O facto de ter estado na guerra da Guiné, entre 1971 e 1973, é algo que, obviamente, vem muitas vezes ao meu pensamento.
Recentemente, estando em oração na igreja, veio à minha memória um fenómeno natural, a que assisti muitas vezes num destacamento militar nas margens do rio Geba, chamado Mato Cão, em que estive “aquartelado” durante cerca de 9 longos meses, e que é conhecido por macaréu.
O macaréu, para explicar em palavras simples e concisas, é uma onda marítima, sobretudo nas marés mais cheias, que pela sua força, galga a corrente do rio Geba, desde a sua foz em Bissau, até perto de Bafatá, já no interior da Guiné.
Este fenómeno acontece noutros rios, noutros lugares, como por exemplo no Brasil, e é muito curioso, pois podemos dizer que enquanto a onda marítima galga o rio e sobe por ele acima, o rio vai continuando a correr para a sua foz, por baixo da onda do macaréu.
Perguntei-me então o que tinha esta memória a ver com a oração que fazia?
Eis aquilo que fui reflectindo:
O rio corre sempre para o mar, como nós homens, acreditando ou não, “corremos” para o nosso encontro final com Deus.
O mar é uma imensidão, um “todo”, e a sua onda, portanto, tem um enorme poder.
O nosso Deus é o Todo, e o seu poder não tem limites.
A onda do mar, o macaréu, vence o rio, mas não o anula, pelo contrário o rio continua a correr para o mar em toda a sua “identidade”.
O amor e a vontade de Deus, (se o homem quiser), também vence o homem, mas não lhe retira a sua humanidade nem as características próprias de um ser individual e irrepetível, como o são todos os homens.
O macaréu muda o aspecto exterior do rio, torna-o maior, mais caudaloso.
O amor de Deus e a sua vontade, (aceites pelo homem), muda o homem no seu interior, que depois se reflecte na sua imagem exterior, no testemunho que dá como cristão e católico.
E também o torna mais activo, por força dos dons, dos talentos que Deus vai dando a cada um que O procura em «espírito e verdade».
Quando passa o macaréu o rio deixa de se ver, (embora saibamos que ele lá está), pois reflecte apenas a onda marítima que o domina.
O amor e a vontade de Deus, (conformados no homem), faz com que ele reflicta mais Deus do que a sua própria vontade, embora saibamos que é o homem que ali está em todo o seu ser.
O macaréu é muitas vezes aproveitado pelos barcos para subirem e descerem o rio, a fim de chegarem aos seus portos de destino.
O amor e a vontade de Deus, (testemunhado pelo homem), também leva outros homens ao encontro com Deus, que é o seu eterno porto de salvação.
A força do macaréu arranca por vezes árvores das margens do rio, e no seu regresso traz consigo muito lixo que o rio contém.
O amor e a vontade de Deus, (vividos pelo homem), também arranca dele o pecado, e limpa o que está mal e não presta na sua vida.
O macaréu em toda a sua força, dá uma nova vida ao rio, agitando as suas águas e fornecendo mais alimento aos animais que do rio vivem.
O amor e a vontade de Deus, (queridos pelo homem), renovam a sua vida, alimentando-o da Eucaristia, dando-lhe mais vida, e «vida em abundância»*.
Há, pelo menos, duas diferenças muito grandes, no entanto, nesta comparação, embora estas sejam “coisas” que não são comparáveis.
O macaréu impõe-se ao rio, quer o rio queira quer não.
O amor e a vontade de Deus nunca se impõem ao homem, pois quer precisar que o homem se abra por vontade própria a receber tudo o que Deus tem para lhe dar.
O macaréu é periódico e tem graduações de intensidade.
O amor e a vontade de Deus, são eternas, e a sua “dimensão” é o Todo de Deus, no Tudo que em nós quer fazer.
Senhor,
abre o meu coração ao teu amor e à tua vontade,
para que eu seja sempre um homem novo,
na plenitude da vida que amorosamente me queres dar.
Amen.