A fé na Ressurreição dos mortos
Lectio divina para o XXXII Domingo do Tempo Comum – Ano C, 6.11.2022
Breve introdução
A liturgia deste domingo, a partir da 1ª leitura retirada do 2º Livro dos Macabeus e do trecho do Evangelho de Lucas, convidam-nos a reflectir sobre o fim último do homem e da novidade que é a ressurreição dos mortos, como Jesus no-la deu a entender. A morte parece ser ainda um tema tabu na nossa sociedade contemporânea. Evita-se o uso da palavra morte e a deslocalização desta experiência humana para os hospitais de forma quase exclusiva, afastando-a do ambiente familiar como acontecia até há algumas décadas, na maioria das nossas terras, fez com que a morte não seja encarada como uma realidade natural nas nossas vidas. Sendo das experiências humanas mais intensas, seja a consciência da nossa própria morte, seja a morte de outras pessoas (mesmo daquelas que não conhecemos pessoalmente), a morte ganha um horizonte de esperança à luz da fé cristã.
1. Invocação
Senhor Jesus,
fonte de vida e ressurreição,
que viestes ao mundo
libertar o homem das trevas
do pecado e da morte,
vinde hoje em nosso auxílio
para que sejamos nós também
portadores da esperança
junto daqueles que sofrem.
Ámen.
2. Escuta da Palavra de Deus
2.1. Vamos escutar uma passagem do Evangelho segundo Lucas
A fé na ressurreição dos mortos é uma realidade que encontramos, tardiamente, nos escritos do Antigo Testamento. No século II a.C., nos escritos do profeta Daniel e no II Livro dos Macabeus podemos verificar a crença de que a morte não terá a última palavra sobre o homem. Já no Livro de Job, uma estupenda reflexão sobre a condição humana, descortinamos o descontentamento do autor de que o “destino” no fim da vida de uma pessoa, com a morte, não poderá ser o mesmo para o justo e para o insensato. Mas é com Jesus que o tema da ressurreição dos mortos ganha uma nova actualidade e uma amplitude não conhecida até aí.
2.2. Leitura do Evangelho de S. Lucas (Lucas 20, 27-38)
Naquele tempo,
aproximaram-se de Jesus alguns saduceus
– que negam a ressurreição –
e fizeram-Lhe a seguinte pergunta:
«Mestre, Moisés deixou-nos escrito:
‘Se morrer a alguém um irmão,
que deixe mulher, mas sem filhos,
esse homem deve casar com a viúva,
para dar descendência a seu irmão’.
Ora havia sete irmãos.
O primeiro casou-se e morreu sem filhos.
O segundo e depois o terceiro desposaram a viúva;
e o mesmo sucedeu aos sete,
que morreram e não deixaram filhos.
Por fim, morreu também a mulher.
De qual destes será ela esposa na ressurreição,
uma vez que os sete a tiveram por mulher?»
Disse-lhes Jesus:
«Os filhos deste mundo
casam-se e dão-se em casamento.
Mas aqueles que forem dignos
de tomar parte na vida futura e na ressurreição dos mortos,
nem se casam nem se dão em casamento.
Na verdade, já nem podem morrer,
pois são como os Anjos,
e, porque nasceram da ressurreição, são filhos de Deus.
E que os mortos ressuscitam,
até Moisés o deu a entender no episódio da sarça ardente,
quando chama ao Senhor
‘o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacob’.
Não é um Deus de mortos, mas de vivos,
porque para Ele todos estão vivos».
2.3. Breve comentário
Aproximam-se os dias da Páscoa judaica. Jesus encontra-se em Jerusalém, onde decorre este diálogo com os saduceus. É a primeira vez, no Evangelho de Lucas, que se fala deste grupo dos saduceus. Quem são? São pessoas ricas, aristocráticas, que se entendem bem com o poder político do império romano. Do ponto de vista religioso são conservadores e apenas aceitam como livros sagrados a “Torah”. Dominam o Sinédrio e os sacerdotes do Templo são, na sua maioria, deste grupo. Apresentam-se como os legítimos intérpretes da Lei e tudo fazem para não perderem os seus privilégios. Ao contrário dos fariseus e de grande parte do povo, não acreditam na ressurreição dos mortos, alegando que na “Torah” não há nenhuma referência a esta realidade. Certamente, esta história por eles inventada e apresentada a Jesus como um caso, já teria sido usada muitas vezes para ridicularizar os fariseus e a sua crença na ressurreição dos mortos. Sabendo que Jesus também perfilhava estas ideias, vêm ter com Jesus para o pôr à prova, uma vez que Ele era uma séria ameaça à sua autoridade e influência.
