A fé e a Esperança: fonte de Perseverança
Lectio divina para o XX Domingo do Tempo Comum – Ano C (14.08.2022)
Breve introdução
Neste tempo estival e, para muitos, de descanso e de férias, a Palavra de Deus deste domingo vem desinstalar-nos, a partir das palavras de Jesus e do exemplo de Jeremias. A obra da evangelização requer um empenho constante, um esforço diário, um risco permanente para quem a quer abraçar não apenas como uma tarefa a cumprir, mas como uma vocação/missão. Propor um mundo novo, uma lógica nova (a de Deus), exige persistência e audácia, criatividade e capacidade de leitura dos sinais dos tempos. A perseverança na missão da Igreja só é possível quando é gerada na fé e na esperança. Jeremias é bem o exemplo de como podemos alternar entre a confiança e a desilusão, entre a coragem e o medo. Porém, quem for perseverante até ao fim, esse encontrará a alegria da salvação.
1. Invocação
Senhor Jesus,
que nos destes um exemplo de coragem
ao enfrentar as contrariedades e oposições
com confiança no Pai e guiado pela luz do Espírito,
fortalece o nosso ânimo
para que no momento de prova
não nos deixemos levar pelo desânimo
nem caiamos no comodismo do mais fácil.
Ámen.
2. Escuta da Palavra de Deus
2.1. Vamos escutar uma passagem do Livro de Jeremias
O relato situa-nos em Jerusalém, pouco tempo antes da queda e destruição da cidade pelo exército da Babilónia, do rei Nabucodonosor, no ano de 586. Jeremias, que actua como profeta a partir do ano 627 a.C., vive um período conturbado do reino de Judá, sobretudo após a morte do rei Josias, ocorrida em 609 a.C. Agora, o rei Sedecias, influenciado por militares partidários da aliança com o Egipto e contra os babilónios, nega pagar o tributo ao rei da Babilónia. Apesar das ameaças, ambos levados pela euforia de um contingente de soldados egípcios que chegara a Jerusalém para a defender, não compreendem a mensagem do profeta Jeremias – que sugere o diálogo e a rendição para evitar uma destruição maior – e procuram eliminá-lo.
2.2. Leitura do Livro de Jeremias (Jr 38, 4-6.8-10)
Naqueles dias, os ministros disseram ao rei de Judá:
«Esse Jeremias deve morrer, porque semeia o desânimo entre os combatentes que ficaram na cidade e também todo o povo com as palavras que diz. Este homem não procura o bem do povo, mas a sua perdição». O rei Sedecias respondeu: «Ele está nas vossas mãos; o rei não tem poder para vos contrariar».
Apoderaram-se então de Jeremias e, por meio de cordas, fizeram-no descer à cisterna do príncipe Melquias, situada no pátio da guarda. Na cisterna não havia água, mas apenas lodo, e Jeremias atolou-se no lodo. Entretanto, Ebed-Melec, o etíope, saiu do palácio e falou ao rei:
«Ó rei, meu senhor, esses homens procederam muito maltratando assim o profeta Jeremias: meteram-no na cisterna, onde vai morrer de fome, pois já não há pão na cidade».
Então o rei ordenou a Ebed-Melec, o etíope: «Leva daqui contigo três homens e retira da cisterna o profeta Jeremias, antes que ele morra».
Palavra do Senhor
2.3. Breve comentário
O episódio descrito nesta passagem do Livro de Jeremias é uma das mais dramáticas da sua vida, recheada de tantos momentos em que se sentiu ameaçado por causa da mensagem profética que devia anunciar em nome de Deus. O rei Sedecias não teve força para contrariar alguns militares que acusavam Jeremias de anunciar a desgraça para Judá e de desmotivar o povo, apelando a que se rendessem. Jeremias é então metido numa cisterna e corre sérios riscos de vida. Quem se lembraria dele, uma pessoa mal-amada por não dizer palavras agradáveis e aparentemente convidar à derrota?
Quem vai “salvar” Jeremias é Ebed-Melec, o etíope, que servia de escravo no palácio real e intercede por ele junto do rei. Acusando os militares de procederem mal contra o profeta, alerta para os sérios riscos de ele morrer de fome. Então, Sedecias manda que Ebed-Melec liberte Jeremias da cisterna.
Jeremias, o profeta que se deixou seduzir por Deus, não tem carácter agressivo. É uma pessoa boa e sensível. Mas Jahwéh confia-lhe a missão de “arrancar e destruir, arruinar e demolir” (Jer 1,10), predizer desgraças e anunciar violência e morte; e o profeta não recusa esta missão e por ela vai arriscar a sua paz, o seu bom nome, as suas amizades. Não pensa no seu sucesso pessoal. Apenas tem em mente fazer a vontade de Deus, anunciar a Sua Palavra custe o que custar. Embora também tenha momentos de lamentação e de desânimo, chegando a maldizer o dia em que nasceu, Jeremias caminha na fé e na esperança. São o segredo da sua perseverança. Na parte final deste texto, cumpre-se a promessa de Deus, expressa no relato da vocação de Jeremias: “não tenhas medo, Eu estarei contigo para te libertar” (Jer 1,8). Quando Jeremias é provado ao limite das suas forças, Deus intervém e mostra como nunca esquece aqueles que lhe são fiéis.
