Faltam dez minutos para as dez da manhã. Chegámos à hora combinada à igreja matriz da Viera de Leiria. Nas instalações anexas, estão os 80 jovens da Missão País que, pelo terceiro ano consecutivo, estão ao serviço daquela paróquia. Preparam-se para partir para mais um dia de missão. Procuramos João Amaral, um dos chefes, foi com ele que marcámos encontro para conhecer este projeto missionário de universitários.
A alvorada foi às 8h00. Até agora, os jovens já tomaram o pequeno almoço e fizeram a oração da manhã, em capela improvisada numa das salas. É dali que vão ser enviados, daqui a nada, para os diferentes âmbitos que esta missão se dedica: quatro lares, a escola, as obras num espaço da paróquia, a preparação de uma peça de teatro para apresentar à comunidade. Este ano, é o terceiro e último que estão na Vieira de Leiria.
Na Diocese, outras missões marcaram, este ano, a sua presença durante uma semana: na Caranguejeira, no Alqueidão da Serra (ver pág. 5) e em Fátima. Todas elas com o objetivo de “levar Jesus às universidades e evangelizar Portugal através do testemunho da fé, do serviço e da caridade”, num projeto que começou em 2003 e que tem atualmente 44 missões por todo o país.
O Presente Leiria-Fátima foi visitar a missão que esteve na Vieira de Leiria, de 18 a 25 de fevereiro.
Acolhimento, transformação e envio
A sustentar a entrega e serviço que vieram prestar à comunidade da Vieira de Leiria, está o espírito missionário de grupo e a missão pessoal de cada um. À porta da capela está uma lista, onde quem se deseja confessar deixa o nome. O Sacramento é garantido pelo pároco, padre Miguel Sottomayor, que nos conta como foi o início da presença da Missão País na Vieira de Leiria.
“Parece que foi ontem que fui contatado pelo padre Bernardo Magalhães, a propor-me receber um grupo de jovens da Faculdade de Direito de Lisboa, naquela que viria a ser a paróquia onde, dentro de poucos meses, eu viria a ser empossado como sacerdote.”
Já foi em 2015. Logo que foi tomada a decisão de os receber, os preparativos arrancaram de imediato.
“Em pouco tempo, reuni com as instituições e algumas pessoas da nossa comunidade, que se prontificaram a ajudar e a acolher, de braços abertos, os primeiros 50 missionários.”
Este ano foram 80, numa missão de “testemunho da Palavra de Deus”, que acolhe, transforma e envia.
“Foram portadores da imagem do Santuário de Schoenstatt, para que Maria fosse ao encontro de quem a recebeu e permitisse as graças do “acolhimento” do amor de Deus por meio de Maria, da “transformação” interior pela ação educadora da Mãe e do “envio” por nos sentirmos impelidos a sair de nós próprios e irmos ao encontro dos outros como missionários. Estas três graças justificam a duração de três anos de missão, em cada território.”
Uma comunidade de braços abertos
Encontramos João Amaral, que chefia a Missão este ano. Cumprimenta-nos, enquanto acolhe Fernanda, uma paroquiana que ali foi levar duas galinhas para servirem de farnel àqueles jovens.
A disponibilidade da “dona Fernanda”, como lhe chamam, é exemplo da forma carinhosa como a comunidade recebeu os missionários desde o primeiro dia. Reformada e viúva, sente-se bem a ajudar aqueles jovens “no que for preciso”.
“Durante o tempo que eles aqui estão, é uma alegria. O que fazem é de uma coragem muito grande, porque saem do seu conforto para virem ajudar os outros”, conta-nos, enquanto é abraçada por Constança, que já a conhece desde 2015 e que faz questão de sublinhar o “envolvimento de toda a comunidade desde o primeiro dia”, nos elogios que faz à senhora.
“Quando chegámos, já tínhamos as mantas prontinhas para não termos frio durante a noite, já tinha feito doce de abóbora… Por dia, conto, pelo menos, três vezes que a dona Fernanda passa na cozinha, sempre com um sorriso na cara, a perguntar se falta alguma coisa.”
A colaboração da comunidade acontece a vários níveis e dos oito aos oitenta. A participar na Missão deste ano, estão quatro elementos do grupo paroquial de jovens, que integram as diversas atividades e serviços.
As galinhas que a dona Fernanda trouxe não são para o jantar de hoje. Na refeição da noite, vão ser recebidos pela população que os acolheu desde que chegaram, como explica João Amaral.