O caso em questão é este: uma mulher casou, sucessivamente, com sete irmãos, cumprindo a lei do levirato (segundo a qual, o irmão de um defunto que morreu sem filhos devia casar com a viúva, a fim de dar descendência ao falecido e impedir que os bens da família fossem parar a mãos estranhas, cf. Dt 25,5-10). Quando ressuscitarem, ela será mulher de qual dos irmãos? Era uma questão séria de difícil resolução, sobretudo para os fariseus, que compreendiam a ressurreição dos mortos como o retomar da vida terrena, mas potencializada, plenificada e isenta dos sofrimentos presentes. Porém, Jesus não se apresenta incomodado, porque o entendimento que revela da realidade da ressurreição é outro.
Jesus articula a sua resposta em duas partes distintas: os versículos 27-36 referem que a realidade futura não é o prolongamento desta vida. A afirmação: «Mas aqueles que forem dignos de tomar parte na vida futura e na ressurreição dos mortos, nem se casam nem se dão em casamento.» sintetiza esta ideia. Os versículos 37-38 constituem a segunda parte da resposta de Jesus, citando um texto da “Torah”, aceite pelos saduceus: «o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacob». É um Deus de vivos e não de mortos, pois se acreditava que os mortos eram como sombras no “sheol” que tinham perdido totalmente a protecção e a amizade de Deus. Portanto, a memória de Deus conjugada com referência aos patriarcas faz deles não apenas lembrança mas realidade viva.
3. Silêncio meditativo e diálogo
– A realidade da ressurreição, sendo a mais central da fé cristã, a partir da própria Ressurreição de Cristo, não deixa de levantar muitas dúvidas ao homem contemporâneo, que vê no discurso religioso sobre ela, muitas vezes, mais uma forma de fugir às dificuldades do tempo presente, apontando para aquilo que nos espera, do que realidade que inspira e motiva a viver o presente com esperança. Que penso eu da realidade da ressurreição?
– A fé na ressurreição é uma certeza para os cristãos, o que não quer dizer que compreendamos ou consigamos explicar cabalmente como será. S. Paulo assim o refere: «O Senhor preparou para aqueles que o amam coisas que os olhos não viram, os ouvidos não ouviram, o coração do homem não pressentiu» (1Cor 2,9). A certeza na ressurreição traz-me alegria e paz?
– A Eucaristia é o memorial da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus de Jesus. Ao participarmos nela não apenas fazemos memória do Senhor. Não é um rito que nos lembra alguém que morreu (para uns, um herói, para outros, um profeta ou um santo) e que queremos recordar. Mas fazemos memorial do Senhor. Do Senhor que é a Ressurreição e a Vida e, nesta comunhão de destino, também um dia com Ele ressuscitaremos. A nossa participação na Eucaristia é marcada por esta esperança?
– Pela participação na Eucaristia estamos em comunhão com os irmãos que já partiram: os que se encontram já em plena comunhão com Deus e com os fiéis defuntos que, através dos nossos sufrágios e orações, aguardam esse encontro definitivo com Deus. Assim cantamos no Sanctus: «o céu e a terra proclamam a Vossa glória. Hossana nas alturas». Tenho consciência do valor infinito da Eucaristia e dessa comunhão que através dela posso viver não apenas com Deus mas com os irmãos? Limito-me a mandar celebrar missas pelos irmãos que já partiram, ou esforço-me em participar e usufruir desse bem espiritual?
– A realidade cristã da ressurreição dos mortos é a afirmação de que uma vez criados por Deus, passando pela morte biológica, a nossa identidade não se perderá, pois só temos uma vida que se há-de transformar à luz e semelhança do corpo glorioso de Cristo. No mundo atual, em que são muito sedutoras as crenças na reencarnação dos mortos (terás outras oportunidades noutras vidas de fazer o que não fizeste nesta), como vivo a vida única que Deus me deu e como aproveito o tempo, que é precioso, para a fazer frutificar?
4. Oração final e gesto familiar
Vivemos por estes dias a Solenidade de Todos os Santos e a Comemoração dos Fiéis Defuntos, comemorações cristãs cada vez mais substituídas, na sociedade civil, por tradições não cristãs do HALLOWEEN. Deixo o desafio de, em família, visitarem o(s) cemitério(s) onde foram sepultados os familiares falecidos e colocarem nas suas campas uma flor, como símbolo de vida, memória e amizade. Ali, de mãos juntas, pelo seu eterno descanso e de todos os que ali estão sepultados, rezem a oração cristã por excelência que Jesus ensinou, o Pai Nosso.
https://bit.ly/2W4uDI6