Faz hoje 99 anos que o padre José Ferreira de Lacerda fundou o jornal O Mensageiro. O semanário Presente Leiria-Fátima, continuador desse legado, publicou um texto evocativo da data, na sua edição do passado dia 3.
Recordar é viver
Por Ambrósio Ferreira
Diz o velho adágio popular que “recordar é viver”. E a prová-lo, está o cuidado com que todos – pessoas, instituições ou povos – procuram guardar as suas memórias. É também frequente ouvirmos dizer que “um povo sem história não tem futuro”. Isto é, não viverá…
Vem isto a propósito de uma data que hoje queremos evocar: o aniversário de fundação do nosso antigo jornal O Mensageiro. Se ainda fosse vivo, completaria 99 anos no próximo dia sete deste mês, pois o seu primeiro número traz a data de 7 de Outubro de 1914. E publicou-se, semanalmente, até há poucos meses atrás. Uma longa vida, ao serviço da Igreja de Leiria e do progresso de toda esta região. Durante quase um século ajudou a construir a história da diocese leiriense, depois de ter contribuído, de maneira decisiva, para a sua restauração em 1918. Merece bem que guardemos a sua memória!
A importância dos meios de comunicação social, e em concreto do jornalismo, teve sempre geral aceitação. Quando se quer difundir uma ideia ou fazer vingar uma causa, prontamente se recorre a esses meios. E a Igreja nunca fez excepção, procurando fortalecer com eles a sua voz, para levar o mais longe possível o anúncio do Evangelho. No que ao nosso país diz respeito, parece-me não haver diocese portuguesa que não tenha o seu jornal diocesano ou paróquia alguma sem o seu boletim paroquial. Por sua vez, a diocese de Leiria-Fátima teve até o privilégio de poder dispor, durante muitos anos, não apenas de um, mas de dois semanários católicos: O Mensageiro e A Voz do Domingo. Foram fundados, o primeiro pelo Padre José Ferreira de Lacerda em 1914 e o segundo pelo Padre José Galamba de Oliveira em 1933. Dois sacerdotes excepcionais, profundamente convictos da enorme força dos media e do seu imprescindível papel na acção evangelizadora da Igreja.
Entretanto, como é do conhecimento de todos os leitores, razões várias, oportunamente divulgadas pelos responsáveis, levaram a diocese a decidir que “os dois jornais seriam unidos num só, respeitando-se a memória histórica de ambos os títulos, mas trilhando o futuro com um novo nome”. Decisão esta concretizada há cerca de três meses, com o aparecimento do novo semanário diocesano, a que foi dado o nome PRESENTE, e para o qual todos auguramos longa vida, ao serviço da acção pastoral da Igreja leiriense.
Ao evocar hoje o aniversário de fundação do antigo jornal O Mensageiro, que ocorre daqui a poucos dias, queremos contribuir para que ele não caia no esquecimento e “seja respeitada a sua memória”.
A restauração da Diocese, o padre Lacerda e O Mensageiro
O Mensageiro surgiu num contexto histórico muito preciso. Estava-se nos começos do século passado. A diocese de Leiria havia sido extinta, por razões meramente políticas, em Setembro de 1882. Tal decisão desagradou profundamente ao clero leiriense, a todo o povo cristão e à população em geral. E, com o passar dos anos, foram surgindo várias iniciativas, infelizmente infrutíferas, visando a sua restauração. Até que, a dada altura, o génio corajoso e empreendedor do padre José Ferreira de Lacerda sentiu que era chegada a hora de lançar uma nova tentativa.
Foi no mês de Novembro de 1913. No dia 18 falecera em Coimbra o saudoso bispo D. Manuel Correia de Bastos Pina, a cuja diocese fora anexada grande parte da de Leiria, por altura da sua extinção. Oito dias depois, a 25, realizar-se-iam na velha Sé leiriense as exéquias solenes de 7.º dia, por alma do bispo defunto. Estariam certamente presentes numerosos sacerdotes, entre os quais o padre Lacerda que, nas vésperas desse dia, teve uma ideia luminosa: – “Porque não aproveitar a morte do bispo de Coimbra, D. Manuel, para ressuscitar o antigo bispado de Leiria?…”
E logo o padre Lacerda, então reitor dos Milagres, põe em movimento esta sua ideia. Redige uma breve circular, que manda imprimir, para no dia das exéquias dar conhecimento do seu projecto a todos os colegas presentes, pedindo-lhes sugestões e apoio para, em conjunto, se lançarem na difícil campanha de restauração da querida diocese leiriense. Uma das sugestões avançadas pelo padre Lacerda na referida circular era a da criação de um jornal, “que fosse o grande veículo para difundir e dinamizar a nova campanha”.
A ideia estava lançada, mas razões várias foram arrastando a sua concretização. Só quase um ano depois, a 7 de Outubro de 1914, surge o primeiro número de O Mensageiro. É seu fundador e director o padre José Ferreira de Lacerda. E, a abrir a primeira página, lá vem em letras garrafais a síntese do seu programa e a razão prioritária da sua fundação: – “Viva a diocese de Leiria! Católicos da antiga diocese de Leiria, O MENSAGEIRO, ao iniciar a sua publicação, ao mesmo tempo que vos saúda, solta o brado que lhe sai do fundo da alma: Viva a diocese de Leiria!”
E a difícil campanha para a restauração do bispado, que se prologará por mais de três anos, encontrará naquele jornal, semana após semana, um permanente grito de alerta para manter vivo o fogo do entusiasmo. O Mensageiro informa, lança apelos, recolhe fundos, promove iniciativas, esclarece dúvidas, sacode obstáculos. É a chama sempre acesa, até à vitória final, que vem no dia 17 de Janeiro de 1918, pela bula da restauração diocesana Quo vehementius, do papa Bento XV.
Um jornal católico leiriense
Claro que a fundação do jornal, feita pelo padre Lacerda, não foi apenas para dinamizar aquela nobre campanha. A sua profunda visão da força que tem o jornalismo, o seu fervoroso zelo apostólico de pastor e o temperamento vivo de lutador pelas grandes causas, levou-o a acrescentar, desde o início, outros objectivos ao seu programa.
O Mensageiro era um jornal católico. Por isso, em período de tão exacerbado anticlericalismo e tão aceso combate contra a Igreja e os cristãos, ele seria o seu atento e permanente defensor e amigo. Era um jornal leiriense. Por isso lutaria sempre com vigor por esta região. Pelo progresso das suas gentes, pela defesa dos seus anseios e necessidades, pela resolução dos seus problemas e atrasos. Num dos seus primeiros números, ainda em 1914, escrevia o padre Lacerda: – “Trabalhemos pelo engrandecimento de Leiria, levantemo-la do estado em que jaz. O Mensageiro vê na sua frente um vasto campo em que poderá trabalhar, alheando-se dos baixos ódios, questiúnculas ou rancores”.
Assim, ao mesmo tempo que defende a Igreja e leva ao conhecimento dos leitores a riqueza da sua doutrina, O Mensageiro é, ao longo dos anos, uma voz forte e poderosa, que promove incansavelmente o desenvolvimento de Leiria e da sua região.
Quantas iniciativas e benfeitorias não surgem nesta cidade, na diocese e em todo o distrito, devido à intervenção e apoio deste pequeno-grande jornal e do seu director?! Seria demasiado longo enumerá-las. De uma coisa, porém, não temos dúvidas: É grande a nossa dívida de gratidão para com O Mensageiro. Guardemos ciosamente a sua memória!
O autor não segue no acordo ortográfico de 1990