“Durante a semana, os grupos andaram, da parte da tarde, no contacto porta-a-porta e hoje vão ser acolhidos ao jantar pelas famílias da comunidade. Se for como em anos anteriores, no final do dia, regressam todos com um sorriso na cara.”
Mas isso é só mais logo, para já, é altura de ir fazer sorri num lar ali perto. Antes da partida, é feito o envio na capela.
“Missionamos e somos missionados”
Chegamos à capela a tempo de ouvir a oração inicial, a seguir à qual é entregue um ícone de Nossa Senhora de Schoenstatt, onde pende um Rosário de várias cores, como inspiração e força para o serviço que os espera.
O lema deste ano também é inspirado em Maria e celebra o centenário das Aparições de Fátima: “Mãe, vens visitar-me?” (Lc 1, 39-56).
“As visitas de Nossa Senhora a Fátima e o cariz missionário deste projeto, onde cada um de nós se torna instrumento vivo nas mãos de Deus ao visitar as pessoas em suas casas, transmitindo-lhes a alegria de acreditar em Jesus, fizeram com que a Visitação a Santa Isabel por Nossa Senhora se apresentasse como o Evangelho escolhido para guiar a Missão País este ano”, lê-se na página do projeto, em www.missaopais.pt.
Também este grupo de jovens universitários, à imagem de Maria, está de visita a casas, lares e escolas. O grupo de uma dezena que vamos acompanhar vai a um lar.
“Em Portugal, estas missões começaram em 2003, com a Faculdade NovaSBE, de Lisboa, até às atuais 44 missões com mais de dois mil missionários, espalhados pelo país”, explica João Amaral.
Os 80 jovens que vieram em missão para a Vieira de Leiria pertencem, na sua maioria, à Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa. É o terceiro ano que a Missão ali está, num espaço temporal que permite “cumprir as três graças do Santuário de Schoenstatt: acolhimento, transformação e envio”.
As instituições que visitam são definidas antes do início da Missão, até porque são elas que garantem os almoços dos missionários.
“Missionamos e somos missionados. A comunidade mima-nos muito”, diz João, antes de seguirmos viagem.
Um curso e uma experiência de vida
João Amaral tem 20 anos. É esta a média de idades dos jovens que ali estão em missão. Foi a universidade que os uniu neste projeto, ligado ao movimento católico de Schoenstatt, um apostolado mariano nascido na Alemanha durante a II Grande Guerra Mundial. Trata-se de missões realizadas por estudantes universitários, agrupados por faculdades que, durante uma semana de interrupção letiva, partem para diversas localidades para aí oferecerem a sua ajuda voluntária e darem testemunho da sua fé.
João Amaral está no terceiro ano do curso e entrou para a missão logo no primeiro ano de faculdade. Participou nos três anos em que a Missão esteve na Vieira de Leiria e, este ano, assumiu as funções de chefe. Não sabe o que é ser missionário noutra localidade, mas do conhecimento que tem de outros colegas mais velhos, diz que o acolhimento que tiveram em Vieira de Leiria foi “fora do normal”.
Em que medida é que o serviço missionário será útil para estes jovens que estudam Direito? João Amaral já pensou sobre isso e tem a resposta na ponta da língua.
“O curso de Direito consegue ser muito humanitário, mas também perigoso pelo risco de nos fecharmos completamente nas teorias, esquecendo a realidade. Este serviço ajuda-nos a lembrar que há uma dimensão humana em todos os trabalhos.”
Para já, a sala de aula para esta lição é a Vieira de Leiria.
Sorrisos que mudam vidas
Chegamos ao lar “O Sossego”. Assim que entramos, os jovens apressam-se a dar os bons dias a dois utentes que estão à porta.
“Isto com música é bem melhor”, diz um senhor de meia idade. E como é com a presença dos jovens da Missão País? A resposta vem da diretora técnica da instituição, Márcia Reis.
“É fantástico… Eles transmitem muita alegria. Já é o terceiro ano que cá vêm. Os nosso utentes estão sempre desertos que chegue esta altura porque já sabem que eles vêm. Este ano, estão um bocadinho tristes porque já sabem que vai ser o último.”
Entramos numa sala de visitas e os jovens apressam-se a cumprimenta os utentes que ali estão. “Vamos lá aprender o nosso hino”, convida um dos jovens. “Feliz és tu, Maria”, cantam, a uma só voz, no refrão.