3. Silêncio meditativo e diálogo
«Esse Jeremias deve morrer, porque semeia o desânimo entre os combatentes que ficaram na cidade e também todo o povo com as palavras que diz…»
Jeremias é símbolo de todos aqueles que no mundo não se apresentam com palavras agradáveis de ouvir, mas, muitas vezes, por fidelidade a Deus, põe a sua vida em risco. Esse Jeremias deve morrer. Estas palavras fazem-nos lembrar a sentença injusta imposta a Jesus: este homem deve morrer. A Eucaristia é memorial do sacrifício de Jesus por nós. É o sacramento da paixão e morte de Jesus.
Com que sentimentos de gratidão vivo eu a Eucaristia? Por Jesus, mas também por tantos que, como Ele, dão a vida pela justiça e pela verdade?
«… Este homem não procura o bem do povo, mas a sua perdição».
Nem sempre se percebem logo as mensagens proféticas. Soam tantas vezes a exageradas, contraditórias e maldizentes que parecem irreais. Talvez porque só em chave eclesial, guiados pelo Espírito de Deus e iluminados pela fé estas palavras se tornam reais e verdadeiras, devemos estar atentos a quem hoje nos fala na Igreja e no mundo. Também a Palavra de Deus que escutamos na Eucaristia, ainda que com a explicação homilética pareça ser de difícil compreensão, não deixa de ser Palavra de Deus e para nós fonte de vida.
Preparamos antecipadamente as leituras do domingo, lendo algum comentário, para que, quando as escutamos, elas nos sejam mais fáceis de compreender?
«Apoderaram-se então de Jeremias e, por meio de cordas, fizeram-no descer à cisterna…»
Também Jesus, manietado pelos soldados, é insultado, maltratado e morto. Também Ele foi descido aos calabouços e, depois, à sepultura. Reina o silêncio. Jeremias e Jesus fazem a experiência do silêncio. Do abandono dos homens, da solidão. Mas também do silêncio através do qual Deus fala. Não é já um silêncio de morte, mas tempo gerador de vida. De provação, mas também de confiança.
A Eucaristia é para mim este momento de encontro profundo com Deus?
«Na cisterna não havia água, mas apenas lodo…»
Ao contrário das cisternas rotas do deserto que não oferecem confiança, Deus aparece ao Povo de Israel, à Samaritana e a nós hoje como Fonte de Água Viva. Ao contrário das águas paradas, mortas e lodacentas, Deus é fonte de vida que sacia e inebria. Se as cisternas aqui podem representar as falsas seguranças humanas que não asseguram a vida, e para Jeremias seria o lugar do seu fim, para nós Deus é sempre o princípio da vida.
É assim que creio e busco em Jesus na Eucaristia a Fonte de Água Viva e o Pão do Céu?
«… meteram-no na cisterna, onde vai morrer de fome, pois já não há pão na cidade».
Há fomes e sedes que não são de pão ou de água. Mas de sentido para a vida, de alegria, de esperança. Buscai o alimento, que permanece até à vida eterna, diz Jesus. Esse alimento é a Palavra de Deus. É o Pão Eucarístico. Atravessamos neste momento uma guerra na Europa que arrasta consigo a possibilidade de uma fome generalizada. Que para além do pão de cereais, não nos falte o Pão da Eucaristia.
Poderei eu sobreviver espiritualmente sem a Eucaristia?
«Então o rei ordenou a Ebed-Melec, o etíope: «Leva daqui contigo três homens e retira da cisterna o profeta Jeremias, antes que ele morra».
Participar na Eucaristia nunca é fuga dos problemas da vida, mas antes compromisso em resolvê-los. Não é uma oração individual, mas sacramento vivido em comunhão e em unidade. Jeremias foi salvo por Deus que actuou através daqueles homens. Hoje a salvação de Deus pode chegar a muitos que se sentiram interpelados no final da Eucaristia: Ide em paz e o Senhor vos acompanhe». Um ide comprometido a fazer o bem, na certeza de que o Senhor está connosco.
Encontro na Eucaristia a força que me leva à missão e ao compromisso em defesa dos oprimidos?
4. Oração final e gesto familiar
Nem sempre é fácil partilhar as experiências de cruz e sofrimento que já passámos na vida. Os momentos em que nos sentimos incompreendidos e insultados. Outras vezes até nos sentimos abandonados por todos. Mas a partilha oferece um momento de grande comunhão: pode ser iluminadora para quem escuta, pois pode ter vivido experiências semelhantes, e libertadora para quem conta.
No final, juntos e de mãos dadas, rezar a Oração do Pai-Nosso, reafirmando a união com Deus e a vencer as tentações e o mal.
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