presbitério diocesano. Mesmo quando, por isto ou por aquilo, se é acusado do contrário.
Caríssimo Senhor Padre Gaspar, muito obrigado por tudo! E perdoa-me de nem sequer agora de chamar Cónego, título que te foi concedido com todo o mérito, mas que nunca fui capaz de misturar com o tratamento a que vinha nos meus hábitos, quase desde a infância.
Já não faltará muito para nos reencontrarmos! Intercede por mim junto de Deus a da Sua Mãe Santíssima, à qual dedicaste sempre um carinho especial, que eu viva o resto dos meus dias segundo os melhores princípios que me ensinaste, teórica e praticamente, com a palavra e com o exemplo.