Na televisão, passa o programa da manhã que fala de dentistas e da felicidade de “sorrisos que mudam vidas”. Um dos jovens missionários aponta para o televisor, enquanto repara na coincidência da legenda com o tema da oração da manhã, onde falaram de “sorrisos que mudam”. Ali, os sorrisos não são fáceis, mas fazem muita diferença e os missionários não desistem até os conseguirem.
Aprendido que está o hino, dividem-se agora pelos lugares ainda vagos e começam a conversar com quem ali mora. Dona Maria isto, senhor Manuel aquilo… Nós fomos falar com o senhor Prazeres, um dos utentes, a quem perguntamos a opinião sobre a presença daqueles jovens.
“Parecem-me ser todos muito boa gente. Lembro-me bem do primeiro e dos segundo anos que cá estiveram. É bom eles voltarem, só é pena ser pouco tempo. Cantamos, dançamos… Ontem, estive a falar com um deles sobre a vida e ouviu-me do princípio ao fim.”
As conversas estão animadas e parecem não ter fim. A nossa visita está quase a terminar, mas antes disso, João Amaral vais mostrar-nos as outras áreas de missão.
Mãos à obra…
Voltamos à base da Missão, numas salas anexas à igreja Matriz, estão os “trolhas” da Missão, a dar uma nova cara a um espaço que servia para arrumos. Vai ser aproveitado depois pelo agrupamento 1076 da Vieira de Leiria, que tem a sua sede ali ao lado.
Ao Presente Leiria-Fátima, já depois da partida dos missionário, a chefe de agrupamento, Ana Santos, fala de uma “mais valia para o agrupamento e para a paróquia”.
“Limparam todo o espaço, pintaram paredes, melhoraram o chão, puseram a canalização a funcionar. O espaço já era usado pela paróquia como arrumo para o material da festa. Os escuteiros vão agora aproveitar o espaço e garantir que ele se mantenha como os missionários o deixaram.”
O contato com os escuteiros aconteceu em diversas ocasiões e não apenas no âmbito do agrupamento, uma vez que muitos elementos do movimento estão na catequese e no grupo de jovens, áreas pastorais que a Missão País dinamizou na paróquia.
Enquanto os “trolhas” da Missão remodelam o espaço, do outro lado do largo da igreja matriz, no Cine-Teatro Actor Álvaro, outros missionários ensaiam a peça de teatro “A Visita”, que vai ser apresentada à comunidade no fim-de-semana e que se inspira no tema do ano.
O guião veio do projeto da Missão País para este ano, mas cada grupo é livre de adaptar à realidade onde vai ser apresentado. Encenação, representação, cenário, tudo está a cargo destes jovens, que desta forma reforçam o anúncio do Evangelho.
Que o exemplo perdure…
Apesar de se tratar de um movimento católico, a questão da fé não restringe a entrada de ninguém a participar na Missão País, conta João Amaral.
“Na faculdade, apresentamo-lo como um projeto católico e quem vem tem de vir com a mente aberta, disposto a participar nos momentos de oração e devoção que temos. Para quem gosta de ajudar, este é o projeto indicado.”
Esta abertura tem possibilitado estórias de conversão, de jovens que integraram o projeto não sendo católicos e que, depois da experiência, saem “cheios de fé e reconfortados”.
A missão na Vieira de Leiria encheu o coração de João Amaral. Na partida, faz questão de o dizer, enquanto lembra a forma calorosa como foram recebidos pela população. Em nome da população, o padre Miguel Sottomayor retribui em agradecimentos, pelo “ânimo que devolveram a tantas pessoas e o exemplo para as gerações mais novas”.
“Passados estes três anos, sinto-me profundamente reconhecido pela forma como a freguesia acolheu a Missão País. A experiência deste voluntariado foi muito gratificante, quer para os vieirenses, quer para os jovens missionários que, uma vez mais, deixaram Vieira de Leiria com o sentimento de missão cumprida”, refere o sacerdote, que não se cansa de agradecer a presença destes jovens”, refere o padre Miguel Sottomayor, que espera que o “exemplo destes jovens perdure na comunidade, como elemento inspirador das ações”.
A Missão País terminou. Pelo terceiro ano, jovens universitários deram testemunho de fé, serviço e caridade: o estágio ideal para quem quer Evangelizar.
“No regresso à rotina do dia-a-dia, as duas semanas que se seguem à Missão são as mais difíceis, mas o princípio é o de que o nosso trabalho não acaba aqui, pode prolongar-se ao longo do ano, entre o grupo de missionários e até a própria comunidade”, remata João Amaral.