O sol brilhava, nesta extemporânea primavera de fevereiro, tentando alcançar o centro do mundo, esquartejando-se no arame farpado, que delimita os espaços, e esboroando-se na opacidade das grades, que protegem a sociedade dos criminosos ou, quiçá, a sociedade de si mesma. Embora dilacerados, os solarengos raios lá penetraram, refulgindo de beleza, alegria e santidade, nesse lugar central, que no meio de um sistema prisional, permite que o Homem, aqueles homens, quase crianças, se encontrem com Deus, se digam a Deus e se deixem dizer n’Ele e por Ele.
Não obstante o contexto, foi dia de comunhão para quem, quotidianamente, por dever de ofício ou missão, serve ali a humanidade na crueza da marginalidade. Era o dia 21 e o centro do mundo a Capela da Senhora da Libertação do Estabelecimento Prisional Juvenil de Leiria, vulgo Prisão Escola. Os corações estavam todos devotados à acção de graças por cinco jovens que iriam receber os Sacramentos da Iniciação Cristã, juntamente com três jovens que iriam receber o Crisma. Oito passarinhos, com desejo de voar!
A celebração foi presidida pelo Bispo da Diocese, Cardeal Dom António Marto, que se apresentou, com a sua alegria jovial, como irmão de todos, a todos acolhendo no seu abraço de pastor. Participaram familiares dos jovens, que gentilmente os serviços prisionais autorizaram a estar, para abraçar seus filhos e irmãos. Juntaram-se também os colaboradores e as autoridades daquele estabelecimento, reconhecendo o sal e a luz de Jesus naqueles corações. Marcou presença o Director da Direcção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, Rómulo Mateus, que generosamente se quis associar a este momento. Animou a Eucaristia um grupo de jovens da Paróquia dos Pousos, acompanhados de seu pároco, que espontaneamente se ofereceram para abrilhantar o momento. Como não poderia deixar de ser, marcaram presença os Visitadores Samaritanos, que não só se desdobraram em preparações, limpezas e ornamentações, mas também – e sobretudo – marcam presença na vida reclusa destes jovens.
De facto, este dia de festa foi um ponto de chegada, de uma longa caminhada, iniciada em Junho do ano passado. O desafio fora lançado – queres voar mais alto? – e dezasseis corações assim palpitaram. Entretanto, uns voaram para o exterior, manifestando vontade de continuar a alargar horizontes. Outros mudaram de gaiola, sem saber se poderiam continuar a sonhar. Outros ainda concluíram que as suas asas, ou da razão ou da fé ou ambas, não lhes permitia o derradeiro salto. Chegaram oito à meta, convictos, porém, de que o voo estava apenas no início.
‘Não tenhais medo e nunca desistais de voar, porque, por mais funda que seja a queda, aí está o nosso Bom Deus. Olhai para o Bom Jesus na Cruz e dizei: ‘Senhor, sou pecador, mas ajuda-me a ser melhor’. Pedi a força e a consolação do Espírito. Temos uma mãe, que a todos aconchega e nos leva a Jesus, a Virgem Maria, Senhora da Libertação.’ Assim nos exortou o nosso pastor. Assim rezaram os nossos corações. E, assim, disseram ‘sim, renuncio’ e ‘sim, creio’ os oito passarinhos, antes de levantarem voo para a vida nova, neófita, e renovada, confirmada, com a esperança de um amanhã melhor… eterno. Queira Deus que, inseridos plenamente no Corpo de Cristo, estes jovens possam um dia reinserir-se na vida dos seus próximos, naquela reinserção que tanto desejamos, ainda que negligenciemos, e que muitas vezes tarda em chegar.
Afinal, no final, foram estes jovens que nos fizeram voar, dizendo-nos que formamos uma ‘família grande cheia de jóias raras’ e dando voz à nossa oração: ‘Deus Pai Criador,/ Tu me tornaste numa pessoa melhor./ Cristo Filho Salvador, Tu apagaste o pecado do mundo com a Tua dor./ Mas eternamente, para sempre,/ ficará o Teu amor…/ O Espírito Santificador’.
Artigo escrito pelos capelães dos estabelecimentos prisionais